Estações de ser escrita por Ainda Wendy


Capítulo 2
Outono


Notas iniciais do capítulo

"E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão..."

— trecho do poema "Canção de Outono" de Cecília Meireles



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As dores de cabeça viriam, eu já estava prevenida, assim como os enjôos constantes e as alterações psicológicas, porém a essas eu apenas reanimei o velho e desgasto sorriso. Acostumei-me tanto a vomitar minha alma e ter de ruminá-la até sentir-me normal; a ter um breve refluxo de existência, cuja dor era sentida pelos sonhos adormecidos – cansados de esperar serem realizados ou ainda destruídos-, que não me admirou ter de enfrentar algo a mais.

O doutor chamou isso de força, com nuances de elogio, o que me fez muito mal, terrivelmente mal, e os motivos para devastador sentimento escondiam-se de mim. Mas eu insisti: procurei-os em fotos antigas, textos velhos e filmes depressivos. Até nas bebidas - vencidas como eu- resolvi aventurar-me. A necessidade de algo completo, invadindo-me em um momento tão frágil, era excessivamente perturbadora.

Pior ainda foi quando eu senti ânsia e corri ao banheiro, prendendo os cabelos, já imersa pelas lágrimas e pela acidez dentro de meu corpo que se revirava contra mim. Então um olhar, para deslumbrar a tragédia e enraizar qualquer sentimento, pairou sobre o espelho. O meu olhar. O rosto tão morto, os olhos de vidro, mas o sorriso, conforme reconheci o que tinha encontrado, ah, o sorriso era assustador.

Eu precisava sofrer e quanto mais dores, melhor! Queria todas elas. Desejei, inclusive, o suicídio; as folhas das árvores que eu plantei – árvores de niilismo e de sofrimento- cresciam e balançavam alegres por tal loucura. Como gostei de saber que sofreria mais um pouco; as palavras que escrevo agora até escorriam – pelos olhos, pela boca, por toda minha pele-, desesperadas, tanto quanto eu.

Que susto eu tomei, ao ver uma mulher como essa diante de mim, ao meu lado, dentro de minha cabeça. Gritei que saísse. Forcei a goela, pois ela deveria sair mesmo. Não haveria remédio ou cura; se não saísse, eu estava condenada. Vomitei tristemente antigos sonhos, principalmente aqueles com vôos e com as melhores primaveras, que logo foram engolidos pela descarga e pela real dor – pois ela não demoraria a tardar.

Uma dor feia, que rasgava o cérebro e deixava-me sentir cada neurônio se comunicar um com o outro; dançando a música oriunda de meus desejos, os quais, a essa altura, eu já odiava. Pedi por ajuda, ajoelhei-me no chão. A miséria era estar sozinha; estranhamente o hospital ganhou um aspecto de paraíso inimaginável.

Vomitei mais e mais. Em cima de mim, talvez como um aprendizado. Estaquei no chão gélido e imundo do banheiro esperando que aquilo parasse. Esperei mais ainda pela força que o doutor tinha ressaltado. A essa eu esperei mesmo; imaginei que de súbito ela chegaria, estenderia a mão a mim e levantar-me-ia.  Eu limparia o chão e o corpo, voltaria à bebida nojenta e aos filmes idiotas.

Tudo isso, no entanto, demorou a chegar. Devo ter até mesmo dormido antes que soasse o trovão, furioso com tal moleza e pronto para despertar-me.  Assim, a chuva caiu e ergueu-me. Eu queria senti-la. Queria lavar-me nela, como nos poemas e nas histórias. Tinha a descrito tanto em outros textos, que a vista de poder vivenciá-la, eu sequer pensei.

Caminhei de pernas bambas ao jardim, notando o céu carregado de nuvens e momentos tristes. Logo mais veio o toque rápido da água, da vida sobre mim. Seria possível viver depois de tanto desejar o fim? Deixei-me deitar na grama, sendo molhada junto com as outras árvores – cujas copas ainda tinham folhas verdes. No entanto, era outono e tudo o que estava no alto – e que a realidade não conseguia pegar - cairia. Meu sorriso, no meio desse temporal, transcendia a estação. Ah, pensei, como era triste a chuva de outono!...    


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada àqueles que chegaram aqui ^^ De verdade, isso deixa-me muito feliz. Gostaria de dar um agradecimento especial ao Nano, que comentou o capítulo passado, e também queria pedir desculpa pelo grande intervalo de um mês sem postar. Estou considerando em postar de mês em mês - todo dia vinte e nove, pois eu ando um pouco lenta com essa narrativa e estou muito ocupada com a escola.
Ainda estou pensando nisso... Enfim, se houve qualquer erro, por favor, avisem-me. Já li algumas vezes, mas... vai saber. E claro, caso queiram falar sobre alguma coisa, sintam-se à vontade para comentar. Podem ter certeza que eu ficarei bem feliz =)
O link para a visualização do poema inteiro é esse: http://poesia-de-cecilia.blogspot.com.br/2009_08_01_archive.html

Acredito que seja isso. Espero que tenham gostado do capítulo. ~Até!



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