Anjo das Trevas - 2ª temporada escrita por Elvish Song


Capítulo 22
Demanda inesperada


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo não muito longo, que se liga diretamente ao anterior! Espero que gostem!!!! Novamente, betado pela linda Sherazade!



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— Crianças, não vão longe! – ordenou Annika, firme – Quando estiverem com Apolline, não devem se afastar sem a permissão dela. Longe de nós, devem obedecê-la como a mim mesma.

— Está bem, mamãe – disse o trio em uníssono, e Alain continuou – Maman, eu sei que precisa trabalhar. Pode deixar, que eu cuido das meninas.

— Você é meu principezinho! – sorriu a pianista, dando um beijo na testa do filho – Obedeça Pollie, certo?

A criança anuiu, e a senhora Destler se levantou, falando com a preceptora:

— Vamos tentar seguir um dia normal; se tiver algum problema com as crianças, estamos perto.

— É claro. Não precisa se preocupar, Annika. – assegurou Pollie com um sorriso, pegando Selly no colo – Vamos nos conhecer melhor, hoje.

— Está bem. – Annika percebeu a agitação no palco, e franziu o cenho – Mas o que está acontecendo, lá? – seguiu a passos rápidos para junto dos outros artistas, e ouviu quando Rosa Sucher falou:

— Sem Niccola estamos desfalcados! Sua substituta está grávida, e não temos outra soprano lírico disponível! – a pianista ia perguntar o que acontecera, quando Gabrielle se manifestou:

— Annika é soprano-lírico. Ela pode cantar. – a pianista sentiu o coração gelar ao ouvir aquilo. Que história era essa?!

— Eu posso o quê?! O que está acontecendo? – perguntou, juntando-se à roda.

— Niccola está com pneumonia. – explicou o maestro Sucher – A sua substituta está grávida; não temos quem interprete Pamina em Die Zauberflöte, nem Musetta, em La Bohéme.

— Annika canta todas as árias de Pamina, de Musetta, de Norma, Aída, Carmen, La Traviata e qualquer outra adaptável a seu tom. – tornou Gabrielle – Foi treinada pelo mesmo professor de Christine Daae.

— Espere, espere aí, Gabrielle! Eu não disse que concordava com isso! Eu não creio que tenha... – o toque de Madame Sücher em seu ombro a interrompeu, quando a Prima Donna se dirigiu a ela:

— Annika, é uma peça muito importante para nós. A Flauta Mágica é nosso orgulho e, se não houver alguém que possa cantar o papel de Pamina, não poderemos fazer uma apresentação extremamente importante! Se você é capaz de cantar, ao menos tente.

Annika congelou por um momento, insegura como não se sentia há muito! O piano era sua área de domínio, mas cantar... Cantar era algo íntimo demais, algo que reservava apenas para si e para Erik, muito raramente para os amigos próximos. Não tinha certeza de possuir excelência vocal para tanto. E como se lesse a expressão da irmã, a jovem violinista interveio:

— Annie, você já é uma cantora mais do que qualificada. – e dando de ombros – Ao menos tente. Mostre o que sabe!

A pianista ia protestar, quando seus olhos pousaram em alguém afastado da multidão; alguém cujos olhos dourados capturaram os seus, afastando-a de todos os demais olhares curiosos e cheios de expectativa. Um rosto mascarado que anuiu, encorajando-a, e Annika confiou. Ele não diria que podia fazer isso, se não fosse capaz. Erik não se tornava cego pelo amor; não em relação à arte. Naquele instante, ela soube que sua voz era suficiente para isso. Olhou então para todos os que insistiam e agitou as mãos levemente no ar:

— Está bem, está bem! Escutem, o piano é meu instrumento principal. Posso tentar isso, mas apenas até o elenco estar preenchido, novamente. Aceito fazer um teste, mas não garanto os resultados.

— Apenas tente. – insistiu uma corista, Frida. Annie encarou Gabrielle, que tinha olhos brilhantes e cheios de expectativa, e depois os amigos e conhecidos; passou por Apolline, e então mirou os filhos. E embora fossem só crianças, pareciam muito cônscios da situação, especialmente quando Carol se adiantou e segurou sua mão:

— Cante, mamãe. Por favor. – aquilo derrubou as últimas reservas da mulher, que sorriu, abaixou-se para beijar a filha e, ao se levantar, pediu:

— Ária de Pamina, por favor. Ach, Ich füll’s.

Passaram-se alguns segundos, durante os quais os músicos se reorganizaram, e então a ária se iniciou. A primeira nota soou na voz firme e límpida da pianista, e logo quando se elevou no agudo inicial, emudeceu todos os presentes com o som puro qual o canto de um cristal. As sílabas e frases continuaram, cada nota, tom, trinado e volatura executado com perfeição enquanto, de olhos fechados, a soprano imergia na música, completamente arrebatada. Assim era com o piano, e agora, com sua própria voz. No momento ela era seu próprio instrumento, e exprimia na voz o vasto, encantador e extraordinário mundo de sons e melodias de sua mente. Sem sequer perceber, brilhava como uma estrela em meio à noite, inatingível, perfeita, quase divina para todos os que a ouviam em estupor e maravilha.

Oculto nas sombras, Erik sentia cada fibra de seu ser reagir, inundado por uma sensação de encanto e deslumbramento; estremecia a cada nota perfeita, um estremecimento de plenitude, seu fôlego arrebatado, seus sentidos capturados e dominados pela ária a ecoar na voz de sua esposa. No brilho e perfeição dela, ele se sentia renascer, remoldar, reconstruir; pelo brilho e enlevo de Annika, ele se sentia completo, belo, perfeito. Nunca se sentira assim, pois jamais sua alma estivera de tal modo ligada à de Christine; mais além, a voz de Annika, sua Annie, não era perfeita. E talvez o ínfimo degrau que faltava para a perfeição, galgado através de entrega e amor, fizessem daquele canto o mais belo que já escutara. A medida certa de imperfeição, que criava o inimaginável diferencial ao ser contrabalançada por uma entrega que apenas a completa falta de vaidade e puro amor pela música podiam completar. Na voz dela, ele alcançou os céus. E em seu silêncio, quando a última nota morreu suavemente, o músico retornou à realidade, pleno, radiante, sereno, e com a percepção única de, em todas as esferas possíveis e imagináveis, serem ele e a pianista uma mesma alma em dois corpos. A perfeita união, que a tudo transcendia.

Annika deixava o próprio corpo ao cantar: sua mente se expandia, e sua alma voava a alturas inimagináveis, direto a um Paraíso composto por música, sons maravilhosos, um universo de enlevo e adoração à arte que se descortinava em seu coração e mente, obscurecendo a visão e a percepção do “eu”, que se tornava um instrumento através do qual todas aquelas maravilhas podiam ser canalizadas, transbordando da alma da pianista em sons afinados não apenas por técnica, mas por algo ainda maior: amor, entrega cega e incontestável, e confiança. Sim, confiança, pois no momento em que seus olhos encontraram os de Erik, a música já não estava apenas nela, mas fluía de um para o outro como o cordão eterno e imaterial que os unia. Toda forma de música. E quando enfim silenciou foi que a mulher voltou a si, percebendo os olhares de surpresa mal-disfarçada, admiração, até mesmo alguma inveja, o que muito a desagradou: a música jamais deveria despertar quaisquer sentimentos negativos em alguém. Isso parecia uma corrupção imensurável de sua natureza pura, e por isso a concertista reservava para sua família a própria voz. Entretanto, admiração e comentários exultantes superavam em muito esgares de despeito, e Annie se obrigou a relaxar e conversar tranquilamente com os demais, um ligeiro sorriso tímido se mostrando em seus lábios como resposta a toda aquela atenção súbita.

Frau Sucher era a mais exultante ali, ao beijar ambas as faces da francesa com seus modos espontâneos, sorrindo ao lhe dizer:

— Seria uma honra e um deleite inimaginável partilhar o palco com tão maravilhosa voz! Oh, Annika, por favor, aceite! Ao menos por esta temporada, empreste sua voz aos palcos alemães, e ceda-nos a alegria de ouvi-la!

— Por favor, Annie! - Pediu Gabrielle, ansiosa e orgulhosa da irmã - Faça isso, por favor! O mundo merece poder ouvir sua voz!

Annika respirou fundo, uma leve pontada de pânico ante a pressão de todos para que o fizesse, e ante a situação de aprovação e súplicas generalizadas, respondeu de modo um tanto rude:

— Está bem! Eu faço! Mas apenas até que o elenco original esteja disponível, novamente. - Pareceu-lhe que ia desmaiar, e amaldiçoou ter colocado o espartilho antes de declarar - Preciso respirar.

Sabendo que Gabrielle e Apolline segurariam as crianças, correu para os andares superiores, até um pequeno terraço escondido, onde se dobrou ofegante contra uma parede, tonta demais para chegar perto da borda. Poucas coisas a assustavam, mas agora estava assustada, de fato, por mais tolo que fosse o motivo. Mais assustada do que ficara com qualquer surra tomada ou ameaça de prisão, em sua vida anterior!

Continuou em seu lugar, tentando se acalmar ante a expectativa de cantar perante tantas pessoas, quando uma presença se fez sentir, muito mais do que ouvir, já que era silenciosa como uma sombra. Ela sentiu dedos hábeis abrirem as costas de seu vestido e rasgarem os laços de seu espartilho, puxando-o para fora de seu corpo.

— Não use mais essas peças de tortura. Fazem mal à sua respiração. - Disse o Fantasma em voz comedida e baixa, tornando a fechar o vestido da esposa, que se sentia fisicamente um pouco melhor, mas mentalmente arrasada.

— Não consigo fazer isso, Erik - sussurrou - Cantar é algo apenas nosso... É um grau de exposição que... Além disso, ainda não sou perfeita e... É totalmente diferente do piano. Ele me protege, somos apenas ele e eu, quando toco. Mas cantando e atuando... Não acho que consiga...

— Então você se conhece terrivelmente mal. - foi a resposta um tanto dura, quase sem emoções, antes que os gestos das mãos destoassem da voz, acariciando seu rosto e fazendo-a erguer o olhar.

— Não consigo. - insistiu a pianista, fitando os olhos dourados do esposo - Isso sempre foi apenas nosso.

— Sempre será apenas nosso - respondeu o Fantasma, firme e terno ao mesmo tempo – Mas, ao contrário do que pensa, você alcançou um grau de excelência em que a pureza e brilho de sua voz compensam o ínfimo degrau que lhe falta para alcançar perfeição técnica. Uma imperfeição que torna ainda mais bonito, pela diversidade. Que torna único. E que encantou a todos. - ele segurou sua mão - Se nunca for além de sua zona de conforto, nunca será mais do que é hoje.

— Eu gosto de quem sou hoje, Erik. Gosto do que temos, do que somos. - ela se sentou na borda do terraço.

— Gostava de quem éramos antes das crianças, quando pensava que não as poderia ter; gostava de como tudo era quando ainda não havia a escola. Gostava de como estávamos antes de nos casar. E cada passo tornou tudo ainda melhor. - ele segurou seus ombros - Eu sei que teme a exposição e, mais além, sei que tem medo de se expor porque receia demonstrar seu passado e suas feridas. Mas não irá. Seu passado a moldou, mas não a define. Seu coração é cheio de arte, e foi o que encantou a todos. O que me encantou e, embora eu quisesse guardá-la apenas para mim... O mundo será um lugar mais triste sem suas várias habilidades. Alcançou tudo o que poderia com o piano: estenda suas asas e deixe-se alçar voo a níveis mais altos.

Annie estremeceu àquele toque, respirando fundo para se acalmar, e tocou o rosto de Erik.

— Por que quer me transformar em Christine? Não sou tão ambiciosa quanto ela, eu não sou Christine!

— Não. Você nunca seria Christine. E não faria por ambição, mas por adoração à música. - ele acariciou o rosto dela - Não é obrigada a nada. Mas o que irá sentir, se deixar de fazer isso? São pessoas que precisam de ajuda. Uma música pedindo para ser ouvida: a nossa música. - entrelaçou seus dedos - Não estará sozinha. Estou com você, aonde quer que vá. Sempre.

Annika assentiu e suspirou; dera sua palavra, afinal. Concordara. Não podia voltar atrás. Era uma surpresa que Erik estivesse tão gentil e sereno, mas provavelmente ele entendia o medo dela de se expor assim, pois ele próprio já se expusera, com consequências catastróficas. Anuindo, ela concordou com voz baixa:

— Eu farei.

Erik sorriu e beijou sua fronte, sentando-se à sua frente e tocando seu rosto com uma das mãos:

You know the piano is not enough

You know it isn't all you need

You know you're made of finest stuff

I think on that we all agree

 

It's time to leave all in the past

It's time to be all you can be

It's time to do now as you must

And set the music in you free

Ele a puxou para si, abraçando-a. Não enxergaria a mulher todo o próprio esplendor e potencial? Perceberia ao menos a luz que espalhava meramente ao existir, luz essa que se tornava um sol iridescente a envergonhar o astro-rei nos céus, por não poder competir com o brilho de Annika ao cantar? Teria ela percebido mais do que a estupefação, a verdadeira adoração que vira em tantos olhares ao serem arrebatados por tal voz tão diferente das demais, pela carga de profundas emoções com que se elevava, criando formas quase visíveis esculpidas em som?

— In moments, mere moments,

Drums will roar.

There you stand, just like before;

The crowd will hush, and an in one sweet rush

I will hear you sing once more

Annika quase deixou uma lágrima escorrer, mas acabou pousando as mãos no peito de Erik e continuou a canção, seus sentimentos correspondendo aos do Fantasma, sua alma reagindo à dele e os lábios curvados num sorriso refletido pelos olhos enquanto o medo se dissipava para dar lugar à plenitude de se unirem pela música:

— And music, our music

Will settle and then unwind

Like two strands of melody

At last entwining!

 

Fulfill us, complete us

Make us whole!

Seal our bond forever more

Erik prosseguiu, as mãos no rosto da esposa:

— So now, for me, embrace your destiny!

Let me hear you sing once more!

 

A francesa tinha um sorriso no rosto, e segurou as mãos do esposo, beijando suas palmas com amor. Deitou a cabeça em seu ombro, e sussurrou baixinho:

— Por nós, e nada mais.

— Por nós. – ele concordou, beijando sua cabeça e acariciando suas costas de modo confortador – Juntos – uma mão grande e elegante ergueu o rosto da pianista, e seus lábios foram tomados num beijo carinhoso e apaixonado, ao qual ela correspondeu com todo o amor.

Quando desceram – Erik já não nas sombras, mas de braço dado com a esposa – e se juntaram aos demais, algumas dezenas de olhares cheios de expectativas repousavam sobre o novo talento descoberto. Superando a vontade de seu corpo de corar, e a de sua mente de se fechar, Annika endireitou a postura e perguntou com um ligeiro sorriso:

— Não temos peças a ensaiar?

Vários sorrisos substituíram a apreensão, e Gabrielle correu a abraçar a irmã, assim como as crianças, todas exultantes pelo sucesso da mulher! Apolline a cumprimentou com um aperto de mãos gentil e saudou:

— Tem uma voz que mais evoca as musas da Grécia do que uma pessoa de carne e osso, Annika. Tenho certeza de que será absolutamente brilhante nos papéis!

— Obrigada, Pollie. – a outra falou com docilidade na voz e no olhar – Não teria sido minha escolha, mas ninguém pareceu aceitar um não. Espero fazer jus às expectativas.

— Oras, é claro que fará! – Disse Frau Sucher, e antes que pudesse perceber, Annika já se encontrava experimentando figurinos, aquecendo a voz, participando dos ensaios... As coisas ficaram divertidamente agitadas, para total empolgação das crianças e do Fantasma que, hábeis em se manter fora do caminho, mas onde pudessem acompanhar e mesmo alterar os acontecimentos, estavam mais do que satisfeitos com o rumo tomado pela situação. E agitadas assim as coisas permaneceriam ao longo dos próximos dias, enquanto as apresentações se aproximavam muito mais rápido do que podiam esperar.


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Notas finais do capítulo

Pois é, gente! Novos desafios para Annie! Ah, e a música é do musical Love Never Dies, Before the performance, e eu modifiquei algumas palavras para dar sentido. Hope you enjoy!!!



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