Anjo das Trevas - 2ª temporada escrita por Elvish Song


Capítulo 18
A Ópera de Berlim


Notas iniciais do capítulo

Olááááá! Cá estou, com capítulo novo. Desculpem, é curtinho, mas a faculdade está impiedosa, e o bloqueio de escritora também... Por outro lado, estou fazendo um enorme trabalho de pesquisa para compensar vocês com uma Alemanha fidedigna à época, e riqueza de detalhes no próximo capítulo, que explorará melhor a cidade de Berlim.
Sem mais delongas, vamos à história. Tomara que gostem!



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A Ópera Real de Berlim era exatamente o que Annika, Gabrielle e Erik haviam pensado: monumental, opulenta, requintada e, com sua agitação e falatório, oferecia uma estranha sensação de lar. As duas meninas pequenas iam agarradas às saias da mãe e da tia, enquanto Alain, muito cioso de seu “orgulho”, caminhava de cabeça erguida e costas eretas, tentando parecer mais alto do que era. E ninguém jamais diria não ser aquele pequeno de cabelos negros e olhos azuis um filho legítimo do homem com metade do rosto coberto por uma máscara branca. Possuíam o mesmo modo empertigado de lançar os ombros para trás e fitar a todos de modo penetrante e intimidador – embora, é claro, o menino o fizesse com uma curiosidade inerente à idade, a qual logo tratava de desfazer suas tentativas de intimidar os mais próximos.

Foram apresentados a maestros, músicos, compositores... Conheceram colegas que de imediato lhes pareceram competentes e agradáveis de se trabalhar em conjunto, e outros nem tanto... Duas ou três vezes as jovens ouviram sussurros de “trouxeram consigo o fedor da França”, e em dado momento a mais moça perguntou em sussurros para a irmã:

— Posso usar um candelabro para arrancar os dentes daquela metida? – Annika olhou para a mulher que acabara de falar, ela mesma tomada de vontade de amarrar a outra a um cavalo selvagem e soltá-la para ser arrastada, mas apenas sussurrou de volta:

— Não.

— Por quê? – a adolescente se divertia.

— Porque, se você fizer isso, eu não vou controlar minha vontade de fazer o mesmo. – as duas riram baixinho e as apresentações continuaram. E se as irmãs estavam bastante à vontade, o Fantasma, por sua vez, estava calado e sério, este sim uma figura intimidadora que por vezes atemorizava os estranhos. Ainda assim, a primeira manhã na Ópera pôde ser considerada um verdadeiro sucesso, o qual seria coroado pelo ápice de tudo: conhecer o diretor musical do lugar, Herr Joseph Sucher!

Ao ouvir o nome do célebre maestro, o rosto de Erik se iluminou pela primeira vez: conhecer outras pessoas com a mesma paixão pela música era algo que o alegrava e exaltava!

O maestro e compositor contava cerca de quarenta e cinco a cinquenta anos, com rosto gorducho e miúdos olhos que brilhavam de modo inteligente por detrás dos óculos redondos. Com cortesia sem igual, beijou elegantemente as mãos das jovens musicistas, e fez uma reverência ao mascarado:

— Herr Destler, já tivemos o prazer de nos comunicarmos por cartas, e é com grande satisfação que conheço o gênio cujas obras nos foram enviadas. – e para as moças – Damen, é um prazer inigualável tê-las em nossa orquestra.

— Será um privilégio tocar sob a condução de tal nome das artes. – enquanto falavam, dos bastidores saiu uma mulher de cabelos escuros, tez baixa, olhos pequenos, levemente corpulenta. Não era exatamente bonita, mas fruía de ar inegavelmente elegante e possuía no andar enorme leveza. O maestro sorriu e estendeu a mão para ela com uma exclamação:

— meine Liebe! – beijou os dedos da mulher e a abraçou, antes de se voltar para os franceses – esta, meus amigos, é Rosa Sucher, minha esposa, e prima Donna de nosso teatro, especializada nas requintadas obras de Wagner. – e para Rosa – querida, estes são Herr e Frau Destler, e Frau Andrieux, vindos da França a convite de nossos administradores... – ele não terminou a frase, pois a soprano deixou escapar uma exclamação entusiasmada:

— ah, céus, enfim chegaram! Isso é maravilhoso! – ela cumprimentou o trio e brincou com as crianças – Damen, não fazem ideia do quão ansiosa estive por conhece-las! E ao senhor também, é claro, senhor Destler – decididamente, Rosa não era mulher tímida ou acanhada, e Annika logo se identificou com seu temperamento – inclusive, devo dizer que sua última obra me apresentou um desafio particular, que me deleitei em vencer. Katherine é um papel magnífico!

— Que, de acordo com as notícias, a senhora representou de modo impecável! – Erik estava ainda mais formal do que já era, e Annie sentia o nervosismo do marido se misturar à estranheza de não ser temido, e à empolgação de estar ali, conhecendo pessoas pelas quais tinha enorme admiração... E que, por mais incrível que fosse, também o admiravam! – Espero não ser muita ousadia de minha parte declarar que anseio por ouvi-la pessoalmente, um dia!

— Ousadia seria dizer para me calar, Monsieur! – respondeu a soprano, alegre, e então se abaixou para falar melhor com as crianças – e quanto a vocês, pequenos? Apreciando o teatro?

Alain portou-se com desenvoltura, imitando a formalidade do pai ao se curvar e beijar a mão da soprano, que sorriu ante a educação do pequeno. Selene estava tímida, meio escondida atrás das saias da mãe, mas saiu ao ver Caroline se aproximar e aceitar os mimos da cantora. Annika sorriu e falou às crianças, baixinho:

— Não tenham vergonha: Damen Sucher será uma boa amiga para nós.

— Não tenho a menor dúvida disso! – confirmou a mulher morena, pondo-se em pé – bem, creio que esteja interrompendo seu primeiro dia aqui...

— Junte-se a nós, meine Liebe, enquanto apresento as salas de ensaio às senhoras e a Herr Destler!

— Se não se importarem, a companhia será um prazer!

Assim, ao grupo se juntou a cantora, e a conversa tomou novo ânimo e ritmo. Havia poucas crianças por ali, fato que deixou os franceses curiosos, acostumados que estavam aos pequenos das turmas de balé; a explicação fora que o teatro aceitava apenas jovens acima de dez anos, e os eventuais infantes eram filhos de membros da companhia que ali residiam.

Os corredores, como os da Ópera Garnier, primavam pelos trabalhos refinados em formas elegantes e pelo abundante uso do dourado; porém, enquanto na França os artistas viam-se rodeados pelas reminiscências do rococó, na Alemanha os primórdios do neoclássico se haviam anunciado na arquitetura, de modo que o retilíneo imperava no exterior, mas nos ambientes internos o orgânico e o geométrico se fundiam em formas de transição de modo esplêndido!

A maior parte do tempo, Gabrielle ensaiaria com a orquestra, numa ampla sala de música com isolamento acústico impecável. Annika, por sua vez, ensaiaria numa sala à parte, destinada aos pianos, onde também se dariam os treinos em dupla com a irmã, e mesmo com Rosa, uma vez que não raro o piano dava a harmonia de fundo para as árias das óperas. Conversas acerca da rotina de ensaios, dos principais músicos – alguns dos quais já haviam conhecido – e das obras a serem tocadas na temporada cujo início seria em três semanas. O maestro estava completamente fascinado com as novas artistas e o recém-contratado diretor artístico adjunto, assim como sua esposa.

Curiosas, as três crianças exploravam as salas, e por duas ou três vezes a mãe ou o pai os repreenderam enquanto passavam por baixo dos pianos de cauda e contornavam os assentos dos músicos.

— Alain, Caroline e Selene Destler. – A mãe não precisou dizer qualquer coisa a mais: serem chamados num sussurro e por seus nomes completos era sinal de que a mãe estava zangada, e isso aquietou os pequenos como grito algum do pai poderia ter feito. – peço perdão pelo comportamento de meus filhos, Herr e Frau Sucher.

— Não seja tão severa: estão apenas explorando. – justificou a alemã, encantada com o trio de infantes.

— Não os encoraje, senhora – alertou Gabrielle – esses pequenos anjos têm chifrinhos ocultos entre os cabelos!

Como se por instinto, ao perceberem a zanga da mãe, os pequenos foram se esconder sob a capa do pai, que se sentou de modo a poder pegar os três no colo e falar com eles em francês:

— Sei que estão empolgados, e não é divertido aguardar enquanto os adultos conversam, mas devem se portar dignamente. Sua mãe e sua tia estão tratando de trabalho, e não devem atrapalhar provocando má impressão. Portanto, mãos longe daquilo que não lhes pertence, e sem correr. Ver é com os olhos, não com os dedos. – e ante os olhinhos levemente tristes – quando sairmos, irei leva-los para passear, está bem? Mas apenas se os três se portarem bem.

As palavras tiveram efeito mágico sobre as crianças, que contiveram a própria empolgação, para alívio da mãe. E por mais que não gostasse da prática, Annika percebeu precisar de uma ama para ajuda-la, e não por sua causa, mas porque seria extremamente aborrecido para os pequenos terem de se conter todos os dias enquanto ela ensaiava. Afinal, por mais que amassem a música, havia um limite para o tempo que conseguiam se curvar sobre partituras e instrumentos ou silenciar enquanto ouviam melodias. Assim, uma aia jovem poderia manter as gêmeas e o menino entretidos, até mesmo ficar com eles em casa, quando preciso. Não, ela não gostava nem um pouco da ideia, mas era necessário.

— Madames Destler e Andrieux, poderiam nos dar a honra de ouvir um pouco de suas habilidades? – pediu enfim o maestro.  Ao ouvir que sua mãe e tia iam tocar, Carol, Selly e Alain imediatamente perderam o interesse em tudo o mais, juntando-se ao pai para assistir quando o violino de Gabi foi tirado da caixa e Annie se sentou diante de um piano branco. Uma troca de olhares entre as irmãs, e estas se voltaram para Erik:

— Diretor, que peça acha melhor? – ele sorriu e, repassando mentalmente duetos ensaiados pelas irmãs, lembrou-se de ter adaptado “Cavalgada das Valquírias” para que ambas pudessem tocar em apenas dois instrumentos.

— Ainda lembradas de Cavalgada das Valquírias, senhoras?

— O tom, por favor? – pediu Annika, feliz e compenetrada. Erik deu-lhe o tom, e foi só o que as irmãs precisaram: já haviam ensaiado juntas tantas e tantas vezes, que já não careciam de um maestro a lhes dar o tempo de certas músicas. Esta era uma delas.

Tocaram apenas um pequeno trecho, mas o poder e intensidade contido nos sons produzidos por apenas dois instrumentos puseram pregados ao chão os pés do maestro e da prima donna, estupefatos com a beleza do arranjo e talento das que o haviam executado. Palmas encheram o ar, e dessa vez as crianças não se contiveram, pulando no colo da mãe e da tia, que os receberam com carinho.

— Bravíssimas! – elogiou Rosa, enquanto seu esposo ainda procurava palavras para se manifestar.

— É preciso uma harmonia perfeita para alcançar os tempos corretos sem um condutor... – declarou Herr Sucher, aplaudindo-as – eu havia dito que seria um prazer tê-las em nossos palcos, mas sou obrigado a reformular minha frase: será antes uma honra. Espero estar à altura de reger tais virtuoses!

— Nós é que esperamos não desapontar tão cortês e competente maestro! – respondeu Gabrielle, guardando seu violino. – Estamos ansiosas para começar!

— E a propósito... A menos que meus ouvidos já não sejam os mesmos – Joseph voltou-se para o Fantasma – trata-se de uma releitura sua. Estou errado?

— Absolutamente correto, maestro. Seus ouvidos continuam impecáveis.

— Honra nosso país com releituras tão magníficas de nossas obras. É raro um estrangeiro captar de tal modo a essência das composições alemãs!

— Música é sempre música, maestro. Uma linguagem universal. Não existe país ou povo que não a possua... Se souber detectar as sutilezas desta maravilha transcendental, poderá compreender sua essência e reproduzir leituras próprias dignas da obra original. – ele esboçou um sorriso – infelizmente, a maioria das pessoas não possui sentidos capazes de perceber tais sutilezas.

O maestro encarou aquele novo amigo em potencial, e declarou:

— Vamos nos dar muito bem, senhor Destler.

— Eis uma declaração que não posso contestar. – Gabrielle e Annika se entreolharam com surpresa: estavam enlouquecendo ou Erik já fizera um amigo?!

Para o olhar atento de Annie, que conhecia seu marido melhor do que ninguém, estava bastante claro: a conversa sobre música, os modos formais de seu interlocutor, o ambiente familiar... Aos poucos o Fantasma se acalmava, e a mulher percebia como seus ombros estavam mais relaxados, o rosto menos tenso, as mãos já não mais crispadas como antes... Ele estava... à vontade?! Isso arrancou um sorriso da moça, especialmente ao ouvir Rosa comentar:

— os cavalheiros parecem ter se dado muito bem! – elas fitaram ambos, e Gabrielle murmurou:

— As nevascas este inverno vão ser intensas: Erik se deu bem com alguém. – e riu baixinho, pegando no colo uma das sobrinhas – vamos ensaiar ainda hoje?

— Ah, não. Hoje é um dia apenas de apresentações – explicou Rosa, e se dirigiu ao esposo – querido, terminarei de apresentar a equipe às senhoras. Enquanto isso, pode conversar melhor com Herr Destler. – ela beijou o rosto do esposo, enquanto Annie e Gabi falavam brevemente em francês com o mascarado:

— Ficará bem, sem nós? – indagou a mais velha.

— Vou sobreviver. – ele sorriu e beijou os lábios dela, e depois a testa de Gabrielle – vão e terminem de conhecer seus colegas. Encontramo-nos daqui a pouco. – então abaixou-se e falou com as crianças – querem ir com sua mãe e tia Gabi, ou ficar comigo?

Alain optou por ficar com o pai, enquanto as meninas quiseram seguir com a mãe. E pela próxima hora as três mulheres, acompanhadas das duas pequenas, interagiram com diversas pessoas do teatro, incluindo maestros que davam aulas e treinavam os solistas. De um modo geral, todos muito simpáticos, e as irmãs compartilhavam a sensação de que a temporada ali seria maravilhosa!


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Notas finais do capítulo

Bom, é isso. Aliás, deixem-me avisar que os personagens Joseph e Rosa Sucher são históricos, e realmente trabalharam na Ópera Estatal de Berlim, no período citado (metade da demora nesses capítulos se deve à pesquisa histórica, kkkkk.)
Espero muito que tenham gostado
Beijos, e até breve!



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