Beautiful You escrita por yumesangai


Capítulo 7
Shadow




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Taekwoon não estava em casa, ele havia dito que ficaria um tempo fora, mas depois de três dias Ravi tinha quase certeza que ele não voltaria mais. Pensando assim, tinha durado até muito tempo.

Ele sentava no corrimão e encarava a porta de entrada.

Nada mudava.

No fim de mais uma tarde ele decidiu se ocupar no piano, uma mesma melodia, ele já havia tocado várias e várias vezes, mas hoje não estava certo, não soava certo, seus dedos pareciam duros e erravam o tempo.

Ele estava uma bagunça.

“Você parece solitário”. Uma voz surgiu atrás de si e fez Ravi dar um salto.

Só existia uma única pessoa que tinha esse efeito, que emanava uma sensação de energia que refletia em Ravi, somente na presença dessa pessoa ele era capaz de se sentir humano.

Ele apertou a mão contra o peito, o coração batia, na verdade não batia, mas ele podia ouvi-lo batendo.

“N”. Olhou surpreso na direção do garoto, ou pelo menos da criatura que tinha uma aparência humana jovem. Tudo indicaria uma cópia perfeita, se não fosse a ausência de uma sombra e os olhos que brilhavam num dourado de uma forma totalmente não natural.

“Sentiu minha falta? ”. Perguntou com um sorriso doce.

“Não”. Girou os olhos.

“Nem um pouco? ” Tentou de novo.

“Eu não posso sentir”. Ravi rosnou, mas ele sentia. Sentia raiva, sentia angústia, sentia o peito vazio doer. Sentia demais quando N estava perto.

“Tsc tsc tsc, já falei várias vezes, não é assim que funciona”. Seu tom dengoso virou algo imperativo. “Quanto mais você ficar aqui mais vai esquecer, vai esquecer das pessoas que um dia conheceu...”. Foi falando e andando, cercando Ravi.  “De quem já foi sua família, do sabor das comidas, do calor humano...”. Parou atrás do garoto, o queixo apoiado em seu ombro. “Você ainda lembra do seu nome? ” Sussurrou.

“CALE-SE!”. Ravi se levantou num salto quase derrubando N.

As janelas vibraram.

“E o nosso contrato? Eu te dei uma chance, não estou vendo você aproveitá-la”.  Perguntou se colocando de pé, braços cruzados, indiferente a pirraça do outro.

“Você nunca me deu uma chance...”. Respondeu olhando para outra direção, os olhos arderam.

"Então vai viver para sempre nessa casa, até se esquecer completamente do que te faz humano, até se perder nesse mundo sem nunca conseguir voltar ou seguir adiante. Vai viver em penitência pelo resto da eternidade, como isso soa para você?".

Os olhos de Ravi se encheram d'água. Nada dessas coisas deveria afetá-lo, muito menos refletir fisicamente, mas lá estava ele, com lágrimas salgadas caindo pelas bochechas e o ar escapando dos pulmões, ele queria chorar, mas nem se lembrava mais como, o ar apenas escapava por seus lábios.

“Isso não é real, isso não é real”. Repetiu como um mantra enquanto tentava se acalmar.

 “Ter medo e desistir são coisas diferentes. E você está morrendo de medo, bom, não morrendo, mas você entendeu”. Ravi não riu. “Então, qual o bem mais precioso para o garoto? Quem é a pessoa mais importante para ele? Barganhe, faça um contrato, eu serei seu advogado”. Seus olhos brilharam de uma forma que Ravi conseguia perfeitamente se ver refletido, assustado, com medo, gritando. “Ou admita que perdeu, que desiste. Sua alma ficará comigo por toda a eternidade e você aqui”.

Ele desviou os olhos.

“Não ele”.

N manteve o largo sorriso.

“Você não consegue descobrir? Precisa da minha intervenção divina? Ou seria demoníaca...? ”. Se distraiu com a própria indagação.

 “Deixe-o fora disso. Eu posso esperar mais cem anos, não fará diferença pra mim”. Resmungou ficando de costas, queria apenas se esconder, mas seus ombros tremiam involuntariamente e sentia as mãos suarem.

“Talvez eu espere”. N voltou a rondá-lo. “Talvez eu me divirta enquanto você vê a vida limitada desse humano ir se esvaindo ou talvez com ele indo embora dessa casa e você perdendo uma oportunidade brilhante ou ele já te abandonou? Eu não gosto de espiar, mas vocês pareciam bem”.

Ravi se sentia pequeno, impotente. Ele apertou os olhos segurando as lágrimas.

 “O seu contrato, caso você tenha se esquecido”. Ele estalou os dedos e um pergaminho apareceu, isso imediatamente captou o interesse de Ravi que encarou o papel, mas não conseguia ler o que estava escrito, via apenas a parte de trás. “A garota que morreu, não era a hora dela e você pediu para ficar em seu lugar”. Ravi pareceu desconfortável e ficou jogando o peso do corpo de uma perna para a outra. “Arrependido?”.

“Nunca”. Seus dedos tremiam.

“Você ainda se lembra dela e do motivo de estar aqui? ”. N perguntou deixando o papel de lado, mas ele sabia a resposta, era apenas divertido vê-lo lutando por algo que não estava mais lá.

Ravi abriu a boca, mas se calou. Em sua mente apenas alguns flashes de memória, mas não era o bastante.

“E ainda assim você não se arrepende? ”.

Ravi balançou a cabeça de forma negativa. Não importava o motivo, era isso que repetia. Era isso que tinha que se convencer.

“Eu não consigo te ouvir~”. N cantarolou.

“Em hipótese alguma”. Seu tom era firme.

N deu de ombros.

“Que bom, por que aquilo me deixou dias com pilhas de coisas para resolver sobre a minha mesa. Acidentes acontecem, mas intervenção é algo extremamente sério, espero que sempre se lembre disso”. Seus olhos brilharam.

 Ravi assentiu.

N seguiu como se fosse deixar o cômodo, mas parou na porta.

“Faça um contrato com o garoto. A alma dele pela sua”.

“Me deixe em paz”. Ravi resmungou voltando para o piano, apenas para ficar de costas e não precisar mais encarar N.

 “Quer ficar aqui por toda a eternidade? ”. N perguntou num tom acusativo, mas estava com um sorriso nos lábios.

“Talvez eu queira! ”. Ravi gritou sentindo o corpo tremer, a janela abriu e bateu, por sorte o vidro não trincou.

N apenas olhou ao redor como se esperasse que mais coisas acontecessem, mas nada saiu do lugar.

“Eu serei sua única companhia”. Se aproximou de Ravi e deslizou o dedo por seu ombro.

“Nosso contrato não tem um prazo”. Ele sacodiu o ombro para se livrar da mão do outro.

“Não... e isso foi um erro”. O tom de N é desagradavelmente sério. “Divirta-se enquanto pode, talvez eu deixe durar, talvez você se arrependa”.

“Tenho certeza que posso viver com a minha decisão”. Debochou.

N literalmente parou onde estava. Estalou a língua e comprimiu os lábios, ele se considerava extremamente paciente e benevolente, aguardando pelo término ou desistência de contratos e tudo mais... Mas não suportava sarcasmo, não de um ser inferior que deveria lembrar que andava com uma corrente nos pés.

Um trovão desabou próximo e num piscar de olhos, N empurrou Ravi contra uma parede, a mão fechada em seu pescoço, basicamente o erguendo do chão.

Seus olhos estavam completamente dourados. Péssimo sinal.

“Acho melhor você começar a ser mais grato”. Sibilou antes de soltá-lo.

O corpo de Ravi escorou pela parede, ele caiu de joelhos. Seus pulmões queimaram, ele odiava esse reflexo.

N o segurou pelo queixo, o obrigando a encará-lo.

“Ou nos seus termos ou nos meus”. Era um aviso.

Ravi apenas assentiu como pôde.

“Tic toc, tic toc”. O som da risada de N ecoava pela casa mesmo depois dele desaparecer.

Ravi se encolheu no fundo do cômodo. Ele gritou o mais alto que conseguiu, ele só queria desaparecer de uma vez por todas ou seria melhor se Taekwoon nunca mais voltasse.


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