A Diferentona escrita por Glauber Oliveira


Capítulo 12
Desaparecidos




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No dia seguinte, à caminho da escola, penso em como vou conseguir evitar Laquisha e Bart a partir de agora. Porém, Bart, que é minha dupla na matéria de química, não veio para aula de hoje. No horário do almoço, Laquisha e ele não estão sentados na mesa em que o Clube Glitter costuma ficar nem em qualquer outra mesa. Será que eles decidiram me evitar também?

Dias se passam e nada dos dois. Então, no corredor do colégio, decido perguntar a uma garota gótica, que faz parte do coral, se ela tinha notícias dos dois.
— Não – ela responde. – Inclusive, todos nós do Clube Glitter estamos preocupados. Bart e Laquisha nunca perdem a suruba de sexta.

Estranho. Quem perderia vários dias de aula e uma orgia apenas para evitar alguém? Só pode ter acontecido alguma coisa com eles.
* * *
— Não acredito que eles ainda não apareceram! – digo assim que chego em casa, batendo a porta atrás de mim.
— Eu também não acredito – vovó fala, sentada no sofá ao lado de meu avô. Ambos fumam maconha enquanto assistem à TV desligada. – Seus peitos já deviam ter se desenvolvido há anos. Na sua idade eu usava sacolas plásticas como sutiã de tão grande que os meus eram.
— Eu tô falando de Bart e Laquisha – explico. – Já faz quase duas semanas que eles não dão as caras na escola. Tem algo errado.
— Vai ver eles fugiram – vovô presume. – Muita gente faz o mesmo depois de matar alguém e esconder o corpo.
— Pelo tempo que a gente se conhece, que não faz nem um mês direito, sei que eles não fugiriam. – De repente, algo passa pela minha mente. – E se alguém sabe o que a gente fez com a Virginia e deu um sumiço neles?
— Quem saberia? – minha avó indaga.
— Sei lá – respondo. – Espera, poderia muito bem ter sido vocês dois com medo deles contarem algo pra polícia.
— Vai com calma aí, Sherlock Holmes – meu avô diz. – Se fôssemos nós, a gente teria dado um sumiço em você, não neles. Você é a mais provável de abrir no bico.

Ele tem razão.
— Você só está acusando a gente porque tá de cabeça quente – ela fala e em seguida, com o dedo indicador e o polegar segurando o cigarro, ergue-o para mim. – Fuma uma ervinha e relaxa. – Recuso balançando a cabeça. – Ora, por quê você está tão preocupada? Foi você mesma que deixou de ser amiga deles.
— Agora a situação mudou. É sério que vocês não estão preocupados com o sumiço de Bart e Laquisha?
— Enquanto a gente estiver brisado, não – ele responde.
— Mas vocês estão sempre brisados – digo.

Eles dão de ombros e caem na gargalhada. Meu avô ri tanto que, sem perceber, a dentadura voa da boca e pousa em seu colo.
— Sossega a periquita, garota – minha avó diz. – Já foi na casa dos dois antes de criar essa paranóia de que eles foram raptados? Vai ver os coitados estão doentes.
— Vai ver eles pegaram herpes labial – vovô fala assim que recoloca a dentadura.
— Vocês estão certos – digo. – Vou passar na casa de cada um e saber o que realmente houve.
* * *

Na manhã seguinte, acordo um pouco mais cedo que o normal para visitar Bart e Laquisha antes de ir à escola. Pego o carro dos meus avós emprestado já que o percurso é um pouco longo. A primeira é Laquisha pois mora mais perto. Eu nunca tinha ido à casa dela ou a de Bart, mas ambos haviam me mandado a localização de onde vivem.

Estaciono em frente à residência que parece ser a que Laquisha mora e saio do automóvel. Caminho pelo quintal da frente até chegar na varanda. Aperto a campainha. Ouço uma voz rouca gritar lá de dentro:
— Oh, meu Deus! Já vai! – Em seguida, escuto um barulho de batida e algo caindo no chão e quebrando. – Ai, cacete. – A porta se abre e surge a figura de uma idosa de cabelos brancos e armados. Ela usa óculos escuros e uma bengala para cegos. – Laquisha, é você? – E antes que eu pudesse dizer algo, ela avança uns passos e, num estalo, coloca a mão direita no meu rosto sem a menor delicadeza, em um movimento brusco. Ela começa a teteá-lo, ou melhor, a amassá-lo como se minha cara fosse uma massa de pão. – Não acredito que você voltou! Onde esteve? – Sua mão desce até meu seio esquerdo. – Foi fazer redução de peitos? Não precisava tirar tudo, né?

Agarro o pulso dela e afasto sua mão de perto de mim.
— Senhora, eu não sou a Laquisha. Sou a amiga dela, Emily.
— Oh, me desculpe, querida. Eu estou com tanta esperança de minha neta retornar que acho que qualquer um que aperta a campainha seja ela.
— Retornar? Aonde Laquisha foi?
— Não sabemos. Já faz quase duas semanas que ela disse que ia para o colégio e nunca mais voltou. Eu contatei a polícia, mas ninguém liga se uma garota negra some. Bart, o amigo gay dela, também desapareceu.
— A senhora acha que eles fugiram?
— Não vejo motivo para a Laquisha fazer isso. Ela nunca teve problemas familiares, tirando a vez em que eu quis dirigir e a atropelei, e aquela outra em que eu fiz cocô no quarto dela achando que eu estava no banheiro. Também teve aquela outra vez...
— Ok, já entendi.
— Não quer entrar e tomar um cafezinho que acabei de fazer? Ele só está um pouquinho salgado, não sei porquê.
— Não, obrigada. Eu preciso ir. Ainda tenho que visitar a família do Bart.
— Ah, eu entendo. A propósito, meu nome é Judith. Qual é o seu mesmo, querida?
— Emily. Emily Sinclair.
— Sinclair? Você, por acaso, é neta dos Sinclair da rua Elm?
— Sou sim, por quê?
— Porque seus avós e eu somos grandes amigos! Nós fizemos bastante merda juntos. Foi numa dessas que eu perdi a droga da visão.
— Nossa, eu sinto muito.
— Tá tudo bem. Meus outros sentidos se aguçaram com tempo.

De repente, sinto um odor estranho.
— Isso é cheiro de queimado?
— O que disse? Acho que a bateria do meu aparelho auditivo acabou.

Olho por cima do ombro de Judith e, do interior da casa, vejo uma fumaça preta se formando.
— Acho que tem algo pegando fogo – comento.
— Você tem que ir logo? Sem problema, querida. Mande um beijo para os seus avós. Qualquer novidade sobre a Laquisha, eu te ligo, ok? Tchau! – E antes que eu fizesse alguma coisa, ela fecha a porta. – Nossa, está calor aqui.


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