Iridescente escrita por Marina G, Thamiris Malfoy


Capítulo 3
Pesadelos E Passeios


Notas iniciais do capítulo

Meus amores, me perdoem pela demora. Fiquei atolada com a faculdade e ainda por cima meu computador bugou -.- hahahaha Em fim. Espero que gostem, por favor comentem, a opinião de vcs é muito importante para mim. :*



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O Mais Longe Possível, Sec. XXI. 

 

Manuela queria ter tido bons sonhos, mas já sabia o que ia acontecer assim que fechou seus olhos. 

A maior parte do céu estava tomada pelas copas das frondosas castanheiras, a brisa noturna estava incomumente mais gélida e a grama roçava seus pés ávidos. “Se for mais rápida talvez viva” era o que cada célula lhe gritava, as palpitadas aceleradas faziam crescer um tremor por toda extensão do seu corpo. 

Então aquela voz ressoou contida e tranquila: 

 

— Ah querida, não fuja - ela soltou um riso que mais parecia um ronronado – você é como eu! Juntas podemos incendiar este mundo medíocre ou congelá-lo, o que você preferir. 

 

“Não ouça, apenas corra” uma segunda voz, melodiosa e frívola ecoava interminavelmente em sua mente. As árvores já estavam se dissipando, os bancos de concreto há muito ficaram para trás na praça sombreada pelas seringueiras. Nunca, em quinze anos, percorreu o bosque tão vorazmente muito menos com tanto medo e sem Davi ou Carol ao seu lado. Mas em todos os pesadelos ela estava sozinha. 

“Mais rápido!” gritava-lhe agora frustrada, a voz. A garota se esforçou, mas os pulmões desprovidos de ar dificultavam-lhe a fuga. 

Nada de lua para aquela noite, apenas o brilho fraco das estrelas, enevoadas e mortíferas. Logo adiante Manuela viu o enorme ipê amarelo que margeava o lago, a sua esquerda estava o local da festa na noite anterior. “Ela está vindo, se esconda. Depressa!”. A grama era mais agressiva, igual pequenas laminas sob o solado dos pés descalços. Uma gargalhada desafiou novamente o silêncio da noite, desdenhosa. 

 

— Não adianta, sabe que é verdade o que lhe falo. Você fez algo àquela garota, poderia ter feito melhor, mas posso ajudar com isso. 

 

Havia uma mulher encolhida a beira do lago e alguma coisa flutuava nele. Manuela já sabia o que era, mas não pode evitar. Era como se precisasse acontecer todas as vezes que tinha aquele sonho. A garota se aproximou dela, a mulher tinha cabelos loiros como fios de ouro e estava chorando, usava um longo vestido no estilo medieval, tão negro com a noite. 

Assim que Manuela chegou a menos de um metro de distância a mulher subitamente se levantou. Seus olhos verdes brilhavam de ódio e fúria. 

 

— Eu disse para que ficasse longe de mim e da minha família! – ela gritou com Manuela – Monstro, você a matou! 

 

Ela já sabia do que a mulher estava falando, ainda assim andou até a beira do lago para ver a garota, ou melhor, a si mesma, ela flutuava o lago, seus olhos estavam fechados como se estivesse adormecida, ela usava um vestido parecido com o da mulher de olhos verdes, mas este era branco bordado com rosas douradas. Mas ainda assim era ela. Pálida como a morte, imóvel, um cadáver. 

 

*** 

 

Manuela sempre adorou os dias cinzentos de pouco sol e muita chuva. Do frescor dos ventos impetuosos que varriam qualquer coisa que aparecesse por sua frente e do festival de luzes dos raios que cortavam as nuvens escurecidas e carregadas de água. 

Mas tudo isso ainda estava por vir, ela apenas ousou desfrutar um pouco daquela manhã preguiçosa e cinzenta na parada de ônibus. 06h40min. Ele sempre se atrasava. Porém naquele dia ela preferia esperar os atrasos do veículo. Andava evitando muitas pessoas desde o "incidente da festa" e desde que seu pai chegara estava estranho e alheio a sua presença. 

06h43min ela resolveu retirar o caderno da mochila e abri-lo em uma folha qualquer e pôs-se a escrever. 

"E eu que nada sou 

Nem vento sem rumo 

Me abrigo no escudo 

Daquela Palidez 

 

E eu que um dia fui gente 

Ando assim descontente 

Em meus passos incongruentes 

 

De fato estou farta 

De tanto sabor incolor, 

Tão pura estava 

Que dói acordar sem meu torpor" 

Apenas percebeu que alguém se aproximava quando ele estava se sentando ao lado dela. Por instinto a garota fechou rapidamente seu caderno vermelho de espiral e ao ver a figura sentada a seu lado ficou feliz por seus instintos funcionarem bem. 

Davi tinha uma expressão aborrecida no rosto, seus cabelos negros estavam desgrenhados destacando-se contra a pele pálida. Ele não olhava para ela quando cruzou os braços e se recostou no encosto do banco da parada, mas Manu conseguia sentir a confusão e a indignação emanando dele, por isso permaneceu calada e o esperou. 

Davi era uma das pessoas que ela andou evitando e sabia que ele ainda estava chateado com o "incidente da festa", por mais que nenhum dos dois soubesse explicar o que aconteceu de fato. 

— O que houve? 

Três palavras. Pálidas como aquela manhã, desbotadas de qualquer emoção. Ela também queria a resposta daquela pergunta, ficou em silêncio até que ele desviou os olhos do nada para o rosto de Manuela, olhos indignados. 

— Eu tentei te ligar o final de semana inteiro, enviei mensagens, fui até a sua casa e seu pai deu a desculpa furada de que você não estava. Até a Caroline você andou evitando. 

— Davi eu não sei o que aconteceu ou por que eu evitei vocês - mentiu Manoela enquanto encarava as mãos. Ela sabia que os olhar de desconfiança do garoto estavam sobre ela. Na verdade, Manuela nunca soube mentir e Davi sabia disso. 

— Você está mentindo! Por que? - Ele tocou seu rosto e fez com que ela encontrasse seus olhos. Ela ficou em silêncio vendo a decepção se instalar nos olhos amendoados de Davi. 

Manuela não sabia o que responder, afinal ela também não entendia o que estava acontecendo. Várias vezes pensou em contar a seu pai, mas Kevin parecia distante. Aquele fim de semana havia  a castigado de várias formas, principalmente com pesadelos. Manuela desviou os olhos de Davi e observou o ônibus dobrando a esquina. Ela subiu seguida do garoto, e após estarem acomodados, ele voltou a falar: 

— Eu vi como olhou pra ela. Eu vi seu rosto tomar uma forma estranha e seus olhos arderem. Aquilo não era apenas raiva, eu... 

— Do que você está falando Davi? Eu não fiz nada. 

— Fez, você fez sim. E não me pergunte como eu sei. Mas eu vi a maldade instalada no seu rosto, eu vi o pequeno sorriso cruel que você deu e isso me assustou Manuela. 

“Ele está certo e você sabe. Confesse, foi divertido” a voz que assombrava seus pesadelos pareceu soprar as palavras no ouvido de Manuela, um arrepio percorreu por sua espinha enquanto o corpo ficava tenso. A garota olhou ao redor, porém os passageiros pareciam estar parcialmente adormecidos ou concentrados em seus celulares, janelas ou ainda imersos em outras conversas. 

— Eu estou falando com você, dá pra prestar atenção nisso?! 

— Prestar atenção em que?! Que você me culpa pelo fogo no rabo da sua namorada?! Sinto muito, pensei que você me conhecesse. 

"Mas ele não conhece, criança tola.". Mais uma vez ela olhou ao redor, só podia estar delirando, tinha certeza de que estava acordada, nunca antes ouvira aquela voz fora dos sonhos. 

— Também pensei o mesmo. - ele disse – Sabe, você nem me perguntou como ela está. Se foi grave ou não. 

— Você vai parar de me encher se eu perguntar? 

— Não vou parar de te encher enquanto não parar de mentir pra mim. E sei que você não estaria sendo sincera se me perguntasse. 

— Não, porque eu odeio aquela vaca e o modo como ela trata você.  Talvez até tenha sido bem merecido o que aconteceu com ela. 

Manuela virou o rosto para a janela ignorando Davi antes que ele recomeçasse com aquela história. Àquela altura a tempestuosa chuva já banhava avidamente a cidade, o vento impiedoso roubava folhas dos jambeiros e os faziam dançar na Travessa Quintino Bocaiuva. 

— Olha, eu odeio discutir com você Manu, mas odeio mais ainda quando você me esconde a verdade. 

Ele segurou delicadamente as mãos dela nas suas, Manuela só percebeu o quão irritada e tensa estava quando deixou que tudo aquilo dissipasse. Foi como se seu coração se sentisse aliviado a cada batida. 

— Sinto muito. Mas eu não tenho as respostas para as suas perguntas. 

“Mas eu tenho tolinha. Quando vai me ouvir?!”. As nuvens encheram o céu de tal forma que fez com que o dia parecesse tão escuro quanto a noite. O ônibus dançou no asfalto por alguns metros até o motorista conseguir fazê-lo parar. 

 

— Olha, eu odeio discutir com você. Mas odeio mais ainda quando você tenta esconder a verdade de mim. 

— Sinto muito, mas não tenho as respostas para as suas perguntas. 

 

Ela ainda estava tão irritada com ele, porém estava mais irritada ainda consigo mesma, não conseguia mais compartilhar todos os seus segredos com Davi, talvez porque ele estava se tornando um dos seus segredos, nem dos sonhos, pesadelos ou vozes. Como então explicaria o que não entendia?! 

Resolveu então permanecer com os olhos na janela para evitar ver mais decepções naqueles olhos amendoados. 

Foi quando a chuva se tornou tão intensa que nada mais pode ser visto, até o ambiente dentro do veículo se tornou escuro. O ônibus deslizou mais alguns metros no asfalto até que o motorista finalmente conseguiu pará-lo. 

Manuela ainda tentava observar o que acontecia do lado de fora e para o seu azar conseguiu enxergar algo além da tempestade. Uma mulher, nunca a tinha visto antes, ainda assim ela era estranhamente familiar, tinha os cabelos longos e negros encharcados. Usava um longo vestido vermelho com corpete que modelava ainda mais seu corpo, mas o que a assustou foram os olhos daquela mulher, olhos tão negros e sombrios que pareciam sugar qualquer luz. 

"Eu sei as respostas que procura, tolinha" Manu não soube dizer como conseguiu ouvir cada palavra, mas a mulher ainda a observava do lado de fora com um sorriso doentio. Era como se ela estivesse em sua mente, mas outra voz a lembrou de que aquela não era a única que estava em sua mente, graças ao bom Deus mais alguém sempre apareceria intervir. O problema daquela vez foi entender o que a voz melodiosa quis lhe dizer. 

"Sanguinem sanguin mei, cruor tuum tutela in terra est. Etiam si anima vestra in tenebris est."¹. 

Mesmo não vendo a outra mulher que invadia sua mente e seus pesadelos, Manuela conseguiu sentir as palavras naquela língua estranha a afastando de tudo, do assento, do ônibus e de Davi, que ela mal percebera que segurava suas mãos. Um toque que ela tanto amava e odiou senti-lo dissipar de sua consciência, de seu corpo e sua alma. Então tudo escureceu mais ainda. 

 

***************************************************** 

 

Primeiramente Manuela percebeu a grama sob seu corpo, pinicando as pernas e braços. Depois se tornou consciente do frio seco. Em seguida uma tremenda dor de cabeça. E então da mochila esmagada por suas costelas, foi aí que rezou para não ter danificado o relatório da ditadura militar para entregar na terceira aula. Mas afinal, o que tinha acontecido mesmo? Lembrou-se, de estar no ônibus e depois... Nada, talvez fosse mais um sonho. Já estava cansada deles. 

Por falar em sonhos, o cheiro da relva e do orvalho a faziam lembrar-se deles mais ainda. Aquilo a fez abrir os olhos subitamente, o que não devia ter feito, pois levou um susto de imediato. 

Nunca havia visto aquele lugar antes, estava rodeada por macieiras e relva, o céu já não era cinza, nem sequer haviam nuvens nele, estava mais para um azul pálido. E aquela voz melodiosa que sempre a orientava em seus pesadelos ainda e ali, falando coisas inintendíveis. 

Manuela guiou seus olhos até encontrar a dona daquela voz citante palavras desconhecidas. Foi aí que encontrou a mulher, tinha mais ou menos o seu tamanho, a pele clara, cabelos negros longos e brilhantes, seus traços eram delicados como os de uma bailarina, mas seus olhos fechados e o cenho franzido demonstravam concentração, enquanto os lábios carnudos da mulher disparavam apressados: "Sanguinem sanguin mei, cruor tuum tutela in terra est. Etiam si anima vestra in tenebris est." 

No entanto havia algo de muito estranho naquela mulher, não era apenas o vestido turquesa que arrastava no chão ao estilo de mil quinhentos e antigamente, ou o que ela dizia. O que prendia os olhos de Manuela à mulher era a estrela de sete pontas, que pendia ao centro da testa, bem acima dos olhos fechados, feito tatuagem. Apesar de nunca ter visto ou ouvido falar de tinta que brilhasse tanto na pele. 

Conforme a mulher se calava o brilho da estrela se ofuscava, até que se desfizesse, como se nunca estivesse ali. Foi aí que os olhos dela se abriram, tão azuis quanto o céu e tão frios quanto o inverno que Manuela nunca presenciara. 

— Vejo que chegou inteira, criança – disse a mulher numa voz calma – poderia dizer-lhe “bem vinda ao lar”, mas tais palavras não seriam verdadeiras.  


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Notas finais do capítulo

¹ (do latim) Sangue do meu sangue, teu coração está protegido nestas terras. Mesmo que a alma permaneça nas trevas.



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