Ainda quando estava na maternidade, meio seio começou a rachar. Acho que nem todo mundo que está lendo sabe, o que é, então vou descrever de forma bem simples: Meu seio direito, ou melhor o mamilo do meu seio direito, estava literalmente rachado, igualzinho um copo de vidro trincado, que deixa o liquido dentro dele escapar.

  Só que no meu caso, saia além de leite, saia sangue, muito,muito sangue. A cada mamada que a minha bebê precisava,juro,via carruagens de fogo. Era uma dor que jamais experimentei na vida, e de certa forma, foi pior do que as contrações. A cada suposta "troca de olhares entre mãe e filho" eu morria por dentro, era como se ela estivesse enfiando mil agulhas no meu seio a cada mamada, que passavam de oito por dia.

Então desesperada de dor, chamei por uma assistente social,para me ajudar, mas acho que pra ser assistente social, você tem que ter total e completa antipatia alheia, porque ela não me disse nada além de "Vai ter que dar o mamá, mesmo assim." Eu acho que não consegui passar para ela o real sofrimento que era amamentar com o mamilo sangrando. Para minha sorte, movido a pura adrenalina de me ver literalmente chorar a cada mamada,Henrique foi até a farmácia mais próxima e implorou qualquer pomada ou remédio que podia me ajudar.

Foi então, depois de duas horas fora, caçando pomadas de farmácia em farmácia e acho eu que esfriando a cabeça de tanto choro e angústia, ele apareceu com uma pomada feita de lanolina.Era uma pomada pequena, de 30 gramas eu acho, e muito, muito grossa, tanto que eu não tive força para espremer o tubo, quem fez isso foi Henrique. Era transparente e sem cheiro, mas que me aliviou de uma dor indescritível.

Fiquei sangrando,amamentando,chorando e morrendo por dentro, por mais três dias, e várias vezes ao dia. E finalmente a pomada fez efeito. Me curou completamente do mamilo rachado, mas é claro a sina de mãe não tem fim, e quando finalmente o mamilo direito cicatrizou o esquerdo rachou e sangrou e foi muito pior que o outro, porque até mesmo pus saiu conforme ia melhorando. E se você tem alguma dúvida, não sei ao certo, se muda de corpo pra corpo, ou se foi somente trauma mesmo, mas meu mamilo nunca mais foi o mesmo, ele ficou com cicatrizes...

De volta a casa da mãe de Henrique, lá estava ele parado ao meu lado, olhando o quarto que ao invés de uma mesa pequena com computador, tinha um berço com joaninhas voando e uma cômoda cheias de perfumes infantis,talco e líquidos para limpezas do umbigo. Foi a primeira vez que vi como Henrique reagia a perda do seu chão. Aposto que ele se via agora, envelhecendo mais rápido e perdendo aquela jovialidade e diversão.

Assim que cheguei, me disseram para dormir, e sempre que a bebê dormir, eu deveria dormir junto, assim não ficaria tão cansada quando ela acordasse anoite. Ta ai outra preocupação minha, além de perder a vida e a sensibilidade nos mamilos e na cicatriz do parto, eu perderia noites e noites de sono. Não é justo, desde que a Lili nasceu eu só perdi, não estou vendo aquela alegria magnífica que as moças da tevê dizendo que ganham quando recebem a noticia de ser mãe, quero o meu final feliz também.

Eu dormi, e acordei em um mundo que não era meu, nunca foi e eu nem queria que fosse, eu estava sob o mesmo teto do mais próximo de um demônio que eu conhecia, a minha sogra. Sinto inveja das moças das redes sociais que dizem amar suas sogras, que são suas segunda mãe, a minha é um misto de cria vampírica com demônio. E daquele dia em diante, meu mundo além de confuso foi sugado pela minha sogra, e foi ai que descobri que Lili, não era só a minha filha, era a minha única companheira, ela me ouvia, e ela respondia aos meus sentimentos, se ela me via chorar, ela não chorava junto, ela ficava quietinha, me olhando com os olhos marejados, e nem seis meses tinha ainda.

Eu podia contar tudo o que pensava e sentia para ela, se eu me sentia feliz, ela até dava aquele sorriso banguela que é uma das coisas mais bonitas que o mundo pode contemplar. Se você tem um irmão, primo ou vizinho que nem dente tem ainda, experimente ver aquele sorriso vazio em um dia difícil para você, é como se toda a sua raiva e frustração fosse sutilmente dissolvido.

E então os meus próximos meses vivendo ali, foram um total e completo inferno, hoje eu não aguento olhar ou falar com ela, aquela mulher se é que posso chamar assim, foi reduzida a uma samambaia, ela ali ou não, não fazia diferença para mim. Mas voltando ao assunto da Lili ...

E então o umbigo finalmente caiu, depois de uma semana e um dia, o umbigo caiu, e era uma coisa seca e pequena, lembrava vagamente um chiclete seco. Mas não tive coragem de jogar fora, eu sei, parece doentio, eu não joguei aquele pedaço de qualquer coisa fora, acho que foi devido a ligação que criamos de além filha, amigas. Era como se meu inconsciente estivesse se negando a abrir mão de qualquer simbolo de ligação com Lili. Coloquei aquele trequinho dentro de uma saquinho de tecido, desses que vem junto com um brinco de prata ou ouro que você ganha, coloquei bastante talco e o guardei em uma caixinha de madeira. Ele está lá até hoje.

Quando ela fez três meses, ja não acordava anoite para mamar, quer dizer não com tanta frequência, acho que dos três ao cinco meses, ela queria testar a minha relação com o seu pai, queria ver até onde nós nos amávamos. Nesses cinco meses eu dormia de qualquer jeito, sem camisolas sexy, sem óleos aromáticos e perfumes, eu dormia com camisolas feias, com aberturas frontais para que pudesse amamentar, e na maioria das vezes dormia em quanto fazia isso, e pela manhã, lá estava eu, com um seio pra fora, a Lili agarrada nele, mesmo sem mamar, e o Henrique olhando tudo isso.

 Fomos de um casal, ativo, sexy e louco, para pais que mal se reconheciam. Não é fácil essa parte também.