Mamãe só está cansada ... escrita por Lolla


Capítulo 2
Eu não consigo mais dormir.


Notas iniciais do capítulo

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Depois dos três piores dias da minha vida eu saí de lá. Cansada, exausta e morta por dentro. Todos aqueles choros das outras crianças, os gritos de outras mães parindo, e o quarto desconfortável em que fiquei, pareciam ir comigo a cada passo fora daquele lugar. Henrique estava comigo, bem ao meu lado, carregando a bolsa cheias de coisas que toda mãe leva, mas não usa nem a metade da metade, talco, óleos de amêndoa, sugador de leite, que te faz lembrar mais uma vez que tudo o que você é agora se resumia a um enorme e ambulante estoque de leite.

Ele estava tão assustado quanto eu, e antes de sair passamos num pequeno cartório e então demos um nome aquele minúsculo ser vivo nos meus braços. O nome seria Liliana Gonçalvez Prado. Decidimos que o meu nome de família viria antes do dele, acho que ja notaram que não somos um casal nada conservador. Quando finalmente entramos em um carro rumo longe dali, eu senti dentro de mim que ainda tinha tempo de deixar isso tudo para trás, que ainda tinha tempo de pegar a minha vida de novo,mas só entre nós, nada seria como antes.

Meu pai foi nos buscar, ele parecia feliz e leve, mas eu e o Henrique não, estávamos tensos, aquele tipo de tensão que dá para apalpar. Eu não vou dizer que estava tudo ruim, tudo péssimo, mas era ansiedade demais, pressão demais, que tudo que poderia vir a ser bom, era tapado por dúvidas e medo. Logo chegamos em casa, minha mãe me tratou como jamais antes. Eu não precisei limpar nada, fazer nada e nem mesmo fui xingada ou agredida como antes, ela me fez uma comida incrível, e pediu para que eu fosse dormir. Aquele foi o primeiro soco da realidade em mim, eu pela primeira vez, tive que dormir com cuidado.

Antes eu dormia de qualquer jeito, e em qualquer lugar, agora eu tinha pressão até para dormir. Como meu parto foi cirúrgico, eu tinha que tomar cuidado com os pontos, tinha que tomar cuidado para não acordar a Lili e ainda sim tentar descansar. Como ja esperava, não consegui. Era como se a minha cabeça, estivesse tão lotada de informações traumatizantes, de gente que eu nunca conheci, passando por dores que eu nunca sonhei em ter, que não tinha espaço para processar o cansaço e o sono.

Fiquei lá, na cama ao lado do meu bebê, olhando pra ela, toda enrugadinha e meio pálida, respirando suavemente com aquelas pequenas mãozinhas fechadas. Fiquei imaginando como seria a voz dela, como seria a cor verdadeira dos olhos, como seria a cor natural da pele, e como ele reagiria quando fosse pela primeira vez pra escola. Me peguei viajando com ela, indo a parques com ela, me maquiando com ela, e até fazendo penteados doidos naquelas tardes de fins de semana chuvoso.

Percebi então que o meu lugar era com ela e o dela comigo, o que afetava a nossa ligação entre mãe e filha era apenas o medo e a situação. Eu era jovem, não era casada, não era bem sucedida em nada, e não me encaixava no esteriótipo de mãe, como aquelas das propagandas, mães maduras e satisfeitas com a vida, lindas e cheias de energia, que colocam os filhos e a casa em um pedestal, onde o mundo dela era somente família e maternidade. Ou quelas das novelas, mães ainda sim maduras,felizes com a vida que tinham, trabalhavam, era cheias de vigor e sabedoria e muito organizadas.

Eu e Henrique éramos ainda muito jovens, assistíamos desenhos animados, líamos mangá, e faziamos festivais de games em casa, onde montávamos de times de RPG ou no Xbox para jogar Halo, até o sol do outro dia raiar. Ninguém acha que isso é condição de mãe,mãe tem que ser absoluta, ver novelas e jornais, limpar a casa a cada duas horas, ler livros sobre como educar seu próprio filho, levá-los para o colégio, voltar para casa e fazer tudo de novo.

Essas amarras sociais estavam me sufocando, e junto comigo, o Henrique e a Lili. Era preciso quebrá-las o mais rápido possível, eu só não sabia como. Eu me via como um peixe fora da água do mundo materno, tudo que eu via, as mães era diferentes de mim, novelas, revistas, filmes e até nos sites, tudo era sufocante para mim.  Parecia que as mulheres quando ganhavam o bebê apagavam tudo da memória e tudo que era assunto se transformou em assuntos sobre fraldas, roupinhas, escolas e dicas de alimentação para crianças.

Eu fiquei na casa da minha mãe, por duas semanas, eu tive medo de vir morar com Henrique na casa da família dele. A mãe dele e eu éramos como água e óleo, nada nunca dava certo entra nós. E eu sei agora, que vai ser pra sempre assim, sempre seremos arqui inimigas, porém falsas. Eu a respeitava e ela tentava me boicotar. Viajamos de São paulo, até Curitiba de carro, foi uma viagem longa,silênciosa mas muito leve, ao contrário da mãe de Henrique, o Pai dele e eu nos dávamos muito bem. Tínhamos muito em comum, e ele nunca exigiu perfeição de mim nem do Henrique, eu me sentia agradável naquela situação.

Depois e horas quando cheguei na casa dos pais de Henrique. Ele levou então o primeiro soco da realidade,  quarto dele, antes de solteiro, cheio de livros, tecnologia e roupas jogadas tinha sido bravamente transformado em um quarto de casal. As cortinas mudaram, eram claras e suavemente decoradas com arabescos, deixando uma luminosidade calmante entrar no quarto. A cama era de casal,box, com uma colcha igualmente adulta, nada de kanjis e katagana, nada de cores fortes e sem nexo, apenas uma colcha branca com finíssimas listras verde claro. A cara que ele fez, foi igualzinha a minha, quando vi a Lili pela primeira vez, um misto de surpresa e pânico, como sentir a juventude escorrer por entre os dedos.

 Agora ele sentiu de verdade que era pai, que seus planos teriam de ser adiados e que a sua jovialidade seria sugada até a última gota. E o medo que morava em mim, agora tinha mudado de casa, estava nele, e o afetou de uma forma mais branda aparentemente, mas por dentro todos sabiam, mais selvagem.


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