Bad Blood escrita por Herdeira de Sonserina


Capítulo 3
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É difícil. Difícil de se despedir da única coisa que ainda lhe restara. A pequena casa já havia passado por tudo. E eu não estava preparada para deixa-la. Passei as mãos pelos móveis feitos pelo meu Pai, quando o mesmo ainda era adolescente.

Abri as gavetas buscando lembranças e me deparei com um pingente em formato de sol junto a uma carta.

Marcus. Lembro-me do dia que ele me deu isso. Uns 5 anos atrás. Estávamos no prédio da prefeitura, no meio de uma despedida. Eu tinha a idade de Anna e ele possuía 18 anos. Sua barba me arranhara e ela sussurrava baixinho em meu ouvido. – Não desista Liz, nunca se curve para eles. Se eu não voltar, prometa que continuara lutando... Prometa-me... – Ele me abraça e coloca o colar em meu pescoço.

— Prometo... – Minha voz inocente ecoa pela sala. – Não vou te decepcionar!

Os pacificadores invadiram e o levaram para os Jogos Vorazes. Ele também tinha um plano. Ele deveria voltar. Mas ele me orgulhava mesmo tendo fracassado, pois ele nunca se curvava para a Capital. Nunca.

Coloquei o colar em meu pescoço e a carta no bolso de trás junto aos dispositivos. Iria ler depois, não queria lembrar do passado no momento, não queria desistir do que iria fazer. As palavras de Marcus iriam ficar para depois.

Saímos de casa rapidamente. O sol rachara nossas cabeças com o calor e à medida que pisávamos no chão uma poeira negra de sujeira inundava o ar. O Distrito 8 nunca foi limpo, trabalhávamos em fabricas de tecido, onde milhares de substâncias venenosas eram produzidas e jogadas no ar que respirávamos. Isso apenas me dava mais ódio, raiva e repulsa. Apenas me dava mais motivos para arrancar tudo de bom que aqueles miseráveis da Capital tinham.

— Sejam muito bem vindos meus queridos, a colheita da 74° edição dos jogos vorazes! – A voz de Mirla – A excêntrica representante da Capital - me dá ânsias de vomito e a cada passo que dou até a praça me faz ter dores de cabeça. Todos estão aqui. Todo o futuro de nossa humanidade está aqui, torcendo para que não seja o próximo prato no banquete da Capital. – Como eu adoro esse dia...

Anna se perde na multidão deixando apenas o vislumbre do vestido purpura que estava usando, os cabelos presos numa fita vermelha em que tinha achado no lixo e os sapatos da mamãe faziam com que ela parecesse as filhas dos comerciantes do 8. Nicolas estava como eu. Calças amarronzadas e sujas do trabalho e a camisa desbotada do sol, seus cabelos louros foram presos no mesmo rabo de cavalo de sempre e as botas de Marcus sempre lhe serviam bem. Minha aparência era arrogante demais. Calças de trabalho e uma blusa velha do meu pai. Meus cabelos já tiveram mais brilho nessa vida e meus olhos estavam num tom envelhecido.

— Você é louca... – Nicolas sussurra rindo.

— Fox me garantiu que os dispositivos iam funcionar na arena, o plano está correndo perfeitamente! – Afirmo num tom quase silencioso.

— Vou me inscrever... Toma cuidado, o numero de pacificadores dobrou. – Ele sibila e some rapidamente. Solto um riso doentio e me junto às outras desesperadas. As outras garotas me encaravam, por que sabiam quem eu era. Sabiam que eu roubara suas casas pela noite, sabiam que eu sujara minhas mãos com o sangue dos outros.

— O que estão olhando? – Resmungo. Desesperadamente todos param de me encarar com medo. Eu não suportara ser medida como um produto. Odiava o fato das pessoas sempre julgarem as outras pelo modo como as mesmas se vestiam ou se apresentavam. Minha família nunca usou roupas diferentes, nunca usaram perfumes e tintas coloridas no rosto como eu via nos telões comunitários do 8.

Inscrevo-me na colheita e calmamente vou me juntando as outras crianças. – Hoje, Panem espera pelos guerreiros que representaram o Distrito 8! – As palavras de Mirla, a representante me cegam novamente e apenas espero o inicio de tudo.

— Olhe para frente, indeliquente! – Um pacificador desloca meu ombro na direção do palco.

— Mas que merda é essa!? – urro e tiro o seu capacete. – Ah, é apenas você...

— Quero ter certeza de que você não vai tentar fazer aquilo. – Phil diz num tom irônico enquanto coloca novamente o capacete da roupa de pacificador. Eu o conhecia desde criança, mas nunca me ceguei por garotos. Phil trabalhava na produção de armaduras para os pacificadores, por isso ele sempre se vestia e ganhava os créditos dos policiais por isso. Comida, mulheres, mesmo sendo um garoto ele não resistia a ter o prestigio de um pacificador. Às vezes lhe pedia para roubar comida e remédios, quase todas as vezes e graças a ele ainda estamos vivos.

— Não tente me fazer desistir Phil, não posso... – Sussurro. - Se alguém te descobrir, sabe que é morte certa, né?

— Lisa, eu sou um pacificador agora. – Ele responde sério. – Amanhã estarei indo ao Distrito 2 para terminar meu treinamento.

— Não, não faça isso. – Imploro quase em silencio. – Não se renda a eles Phil, não se curve...

Ele foge desastrado em meio às outras pessoas. Phil tinha uma família grande como a minha. 3 de seus irmãos eram pacificadores também e seu pai o obrigara a ser. O dinheiro dava para se sustentar, mas era um trabalho horrível. Você mataria por eles, lutaria por uma pátria que não é sua.

Todos me encaram novamente. Acho que não é muito comum que pessoas como eu conversem com pacificadores. Ou as garotas irradiam ciúme. Phil tinha atualmente 19 anos. Tinha saído da escola ano passado, mas sempre que estávamos nos falando nos corredores todas as garotas me cortavam com olhares. Não sei se são seus cabelos que dançam em sua cabeça como ondas negras e seus olhos da mesma cor, mas eu absolutamente não sentia nada por ele.

— Vamos ao grande sorteio! – Mirla me tira do transe de Phil rapidamente. Miro o grande palco montado à frente da prefeitura. Dois telões comunitários mostravam os rostos das crianças medrosas. O prefeito estava lá, com uma taça de vinho e petiscos para beliscar enquanto via mais um ser jogado na fogueira dos jogos. – Damas primeiro, como todos os anos!

Anna, Nicolas e Phil me olham ao mesmo tempo. Sinto aquele momento congelar. O que aconteceria se ficasse? O que deixaria para trás se fizesse? Não posso falhar. Não posso me cortar com minhas próprias lâminas. Observo Mirla sambando no palco até a primeira urna das mulheres. Seu sorriso enojado e falso, suas roupas grotescas. Sei que ela irá odiar me conhecer.

— EI! – Meu grito silencia todo o Distrito por alguns segundos. Mirla congela onde está, como se fosse fazer algo errado. – Eu, eu quero ir aos jogos vorazes!

— Q-quem!? – Sua voz vacila. As pessoas engolem o ar de uma só vez, perplexas. – Q-quem me dá esta honra!

— Eu! – Empurro as garotas da frente para que todos me vissem. Mirla abre um sorriso, mas as pessoas paralisam num silencio mortal. Arrasto os pés até o palco e sinto algo em minha cabeça.

— PARADA! – Ele não fez isso. – Se você der mais um passo eu atiro!

Phil mira a arma em minha cabeça, sinto a ponta do bocal roçar em meus cabelos.

Agora a situação havia saído do controle. As pessoas gritavam. Os pacificadores tentavam controlá-las na praça, afinal, a colheita ainda não havia acabado. Mirla geme no microfone e o prefeito cospe a bebida. Incrivelmente uma risada sai de minha boca. Seca e doentia.

— Você não pode me parar – sussurro tão baixo em meio aos gritos, mas percebo que ele escuta. A ponta da arma vibra em meus cabelos.

Dois pacificadores desarmam Phil e me empurram para o palco desastrosamente. Caio aos degraus do palco e olho rapidamente para trás, vejo Phil ser engolido pela multidão de pacificadores e pessoas. Ele iria pagar caro pelo que tinha feito. Espero que não o matem como fizeram com todos que tinham certo valor sentimental para mim.

— Venha querida... – Mirla me ajuda a chegar ao microfone e de súbito um tiro silencia a multidão. Vejo Phil sem o capacete e com os olhos roxos. Sua boca sussurra algo, não quero ver, mas vacilo. “Vou te buscar.” Ele sibila de metros de distancia. Sinto meu corpo arrepiar até Mirla me segurar pelos ombros. – Tivemos um pequeno imprevisto, nada que não possa ser... – Ela se silencia e pensa bem em suas palavras. – resolvido. Enfim, temos nosso tributo feminino!

Um sorriso de escarnio surge um meu rosto. Pela primeira vez posso ver todos do 8 de uma só vez. Encaram-me, alguns murmuram mentiras entre si. – Qual seu nome meu amor? – Mirla fala com um tom ainda traumatizado.

— Elizabeth, Elizabeth White. – Sussurro e encaro Anna. Seu rosto estava manchado por lágrimas secas.

— White? Já ouvi esse nome...

— Meu irmão, ele também participou a uns anos atrás. – Meu tom de voz não vacila. A raiva ferve em minhas mãos, por ter perdido Marcus para eles. Perdido meu irmão para um jogo cruel e sujo.

— Claro! Uma White! Espero que consiga chegar tão longe quanto seu irmão! – Ela rir sozinha da própria piada, ate mesmo o prefeito come em silencio. – Então, que venha o tributo masculino! Alguém para se voluntariar?

O silencio predomina.

Um pacificador agarra meu braço e mira a arma na testa de Phil que parece estar desorientado. Não noto Mirla retira um papel da urna masculina. – E nosso representante masculino é James Histon!

Não acredito que irei para a Capital com a cria de um assassino. Pior, o filho do homem que tirou a vida do meu pai. James Histon já estava na minha lista negra faz tempo e irei fazer questão de quebra-lo em pedaços na primeira oportunidade que tiver.


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