Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 17
Maria Brasileira


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada pelos comentários! Dentro do possível, tentei incorporar todos os pedidos ;). Para quem gosta de ler ouvindo a música, aconselho a ligarem o som apenas quando esse voo pousar no Rio. A música-tema é Maria Brasileira, na voz daquelas intérpretes que estão demorando demasiado tempo para iniciar a revival tour , mas pode ser que, com o bis de setembro, se apressem : ).



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“Maria cantando, Maria dançando

Maria esperando o amor que não vem       

Maria lutando, Maria querendo ser rica também

 

Maria brasileira

De tudo sou capaz

Maria verdadeira

Tudo que você fizer, eu faço mais”

(Empreguetes, Maria Brasileira ;) )

Excerto do diário da Cida

Algures sobre o oceano Atlântico, 29 de setembro de 2016

Sou tão feliz, mãezinha! Muito mais do que nos meus sonhos porque agora tudo é real. Carrego comigo o passado, mas tenho tantos planos para o futuro, minha mãe! A senhora e o meu pai iam adorar conhecer o Elano. Estou me sentindo uma tolinha apaixonada! Eu amo, amo, amo o Elano! Nunca me vou cansar de escrever isso...

— Queria saber o que é que a senhorita tanto escreve nesse diário.

Maria Aparecida fechou o caderno e o guardou dentro da bolsa, voltando depois a atenção para a poltrona ao lado, onde se sentava o amor da sua vida. Piscando o olho, a garota respondeu de forma competente:

— Um dia, eu te mostro.

Elano também foi eficaz na hora de a aconchegar a ele num voo ao qual ainda faltavam várias horas para chegar ao destino. O garoto tentava pelo menos atingir o nível de conforto máximo que se conseguia alcançar na classe económica.

Desse modo, enrolou-se a si mesmo e à namorada no único cobertor que a companhia aérea lhes tinha cedido. Nunca ninguém se tinha dedicado a tentar entender o mistério que fazia com que o ar daqueles voos de longa duração congelasse os seus ocupantes em flocos de neve humanos.

Na falta de um aparelho de ar condicionado a funcionar corretamente, Elano encontrou métodos alternativos de aquecer manualmente a garota.

— Tira as mãos de debaixo do cobertor, Elano! A aeromoça vai ficar pensando que a gente está fazendo outra coisa…

— E a gente não está?

Como era possível que o doutor Elano Fragoso conseguisse esconder tanta sacanagem dentro de um sorriso enorme que desarmava meio mundo?

— Ela não precisa saber disso!

Cida não tinha motivo para o tom alarmado de resposta. Os tripulantes daquele aparelho já tinham visto (e ouvido) episódios que atentavam bem mais contra a moral e bons costumes.

Sobrevoando o mar salgado tantas vezes cruzado antes por gente buscando um novo futuro, Maria Aparecida e Elano trocavam ideias sobre o presente próximo. O que era o lar do garoto ainda era terreno em que a garota sentia necessidade de pisar em casca de ovo:

— Já pensou como vai ser quando a gente chegar no Borralho? Vai ter que continuar dividindo o banheiro comigo…

Elano subiu os tabuleiros e a aconchegou no colo dele, não ligando à opinião dos restantes passageiros sobre posições próprias para se estar em público:

— E você acha que eu me importo com isso?

Ela aquiesceu, mostrando a real preocupação:

— E a sua família vai ter que aceitar passar a viver com uma estranha…

— A minha família já te adora porque eu te adoro também. Tinha como não adorar? Você vai ser muito feliz no Borralho. Tenho a certeza disso.

Não era só a convicção de Elano a descansá-la. Qualquer coisa dentro de Maria Aparecida também lhe dava essa impressão. Era justiça cósmica que a Cinderela da história estivesse destinada a um bairro cujo nome fazia lembrar as cinzas da lareira.

O que de mau lhe tinha acontecido no passado era página virada no livro de uma vida que se adivinhava longa e cheia de aventuras.

Cida já não guardava ressentimento no dia em que as irmãs Sarmento lhe bateram à porta para, na ausência de Danilo, lhe entregarem definitivamente as chaves do apartamento, nem lhe custou ver Isadora e Ariela saindo apressadamente, carregando de nariz empinado as muitas malas Vuitton até ao elevador.

 A vida se encarregaria de as castigar na hora adequada, sem necessidade de interferências humanas que dessem um empurrãozinho ao destino.

 Cida tinha carga bem mais preciosa do seu lado, bagagem que transportaria com felicidade pelo resto da sua vida.

Era engraçado perceber como a garota tinha desenvolvido em pouco tempo o muito necessário sexto sentido que lhe permitia perceber a diferença entre garotos que tinham cataventos no lugar do coração e aqueles que firmavam a única bandeira em solo firme, para nunca mais a retirar.

Alguém lhe tinha dito que Conrado se tinha perdido rapidamente de amores pela filha de um oligarca russo com fortes ligações à máfia. Seria interessante perceber o que o sogro eslavo lhe faria se Werneck se atrevesse a machucar a pequena kukla loira.

Não que Maria Aparecida desejasse secretamente que o playboy aparecesse cortado às postas a boiar no rio Mondego, mas era uma daquelas pequenas satisfações escondidas saber que o safado teria que se comportar com a nova namorada.

A tradição dizia que Coimbra tinha mais encanto na hora da despedida, mas tanto Elano como Cida sentiam que aquele seria um “até logo” à cidade que tão bem os tinha recebido e não um adeus definitivo.

O subconsciente tem um jeito muito próprio de obrigar os seres humanos a repetirem rotinas associadas a momentos de felicidade. Um dia, Cida e Elano regressariam para lembrar in loco o caminho que os havia juntado.

Na última noite na cidade, António tinha fechado o restaurante para uma festa de despedida.

Juntando uma série de mesas numa superfície corrida carregada com o que de melhor o cozinheiro principal conseguia preparar, aquela última ceia congregava também as figuras que, de uma forma ou outra, tinham influenciado os rumos de todo aquele conto de fadas.

Se do seu lado direito estava sentada Cida e do seu lado esquerdo a mãe, não deixava de parecer certo a Elano que, da ponta da mesa, lhe piscasse o olho de uma forma brincalhona a senhora Avelar, acompanhada pelo marido. O seu sexto sentido de mulher Parker não lhe tinha falhado mais uma vez e a prova de que o seu instinto não se enganava era estar vendo na sua frente o jovem casal apaixonado se preparando para voltar como um só para casa.

António devia estar verdadeiramente emocionado com a partida do seu funcionário atendendo a que, pela primeira vez, se tinha esquecido de desmaiar na presença da atriz norte-americana. O português fazia jus à sua nacionalidade e era uma criatura sentimental.

Onde mais é que seria possível juntar gente ao mesmo tempo tão díspar e tão igual debaixo do mesmo teto?

Até Sílvio e Marisa participaram entusiasticamente, principalmente depois de descobrirem o sistema de som e soltarem um eletroforró que tomou conta do espaço aéreo do estabelecimento enquanto o casal Pinto Marra subia para dançar em cima da mesas, o que só fez com que Danilo se abraçasse pela última vez a Elano e Cida, remoendo o lamento e o pedido sentido sussurrados mais do que uma vez:

— Pelo amor de Deus, me adotem!

Eles consolaram o amigo-filho, com a certeza de que aquele seria um laço de parentesco que duraria por toda a vida.

Se a vida deles fosse uma novela, seria muito mais icónico se o final se tratasse do vilão fugindo da sua pátria num jatinho fretado, dando banana aos seus perseguidores, mas aquela se tratava de uma história simples com o final consistindo no mocinho e na mocinha da história regressando ao seu país num voo comum.

— Tenho medo de voltar para o mundo real.

Não é fácil virar a vida do avesso com uma frequência superior ao número de vezes que um cometa é visível a partir do planeta Terra. Elano percebeu os receios da namorada ao mesmo tempo que ouviam o aviso sonoro de que se aproximavam da costa brasileira. Estavam a menos de uma hora de casa:

— E o que é que vem a ser o mundo real?

— Cê sabe, Elano. Um mundo em que não tem amigo milionário do outro lado da parede, nem uma geladeira com caviar e lagosta.

— O mundo real sou eu e você. Te amo, Maria Aparecida.

Quatro palavras que foram as suficientes para arrancar um sorriso da garota e a preocupação dos seus ombros:

— Também te amo, tonto. A gente vai ter direito a receção no aeroporto?

— Só vai ter a Penha nos esperando, mas, daqui a seis meses, a senhorita vai estar no aeroporto esperando a sogrinha e eu vou ter todas as minhas Marias debaixo do mesmo teto. Todas as minhas Marias, por enquanto.

Ela não entendeu o recurso à conjunção, franzindo o nariz e a testa com a dúvida que necessitava esclarecer:

— Por enquanto, porquê?

Ele hesitou, pensando se seria de fato o melhor momento para contar o seu plano. Ela ia achar que ele era louco.

— Um dia sonhei que a minha primeira filha se ia chamar Maria.

Ela sorriu, encabulada. Durante a infância tinha pensado o mesmo e acabou confessando a verdade:

— Eu também. Maria Adelaide.

— Tá aí. Maria Adelaide dos Santos Fragoso. Gostei. A primeira dos nossos cinco filhos.

— Eu não sou vaca parideira, Elano. Acho que a gente não está na mesma página esse quesito.

— E eu acho que a gente sempre teve muita sintonia. Cê só tinha que encontrar a frequência certa.

Maria Aparecida e, por contágio, Elano, acabaram caindo no riso. Era um bom prenúncio. Naquele momento, o comandante já comunicava pelo interfone que a aterrissagem se daria em poucos minutos e da necessidade de todos os passageiros apertarem o cinto.

Cida apertou a mão de Elano com força durante a trepidação da aterrissagem mal o trem de aterragem friccionou o solo, vendo passar pelos seus olhos vários outros momentos do último ano.

Com o aparelho finalmente imóvel sobre a pista, a garota suspirou de alívio:

— Por um momento, pensei como tudo podia ter dado errado.

— Mas deu certo, meu amor. A nossa história tinha direito a um final feliz.

Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2016

Elano e Maria Aparecida eram pouco dados a superstições, mas mesmo assim deram as mãos no último degrau da escada de saída do avião e fizeram questão de pisar o solo da pátria usando primeiro o pé direito.

 É um lugar-comum moderno dizer que os aeroportos são o palco das emoções mais verdadeiras e profundas vindo à superfície, mas é a realidade. São o local de separação e de regresso a braços estimados, como os de Maria da Penha Fragoso, que apertaram com o mesmo fervor o irmão e o mais recente elemento da família do Borralho:

— Vem cá, cunhadinha! Não deu pra tua madrinha te vir buscar, mas a dona Valda mandou te dar um abraço apertado.

Maria Aparecida sentiu que aquilo lhe parecia muito certo. A partir daquele momento e até ao fim dos dias, todos seriam uma única e grande família.

Um aeroporto pode ser um local muito glamoroso, mas era uma necessidade muito básica a que afetava Cida no momento. A garota era um ser de carne, osso e bexiga cheia e tinha mesmo que ir no banheiro.

O instante a sós foi aproveitado pelos irmãos Fragoso para terminar a transação secreta planejada havia dias:

— Conseguiu o que eu te pedi, Penha?

A mais velha dos irmãos passou discretamente a pequena caixa que o garoto se apressou a esconder no bolso:

— Tu já me conhece, meu irmão. A joalharia ainda não tava aberta e eu já tava na porta pra levantar a tua encomenda. A Cida é uma garota de muita sorte. Esse anel é chique de fino!

Elegante era também a companhia de Maria Aparecida no regresso nada hollywoodesco do banheiro feminino daquele piso.

A garota estava lavando as mãos quando olhou para o lado e percebeu que ali estava a única Megan Parker Marra retocando a maquiagem.

O quão surreal era, depois de se terem visto tantas vezes através da tela do computador, ocuparem o mesmo espaço físico.

O mesmo pensou Elano quando as viu chegando acompanhadas por um Davi Reis que se via aflito para empurrar o carrinho demasiado cheio de malas empilhadas:

 - Cês se vão mudar?

A americana riu da pergunta, mas esclareceu o mal-entendido:

Oh, no! Parecia que nunca ia acontecer, mas vamos finalmente de férias para as Seychelles. Nas minhas malas eu só levo roupa. Nas do Davi, ele só leva computers and stuff like that, mas eu acho que a gente vai acabar por nem usar uma coisa, nem outra, if you know what I mean

O sorriso sapeca da americana era infecioso e afetou todos, exceto o namorado que não gostava muito de discutir a intimidade do casal em público.

Look, depois do trabalho para conseguir que esse aqui largasse a empresa, só quero pelo menos duas semanas de férias.

O desejo da herdeira multimilionária era uma ordem. O casal Parker-Marra-Reis não teve que esperar muito até ouvir o seu nome ser chamado para o embarque e se despedir de Maria Aparecida e dos irmãos Fragoso.

O universo equilibrava as chegadas e as partidas num fluxo de energias desencontrado.

Chayene, mito do tecnobrega, tinha acabado de desembarcar do seu avião privado e pisava com ar de diva mimada o terminal convertido em  passerelle , acompanhada pelo seu séquito que se encarregava da iluminação conveniente à estrela.

O seu sorriso ensaiado saltou ao mesmo tempo que acontecia o mesmo aos óculos escuros atirados com violência para bem longe. No lugar da receção calorosa habitual, ainda que artificial, a cantora se viu no meio de passageiros que seguiam a sua vida tranquilamente, sem reconhecerem quem tinham diante de si.

A Elano, Cida e Penha o que lhes chamou a atenção foi a voz estridente de uma mulher que parecia perigosamente estar prestes a converter-se num gorila assassino, e foi isso que os fez se voltarem ao mesmo tempo para tentar perceber o que acontecia:

— Cadê os meus amadinhos de Chay?

A vítima involuntária da violência foi a empregada convertida dias antes em assistente forçada depois do detentor oficial do cargo ser hospitalizado por exaustão.

— Rosalba, sua jumenta! Curica, o Laércio te tinha avisado que tua única função era tratar de minha receção!

A única ocupação da batizada Rosalba nos minutos seguintes seria não ser atingida pela fúria cega da patroa, mas a garota teve a sorte de encontrar três fadas-madrinhas que a resgataram do monstro enraivecido.

Finalmente convencida de que as ameaças de Elano e Penha quanto a fazerem chegar aos meios de comunicação social aquela situação poderiam prejudicar a sua carreira, Chayene seguiu caminho despedindo a funcionária na hora.

Eram duas divas conhecidas, mas quanta diferença separava uma Chayenne de uma Pamela Parker da vida.

Maria da Penha abanou a cabeça com o descaramento da cantora e ajudou Cida a secar as lágrimas do mais recente elemento do grupo de desempregados do país:

— Mas eu te conheço, menina! Tu não é filha do seu Sidney lá do buffet?

— Sou sim. Maria do Rosário.

Com gente passando incessantemente, aquele não era o local para continuar com a socialização e as apresentações. Elano deixou as três Marias na porta de entrada, juntamente com o carrinho das malas, procurando um meio rápido para as tirar dali:

— Eu vou chamar um táxi pra gente.

Quando o veículo chegou, as três mulheres já reforçavam laços instantâneos que as faziam se sentir em equipa. Pelo passado em comum, Penha incentivava à luta:

— Tu tem que dar queixa, Rosário. Isso foi agressão. Meu irmão é advogado. Se tu quiser, ele te ajuda. Não ajuda, Elano?

— Cê sabe que sim, Penha.

O garoto carregou as malas no porta bagagens enquanto as mulheres se acomodavam no banco traseiro. Quando o táxi iniciou a marcha, já elas se sentiam velhas conhecidas:

— Conheço bem patroa que acha que pode ofender só porque tá pagando um salário…

— Cê tem razão, Penha, mas é ainda pior quando a gente acha que é da família, mas a verdade que é só está sendo usada para o que lhes convém.

Sentada no meio, Maria do Rosário acabou de enxugar as lágrimas quando decidiu que o futuro de todas as empregadas do país seria bem melhor:

— Um dia a gente também vai estar por cima. Querem saber? Dia de empreguete, véspera de Madame.

— Gostei disso, menina! Tu não gostou, Cida?

— Amei, Penha.

Elano estava habituado a nunca tirar os olhos de Cida e seguia a conversa através do espelho retrovisor, mas, vendo aquela cumplicidade, não conseguiu evitar sorrir enquanto se virava para o trio vaticinando um futuro certo:

— Eu acho que esse pode ser o início de uma bela amizade.

                                             FIM


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Notas finais do capítulo

Arrisquei um final menos convencional ;). Gosto de dar a liberdade aos leitores de imaginarem o que podia ter acontecido a seguir. Eu disse que acabava a fic antes de sair o filme. O que eu não sabia é que a ia conseguir terminar antes de que essa abençoada película começasse a ser gravada : ). O costume é fazer um ponto da situação, não é? :) Diverti-me muito com esta história. De todas, será talvez a que é mais a minha cara a nível de humor. Se não valeu por mais, pelo menos valeu por isso! Cometi alguns erros conscientes pelo caminho, mas tentei fazer o melhor. BEIJO para todos e MUITO OBRIGADA a quem acompanhou essa aventura transatlântica! Cilano vive!



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