Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 15
When I get famous


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada a Ray por ter favoritado! Muito obrigada também pelos comentários aqui no site e no twitter! A música-tema é do fantástico Jamie Cullum (When I get famous), uma das melhores canções do género “não me quis quando eu estava por baixo, não venha ter comigo agora que eu estou por cima” da última década : )



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“So baby when I get famous

Everybody's gonna see

Oh oh oh

You never really knew me

 

So given knowledge, given time

I'd take us out of recession

I'd tell the world that all was fine

And that there freedom's a blessing

(Jamie Cullum, When I get famous)

Coimbra, 13 de Setembro de 2016

Diana fazia jus ao seu nome, com um porte de deusa e um olhar que denunciava a presa que ela tinha em mente para a caça ao amor a que se tinha proposto.

Aqueles olhos verdes sempre tinham brilhado quando se cruzava com Elano pelos caminhos da cidade e da vida, mas agora que ele lhe tinha dado uma chance, a convidando para sair, a morena se tinha preparado para lutar com unhas e dentes por aquele príncipe.

Eles tinham sido colegas de faculdade e, sempre que ela olhava para o bom moço, o que acontecia com muita frequência, ela se sentia olhando para a sua imagem refletida num espelho.

Elano era a personificação de tudo o que ela podia desejar num homem, quase uma versão masculina dela mesmo.

Naquela tarde, a versão dos acontecimentos é que parecia não bater muito certo.

Elano assentia aos pedidos de Diana, se esforçando para esconder a verdade da garota e de si mesmo, mas não dava para atingir o impossível quando, pelo fato de pensarem exatamente da mesma forma, se via envolto pelas lembranças que queria deixar ficar para trás.

O bom moço se viu voltando ao Penedo da Saudade, acedendo ao pedido da garota, levando pela mão uma outra morena que não a sua.

Ela matou a charada naquele momento, da mesma forma que tinha colecionado as pistas dos dias anteriores, descobrindo que podia ter o invólucro de Elano sentado do seu lado naquele banco de jardim, mas que o conteúdo do garoto continuava demasiado longe para ser alcançado.

O bom moço se encolhia, num incómodo desconfortável de quem tem a consciência do erro cometido, se sentindo um canalha de uma espécie ainda pior do que o género de Conrado Werneck.

Tudo em volta e tudo por dentro o recordava de Cida. Por muito que se esforçasse para dar atenção à garota diante de si, um estranho fenómeno lhe transfigurava as feições e alterava a sua voz, metamorfoseando a morena diante dele numa borboleta de uma outra nacionalidade.

Diana não merecia ser enganada daquela forma, mas nem Elano queria admitir a verdade cujo excesso se escapava pelos seus sentidos.

Ele não conseguia sequer se sentir decente beijando outra quando ainda conseguia sentir na sua boca o sabor de sorvete da boca de Maria Aparecida.

Olhando para o céu, o bom moço agradeceu a claridade do dia que impedia que tivesse que encarar as mesmas estrelas que ele tinha entregado de presente para o amor da sua vida, mas sabia que, lá do alto, elas o olhavam com cara de repreensão.

Diana suspirou conformada, tendo já percebido exatamente aquilo em que ele estava pensando. Ela sabia desde o início no que se estava metendo, por isso não se justificava evitar o que era forçoso confrontar:

— A tua cabeça está muito longe, ou melhor, está até bastante perto. Continuas a pensar na tua ex , certo?

À garota custou engolir o brilho de vivacidade dentro do olho de Elano sempre que a referência incidia sobre uma outra garota.

— Não, eu e Cida…. a gente já tentou e não deu certo.

Não havia sido por acaso que Diana tinha sido a segunda melhor aluna do seu ano. Ela sabia que existiam casos que não podiam ser ganhos. Compreensiva, a garota já nem se encontrava na equipa de defesa, nem na de acusação, quando aconselhou o garoto quanto à melhor resolução para o caso em mãos:

— Tenta outra vez. Nunca te vi olhar para uma mulher como olhas para ela.

A advogada sabia que não existia uma lei que permitisse mandar num coração, particularmente quando esse órgão interno já tinha uma dona definitiva.

Elano ficou muito mais leve depois de admitir a verdade, se sentindo novamente ele próprio quando se desculpou com Diana e seguiu o caminho que o seu interior lhe indicava. O bom moço estava de volta ao ativo e precisava com urgência pedir desculpas sentidas a uma outra pessoa.

Curiosamente, era sobre doenças cardiovasculares, o artigo que naquele momento Cida escrevia para o jornal que ninguém lia.

Com um prazo de entrega apertado e muita pesquisa estatística a fazer, a garota tinha regressado aos bancos da biblioteca da universidade.

Com boa parte dos alunos ainda ausentes do edifício, o local era um deserto de recordações, o local perfeito para trabalhar em silêncio, mas um eco de situações passadas.

Era uma pena que os responsáveis ainda não tivessem ligado o ar condicionado e, no calor abafado do meio das prateleiras atoladas, Cida usou um lápis para prender o cabelo num coque, deixando o pescoço livre para respirar.

A garota devia ter a mesma sensibilidade da princesa que sentiu a ervilha debaixo de uma pilha de colchões porque um arrepio a atravessou quando sentiu um par de lábios alheios beijando levemente a pele a descoberto.

Pensando que conhecia o autor da infração às normas de funcionamento da biblioteca, ela se voltou sorrindo, procurando um par de olhos apertados fechados por um enorme sorriso aberto:

— Elano…

Conrado Werneck recuou com a menção ao seu concorrente, mas seguiu em perseguição de uma Maria Aparecida zangada, quando ela se levantou e refugiou entre os corredores de livros.

Ela se viu encurralada quando percebeu que a secção de psicologia era um beco sem saída. Seria muito interessante analisar o subconsciente da pessoa responsável por essa organização.

Acuada, a garota se viu sem fuga possível quando Werneck espalmou a palma das mãos contra a parede, a prendendo no espaço entre elas.

Maria Aparecida bem podia gritar por socorro, mas teve receio das repercussões de ser apanhada em público naqueles preparos.

O discurso de Conrado não foi inédito para a garota, que já quase o conseguia recitar de cor:

— Cida, eu lamento muito por tudo. Se eu pudesse voltar atrás, eu nunca teria feito aquela aposta imbecil. Eu fui um burro e te perdi. Eu te amo de verdade, mas eu só fui perceber isso quando a gente terminou.

Maria Aparecida se lembrou que tinha lido certa vez um conto de fadas sobre um príncipe que tinha orelhas de burro e que, no momento em que percebeu a lição sobre o defeito da vaidade, foi perdoado pela fada que lhe restituiu as orelhas humanas.

A mágoa e o ódio são pesos muito espinhosos para carregar por toda uma vida. A garota até lhe poderia perdoar o erro da aposta, mas não lhe podia devolver o que ele queria.

— Eu nunca te amei, Conrado. Você foi uma ilusão que eu criei dentro da minha cabeça. Fui uma tonta. Eu queria um príncipe que me salvasse e me levasse para bem longe da minha vida.

Conrado permanecia fisicamente perto, se inclinando sobre a garota e invadindo cada vez mais o seu espaço, mantendo a voz em tom manso de cordeiro querendo conquistar a sua pastora:

— Teve um tempo em que você gostou de verdade de mim.

Ela o empurrou pelos ombros, não conseguindo sacudir Werneck de cima de si, mas continuou abanando a cabeça em negação:

— Você não era o príncipe que eu tinha inventado. Eu inventei um monte de coisas para ter uma vida perfeita, mas era tudo falso. Eu quero o que é de verdade.

Para o ex-playboy , a única verdade possível era aquela em que eles reatavam e lhe era devolvida a possibilidade de ter alguém do seu lado que o amaria por quem ele era e não pelo seu estatuto social:

— Eu errei muito, mas a gente ainda pode tentar de novo. Ainda dá tempo.

Presa entre o ex-namorado e a parede, Maria Aparecida sabia ser aquela uma situação já muito bem resolvida na sua cabeça:

— Conrado, eu nunca te vou amar porque eu amo outro. O Elano é de verdade. Você nunca o foi.

Para Werneck foi real o beijo forçado quando encostou ainda mais a garota contra a parede, como se fosse assim possível obrigar um final feliz de conto de fadas entre os dois.

Não eram duas, mas sim três, as pessoas incluídas naquele ato falhado de príncipe querendo levar a sua princesa montada num cavalo branco rumo à linha de horizonte.

Elano se encontrava na seção certa da biblioteca para levar para casa uma resma de livro sobre psicanálise e  bem iria precisar deles.

Quando o bom moço viu o laptop de Cida e outros objetos espalhados abandonados numa mesa, pensou que ela estaria inclinada em alguma secção, procurando algum volume para consulta.

Naquele momento, não lhe teria ocorrido pensar que, na verdade, Cida teria um Conrado Werneck inclinado sobre ela, reescrevendo com mãos, lábios e língua uma história abandonada, mas foi isso que ele viu quando os encontrou alguns corredores ao lado.

Ser otário era a sua história de vida, mas Elano Fragoso decidiu naquele local que era tempo de colocar um ponto final naquela história que teria um fim alternativo.

Maria Aparecida preferia um final tradicional, mas quando a garota espreitou pela nesga de espaço que Conrado permitia e viu o seu verdadeiro herói assistindo de primeira fila ao remake de um romance recente, percebeu que estava estragada qualquer hipótese de retomar o verdadeiro filme de culto.

Quando Elano saiu da biblioteca com os olhos enevoados, não levava consigo só as suas esperanças estilhaçadas. As de Maria Aparecida também viajariam com ele, mesmo que o bom moço o desconhecesse.

Danilo ficou irritado no dia seguinte, quando entrou na sala e viu Cida sentada no sofá lendo distraidamente.

Em vez de correr logo atrás de Elano para explicar aquela confusão shakespeariana , ela perdia tempo lendo sobre os usos e costumes do século XIX, como se fosse assim que ela fosse encontrar a felicidade.

Arrancando das mãos dela e fechando o volume marcado, Danilo queria trazer de volta a garota ao século XXI, onde ela realmente pertencia:

— Cida, sua louca! Que é que cê anda fazendo que ainda não correu atrás do Elano?

Ela se deixou encolher no sofá, abraçando a almofada pousada no colo:

— Ele tá com outra. E mesmo que não estivesse. O Elano nunca mais quer olhar na minha cara.

Danilo claramente não era uma vaca, mas ruminou enquanto ligava o Marra Tablet para contatar uma especialista em questões amorosas complicadas:

— Ele não está com outra! Cês não são fáceis. Não mesmo. Por isso vou buscar artilharia da pesada. Tá aqui a minha primagata. Megan, tá aqui a Cida. Lavo daqui as minhas mãos.

Resolvidas as introduções sociais básicas, através da tela do aparelho, Megan Parker Marra analisava atentamente a questão.

A prima de Danilo Marra tinha herdado da mãe mais do que apenas a beleza e, o que ela não conseguia resolver com o instinto apurado para ajudar o próximo, resolvia com experiência de vida:

Look, silly. Você like, ama o Elano?

Maria Aparecida respondeu com a maior certeza do mundo naquela que seria certamente a sessão de terapia mais estranha do planeta Terra:

— Sim. Tudo me lembra do Elano. Ele esteve do meu lado aquele tempo todo. E eu, tonta, só fui perceber tudo demasiado tarde.

A terapeuta improvisada se voltou para trás quando se ouviu uma voz de alguém fora do alcance da tela.

 -  Amor, cê viu a minha camisa azul?

— Na segunda gaveta da primeira estante do closet, baby boy.

Resolvida a questão de estilo e moda, Megan voltou a colocar o seu chapéu de conselheira amorosa:

— Então, silly, o que você tem a fazer é lutar pelo Elano. Run, não perde mais tempo! Quer se arrepender disso para o resto da vida?

A consulta foi interrompida pelo ruído de fundo que incluía um protesto com gritos agudos e o que parecia o deslize de uma avalanche:

Bad girl, estou sendo atacado pelos seus sapatos!

A referida bad girl gargalhou, demorando o seu tempo para resgatar o seu príncipe dos saltos malvados:

I have to go, mas , Cida, look: as melhores coisas da vida nunca são as mais fáceis. Não se arrependa por ter desistido antes do tempo.

É um fenómeno estranho, o que ocorre quando nos apercebemos de que, por muito simples ou óbvios que possam parecer, é mais fácil aceitar conselhos de estranhos do que admiti-los como ideias próprias, mesmo que coincidam.

Cida estava resolvida quando, depois de Megan desligar, se voltou para o primo da it girl pedindo informações vitais:

— Você sabe onde está o Elano.

Ele gemeu com o timing da garota. Porque é que ela só acordava para a vida no momento mais complicado?

— Olha, Cida. É que eu ouvi o Elano ao telefone tentando antecipar a data de regresso ao Rio.

Desencontrar-se do garoto naquele momento seria o mesmo que o perder para sempre. Era demasiado fácil, se alguém assim o entendesse, desaparecer numa cidade tão grande quanto o Rio de Janeiro.

Cida sabia que Elano só podia se sentir muito magoado para agir sem pensar primeiro nos outros:

— Não pode ser. Ele não ia fazer isso sem primeiro falar com a mãe.

— Ele já contou tudo para a dona Neide e já se despediu no restaurante e do escritório. Cê só tem uma chance.

A garota estava mais do que atenta às palavras de Danilo que definiam a missão da sua Cruzada moderna:

— A minha tia e o Ernesto foram de novo visitar a minha prima e o Elano tá na casa que eles alugaram, no alto do Piódão. Acho que nem tem rede de celular.

Na falta de um cavalo branco teria que ser o Marra a fornecer a Cida um meio de transporte adequado à ocasião:

— Então você vai me levar até ele. Eu não o posso deixar ir embora porque eu sou dele. Mesmo que ele parta eu vou continuar pertencendo ao Elano.

Danilo enxugou distraidamente a lágrima teimosa que resolveu fugir correndo ao ouvir aquela declaração. Era um coração mole, aquele garoto.

Camões continuava se agitando na gaiola. Havia muito que a asa do pequeno animal havia sarado completamente e a impaciência para voar tomava conta da ave. O instinto animal estava certo ao considerar que a sua missão junto de Cida estava completa.

Por receio regado a egoísmo, Maria Aparecida tinha adiado a hora de devolver o melro à natureza e de restituir a sua liberdade, mas a garota compreendeu o que era necessário fazer e abriu a porta da gaiola, retirando cuidadosamente com a mão Camões.

Caminhando com o bicho levemente aconchegado na palma da sua mão, Cida abriu a janela irmã gémea daquela onde o passarinho tinha embatido meses antes.

— Você tem a certeza disso?

Danilo se referia à afeição que Cida criara com o animal, aos laços que a garota tinha dificuldade em soltar, mesmo quando se verificava essa necessidade. Cida sempre se tinha visto com carência dessas pequenas bengalas emocionais, mas se sentia agora pronta para caminhar por si mesma:

— Tenho. Ele já está pronto para ir embora e o lugar dele é lá fora, livre para voar, e não preso numa gaiola.

O Marra  nunca viria a saber quais tinham sido as palavras de despedida entre a garota e a pequena ave porque Cida as sussurrou junto à cabeça de Camões.

Abrindo devagar as mãos, a garota deixou que fosse o melro a decidir se era hora de abrir as asas e romper novos céus.

Camões abriu devagar as asas, redescobrindo o sentido de equilíbrio quando içou voo e Cida o acompanhou com o olhar até o ver desaparecer na linha do horizonte:

— Adeus, meu amigo.

O filho entre um apelo e uma ordem nasceu na hora em Maria Aparecida se voltou para Danilo, confirmando a única ideia que ela tinha dentro da cabeça:

— Por favor, me leva até o Elano.


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Notas finais do capítulo

Agora fiquei a sentir-me mal pela Diana. Acho que lhe vou oferecer uma passagem para Londres e avisá-la de que o Rodinei está solteiro kkk. Se o próximo capítulo vai ter um roupão à mistura? Claro que vai ;), mas não se esqueçam que essa história é de novela das sete kkk.