Platonique escrita por Choko


Capítulo 1
Capítulo Único.




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— E-Espere!!

Pode-se dizer que começou com uma grande admiração.

— O que foi, petit? – o jovem se voltou curioso para a pequena criança que, correndo, quase tropeçou sob seus pés.

— Eu as encontrei!!  -ela abriu um largo sorriso e estendeu as mãos.

— São coquilles.

— C-Cooqui? –  tentou pronunciar, o que não deu muito certo. Francis ficou rindo.

— Não. Co- qui- lles.

Seychelles havia reunido às conchas mais bonitas que encontrou pela praia. Estava com as mãos tão cheias que, inevitavelmente, algumas caíram pelo caminho, formando uma pequena trilha colorida.

 Sabia que o outro partiria em breve e queria que as levasse como lembrança.

Também sabia que ele vinha de muito longe. E que era parecido com ela de alguma forma.

Não precisou ouvir isso de alguém, ela sabia...

Não era como as pessoas comuns. E de certa forma as representava.

Chamavam-na de país, ou mesmo de ilha. Uma minúscula porção de terra envolvida pelo mar. Havia ainda mais uma série de definições confusas que a pequena só compreenderia com o tempo.

E ele, o estranho visitante, era a representação humana de um país que estava do outro lado de um grande oceano, a França.  Apesar da grande distancia –principalmente física- entre os dois, vez ou outra, ele a visitava. E isso a deixava bastante contente.

Naquela época, ela não chegava nem na sua cintura. Era uma criança alegre, curiosa e receptiva que passava muito tempo sozinha – Francis gostava de dizer que agora era sua propriedade, isso em 1756, em um tempo com disputas por terra, podia significar algo como “a partir de agora serei seu responsável”.

Ela não foi contra essa ideia. Pelo contrário.

Em padrões humanos, seria o equivalente a pai, padrasto, tutor...mas para países algumas coisas funcionavam de forma diferente. Quando ela tivesse a aparência de uma adolescente, poderia ter se passado décadas ou séculos.

“Não estou mais sozinha”—pensava, com o coração batendo rápido, uma esperança a preenchendo —“Não vou mais ficar sozinha aqui!”

E mesmo com o pouco tempo que passaram juntos, ela aprendeu...

Aprendeu a ler, escrever –ficava encantada com os livros ilustrados para crianças que ele trazia- e até a cozinhar um pouco.

Seychelles imaginava que as coisas continuariam assim para sempre –ou, pelo menos, durante toda a sua existência- Mas o tempo também trouxe algumas mudanças significativas.

Foi no dia de seu primeiro aniversário como país – dia de sua independência do Inglaterra- que novamente o viu, depois de tantas décadas sob controle inglês.

Após a comemoração, que foi no final da tarde, os dois tiveram tempo para conversar e ela notou, em algum momento...

Não só as nuvens alaranjadas e a água espelhada...Havia algo a mais, diferente...

As mechas de cabelo bagunçadas pela brisa do mar. Aquele sorriso. Os olhos azuis, com efeito do sol refletido, voltados para ela.

Seychelles sentiu...algo que nunca havia sentido.

Foi naquele dia que, pela primeira vez, se apaixonou.

Quando ele partiu, a pequena nação percebeu que, apesar da distancia, ele continuou em seus pensamentos. E não só por um dia, mas vários. Logo havia passado semanas e até meses e as coisas continuaram da mesma forma.

Se havia um motivo para comparecer a uma reunião mundial, esse motivo era ele.

Convidava vários países para passarem as férias em sua casa todo ano, mas a resposta de França era a única que esperava ansiosa.

Caso ele aceitasse, o que não era incomum, ela passava horas e mais horas imaginando como seria o reencontro. Cada fala ensaiada desde o aeroporto até o último dia e a despedida.

Ora, e o que vestiria? Era desencanada, não se importava tanto com as roupas... mas, só nessa ocasião, ela ligava sim.

Claro, às vezes podiam acontecer alguns imprevistos. Fazia menos de um ano, ela recebeu uma ligação.

Estava sentada no sofá de sua casa esperando.

Colocou o seu melhor vestido – branco, com rendas e detalhes em azul nas pontas, usado apenas para comemorações.

O cabelo foi preso com a mesma fita vermelha de sempre – uma que ganhou de Francis certa vez.

Estava imaginando todas as coisas divertidas que fariam juntos. Fazia planos, imaginava situações e sempre para o final do dia tinha a mesma fantasia...

Um final romântico, os dois de mãos dadas, bocas seladas, um lindo por do sol e o som das ondas no fundo.

Mas os pensamentos alegres foram interrompidos com o som o aparelho. Seu estômago se agitou. A insegurança a tomou antes de atender.

“Não cancele, não cancele, por...”

Petit, eu tive um pequeno imprevisto hoje, espero que compreenda que...

“...por favor...”

Uma conversa breve. Ela se esforçou para parecer compreensiva. Esforçou-se para que ele não ouvisse sua voz embargada. Mas bastou desligar o aparelho que de longe seu choro pode ser ouvido.

Às vezes sentia-se como uma criança imatura. E egoísta. Em outras, por dentro, acusava aquele que tinha seu coração, como se fosse o verdadeiro vilão de uma história que ela própria criou.

Era incrível, ou mesmo assustador, como simples palavras poderiam fazê-la rir o dia todo ou chorar copiosamente. A instabilidade emocional que agora tinha era algo sem muita explicação.

Mas, ele a viu chorar apenas uma vez.

Em uma das visitas, deixando-o no hotel, ela seguiu para casa. Mas fez um pequeno desvio, pois sentiu necessidade.

Ela avistou uma tartaruga, a Tartaruga-das-Seychelles, típica de sua ilha. Aproximou-se do animal e se sentou perto dele.

— Ei,tortue eu sou...mesmo uma covarde...

A tartaruga balançou a cabeça, como se não entendesse. Então, ela continuou.

— Eu esperei tanto por ele. Não só ele, os outros também...mas quando o encontro eu...eu...não consigo...

As gotas marcaram o solo arenoso. E o choro de Seychelles continuou por um bom tempo, quebrando o silêncio noturno.

Não sabia quanto tempo havia passado, quando começou ou quando parou. Mas sentiu-se por um tempo vazia e exausta. Apoiando a cabeça no casco da velha tartaruga, tentava enxergar as pequeninas estrelas com os olhos inchados.

A vista, porém, ainda estava embaçada.

— Ora, o que faz aqui sozinha a esta hora?

Ela conhecia a voz. Mas fechou os olhos, imaginando estar sonhando.

— Não sei...

Até que sentiu uma mão pousando em sua testa. Abriu os olhos e encontrou com os dele. Novamente as sensações confusas a dominaram.

— Por acaso andou...chorando?

Porém, boa parte do tempo ela se esforçava para mostrar seu melhor sorriso. Para ele sempre tentaria mostrar seu melhor lado. Não precisava de elogios, apenas precisava que ele estivesse ali. Isso bastava.

Tinha que bastar.

Ela repetia, todos os dias, para si mesma :

“Estou satisfeita com essa situação”

E continuava se enganando.  

Não era só de momentos tristes que vivia este estranho relacionamento.

Seychelles gostava mesmo dos momentos de tranquilidade, quando podia passar a tarde toda sentada na areia e observando o movimento.

Sol. Praia. Calor.

Os risos que eram ouvidos. As crianças brincando na praia. As Famílias reunidas.

Em certa ocasião, ela resolveu ficar descansando debaixo de um coqueiro.

Inspirou o ar abafado, a corrente que vinha do mar. De olhos fechados apreciava a música das ondas.

O verão era mesmo sua estação preferida.

Olhou para o lado, onde o francês repousava em uma esteira.

Com os olhos – que no momento estavam fechados – tão azuis quanto o céu e a pele tão clara quanto àquela areia onde estavam deitados e que fazia contraste com a dela, queimada pelo sol.

Aquelas diferenças eram justamente o que exerciam fascínio. Ela não conseguia parar de observá-lo, assim como também não conseguia deixar de saborear aquele sentimento que só crescia a cada dia – e todas as sensações que causava.

Certo dia, conversando com alguns países que haviam decidido passar o tempo lá – somente figuras femininas reunidas, como Hungria, Liechtenstein, Bélgica- ela se sentiu encorajada pelo rumo que a conversa tomou e resolveu se abrir. Os presentes escutaram com atenção à jovem expor seus sentimentos.

Não foi a primeira vez que ouviu aquele termo, mas não tinha dado muita atenção.

Platonique.

Platonic em inglês. Platonisch em alemão. E havia mais centenas de formas em várias línguas de dizer isso.

“Não pode continuar assim. Veja, você está sofrendo!”

As vozes continuaram a repetir aquilo que ela não gostaria de aceitar.

Mas, talvez tivessem razão.

Seychelles já havia pensado em se declarar ou mesmo em esquecê-lo, no entanto, permaneceu no mesmo ponto.

Era um crime tão grave querer que habitasse seus pensamentos tanto quanto ele habitava os dela?

Estava pedindo demais?

Ela só queria ser...especial.

Encerrada a discussão, ela sorriu para as outras e tentou parecer despreocupada como sempre. Novamente engoliu o choro e guardou para si o que estava pensando.

Platônico.

Inalcançável. Inatingível. Inacessível.

Tão distante quanto às estrelas. E tão fascinante quanto elas.


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Notas finais do capítulo

petit- pequena
tortue- tartaruga
coquilles- conchas
E mais as várias formas de escrever 'platônico' em outras línguas.
Não revisei tanto, se encontrar algum erro, favor avisar.



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