Atendimento #065: Hélio

Se você têm problema com sotaques, gírias ou qualquer coisa relacionada a voz das outras pessoas, eu recomendo fortemente que você NUNCA se candidate a uma vaga de atendente. Sério mesmo! A diversidade de tons de voz é tamanho que, mesmo que você atenda a mesma pessoa duas vezes em um mesmo dia, é quase impossível você reconhecê-la.

Catherine mesmo sendo a mais poderosa dos funcionários ela ainda era uma atendente, e como todo atendente deve responder os clientes…

— Catherine bom dia quem me chama? —  Ao lado da mulher se posicionaram duas pessoas que aguardavam para serem atendidas por seu “negócio” paralelo. Colocou a chamada no mudo e virou-se para os clientes.  — Oi queridos aguardem só um pouco.  — Ajeitou a flor sobre a orelha.

— Oi Catherine eu queri.

— Dona Catherine, por favor.  —  Interferiu a atendente em tom pomposo digno dos grandes líderes. Em sua mente começou a tocar a musica “four seasons” de Vivaldi.   — Chame-me pelo meu nome e eu o atenderei com todo prazer.

O cliente sentiu no mesmo instante quem tinha a maior mangueira da ligação.  A mafiosa refitou de baixo da mesa uma sacola grande com alguns perfumes e loções e entregou para os clientes tomando-lhes os envelopes com o dinheiro.

— Dona Catherine, peço me desculpas pela maneira rude.

— Está desculpado querido. — interpelou ela. — Mas por que não me diz o que você quer?

— Sim… — A pessoa do outro lado da linha engoliu em seco. — Eu sou só um lojista que está tentando ajudar uma cliente, se for possível eu gostaria de falar no nome dela.

Uma coisa que muitos clientes acham é que, se você comprou um determinado produto em uma loja esta deve te prestar todo o suporte. Existem diversos casos de pessoas que levam os produtos para as revendedoras e fazem chiliques, nessas horas os pobres vendedores entram em contato com o suporte via telefone.

— Entendi, bom o que acontece é o seguinte. Nós não podemos prestar suporte para um lojista falando em nome da cliente. — A mafiosa falara a verdade, toda a operação fora instruida a não prestar suporte para esses casos. Quase todos não sabiam ao certo a razão mas tudo o que tinha consciência era que a ordem veio de cima. — Se ela estiver presente eu peço para que coloque ela no telefone.

— Mas Dona Catherine…

— Espero que você não esteja cogitando me questionar. — interrompeu o lojista o fazendo engolir as palavras. — Eu realmente espero eu tenha me feito entender, então vou esperar mais trinta segundos para você colocar ela na linha.

O funcionário deixou o telefone e foi rapidamente buscar a cliente que tinha ido ao banheiro. A pobre infeliz estava retocando a maquiagem, era uma baladeira e tinha virado a noite na gandaia. Seu produto, um celular de valor exorbitante tinha apagado e não mais ligado durante toda a noite, impedindo a cliente de pegar os telefones dos gatinhos e das gatinhas também.

— Dona Catherine ela está aqui, mas ela tá me dizendo que estava na festa do Hélio e não está com a voz normal dela. — O funcionário afastava o telefone para ouvir a cliente. — Não têm mesmo forma de eu falar por ela?

— Se me perguntar mais uma vez eu desligo na sua cara. — A atendente sentiu um cutucar no ombro, outros cliente vieram lhe deixar pagamentos.

— Tudo bem Dona Catherine, a senhora que sabe…

A ligação entrou em modo de espera por um momento, o funcionário voltou a convencer o a cliente a falar. Após alguns segundos a ligação foi reestabelecida.

— Alo? —  Questionou uma voz fina como um fio de náilon.

— Catherine bom dia, senhora como posso auxiliar em seu aparelho celular?

— Amor eu tava na balada... — A entonação da cliente era inacreditavelmente fina. Ouvi-la era como escutar o arranhar de uma unha sobre um quadro negro ou a fricção de um prego em um vidro. As caretas da atendente em desagrado eram tamanha que fizeram a flor sobre sua orelha cair no chão. — A festa do hélio foi um arraso, mas aconteceu isso e meu celular tá desligado. Não descarregou nem nada.

— Creio em Deus pai! Senhora Hélio era o proprietário da festa?

— Não… eu to com essa voz por que todo mundo tinha que entrar na brincadeira de usar o gás hélio para falar, e eu ainda não me recuperei.

A funcionária colocou a chamada no mute e meneou a cabeça em negativa. Respirava calmamente enquanto apertava os olhos.

— Calma, calma. Preciso me acalmar. — Sacou o envelope com um bolo de cédulas e começou a abanar-se com elas. — A esse cheirinho de notas… — Relaxou ela. — Não vou atender uma pessoa que tem a voz de um ratinha, nem a pau. — Discou os números da mesa do supervisor.

— Backup Ezequiel Bom dia?

— Ezequiel? — Catherine se ergueu e notou que o colega estava no lugar de Igor para que este almoçasse. — Tá pode ser você mesmo. Eu to com uma cliente que tá falando que nem um rato, eu não vou seguir a regra e vou falar com o lojista.

— Ué? — Ergue os ombros. — Mas foi você que deu a ordem para não atender o lojista.

Catherine ajustou a flor a orelha e encarou Ezequiel com olhar ameaçador. Levou a mão até a baixo da mesa e de lá retirou uma sacola com a etiqueta “Presente de casamento de Ezequiel para Amanda”

— Se eu me lembro hoje é seu aniversário de casamento, acho que você não vai ter tempo de comprar outro presente. — Ameaçou destruir o embrulho delicado. — Ou cancela a regra ou a Amanda vai ficar sem o kit de colônia Luxuous da Jequiti… — Aproximou uma tesoura da sacola.

Ezequiel se levantou, chamou atenção da equipe e anunciou:

— Então pessoal, podem atender os lojistas caso não dê pra falar com a cliente!

A funcionária mafiosa sorriu e voltou a ligação.

— Senhora rata pode chamar o lojista eu falo com ele...