Atendimento #062: Viajem

Sair de nossa zona de conforto é sempre um desafio, trabalhar, estudar, sair da cama quentinha em um dia de inverno para ir comprar pão por que sua mãe mandou. Tudo é muito complicado. Ter problemas no seu produto novinho já é um porre, imagina ter de levá-lo para autorizada. O incômodo é tanto que muito clientes, enfurecidos na maioria das vezes, preferem insultar até a décima geração de filhos de Ezequiel e Amanda, do que levar um produto para autorizada.

— É isso que eu quero. — O cliente em questão não se encaixava naquela categoria de estressados, bom ao menos não ainda.

— Tá deixa eu ver se eu entendi. — Ezequiel se ajeitou sobre a cadeira, entrelaçou os dedos buscando se acalmar. — O senhor não está reclamando por ter levado o produto para autorizada?

— Sim é isso.

— E por que não? — Pensou Ezequiel.

O agente piscava rapidamente como que se tentasse compreender como aquilo estava acontecendo. Ezequiel deixou um ar quente escapar da boca, em seguida notou que seu bafo era tamanho que ele mesmo não suportava. Foi ai que ele se arrependeu de ter comido mais da metade da torta de cebola da sogra.      

— Tá, o senhor levou o produto para ser concertado e agora esta ligando para o que mesmo? — Nosso herói começou a buscar uma bala de menta na bolsa.

— Eu queria que me enviassem o produto de volta. — O cliente soava perfeitamente normal e relaxado, ao que indicava seus ânimos eram os melhores possíveis. — Eu deixei lá a quase um mês e não obtive resposta deles, pode ver isso para mim?

Ezequiel sabia que algo tinha de errado.  Ele aprendera, porém tinha esquecido, que quando um produto é encaminhado fisicamente para o reparo, ou seja quando o cliente vai até a autorizada com ele, o mesmo deve ser retirado pelo próprio.  Tendo a dúvida martelando a cabeça, nosso herói pediu um momento e foi até a mesa de seu supervisor.

— Olha, eu não sei mas se o vizinho não devolver meu cimento eu vou meter um taco de basebol bem no meio do -

— Igor. — Interrompeu Ezequiel. — O cliente encaminhou o produto para a autoriza e...

— Seu hálito tá fedendo mais que minha vó depois de dar uns pegas nos mendigos da esquina.—  interrompeu. — Come essa porcaria. — Entregou-lhe um saco cheio de chicletes de hortelã.—  Agora fala.

— O cliente foi até a autorizada, deixou o produto lá e agora quer que entreguem via postagem na casa dele. — Já com vários chicletes na boca ele apreciava o sabor. — Mó bom esse negocio, que marca é?

O supervisor, entendiado por ter de dar uma resposta que ele já vira que foi dada à algumas linhas acima, apoiava a cabeça nas mãos. Como Ezequiel não tinha como saber que era um personagem o superior explicou.

 — Primeiro, a marca não importa, até por que não têm ninguém pagando. Segundo, se levou tem de buscar, ponto. — Apontou para o telefone que ele usava até antes do subordinado chegar. — Agora me deixa ajeitar essa treta aqui, meu vizinho tá dando pra roubar cimento. Aquele desencapador de camisinha do cacete.

O operador regressou a sua mesa rapidamente. Era um fato que os atendentes não podem ficar mais de um minuto fora da linha, sim, isso é uma regra horrível que todos deveriam seguir. Agora você sabe o motivo para ouvir tantos “só um momento”

— Senhor, se o produto foi levado pelo senhor então é necessário que vá buscá-lo. — Ezequiel falou amistosamente. — Se o senhor o levou então a autorizada não é tão distante da localidade do senhor.

— É ai que você se engana. — O cliente fez um pausa. — Eu levei meu produto na Autorizada de Belo Horizonte.

Como registro do cliente a sua frente Ezequiel conferiu o endereço da casa do mesmo.

— Não… — Ezequiel deixou escapar. — Você não fez isso. — Emendou, com o telefone no mute, é claro.  Com a mão à cobrir a boca ele se controlava para não rir. — Não cara, você não viajou do ACRE para levar seu produto em MINAS GERAIS!