Atendimento #041: Autorizada

Quem já teve problemas com produtos em garantia sabe, levar em alguma assistência técnica é a mesma coisa que chegar as portas do inferno e pedir para dançar com o demônio. Se bem que dizem que Lúcifer é um excelente dançarino de break, mas isso não vem ao caso.

Reparar um produto caro e cheio de peças valiosas é uma missão que deve ser executada por profissionais. Mas sempre os clientes ficam com aquela pulga atrás da orelha. “E se trocarem as peças boas do meu aparelho por outras ruins.”

— Senhor, senhor, calma vamos tentar entender esse problema está bem? —  Finalmente Ezequiel tinha conseguido falar alguma coisa, o cliente não parava de berrar ao telefone e quase não dava chance de se ajudado. Parecia uma matraca descontrolada com um pedaço de madeira enfiado no meio do-

—  Trocou rapaz, eu sei que trocou. Ele estava bonzinho quando eu levei lá. Ficou UM DIA na mão dos técnicos da autorizada, UM DIA só.Até esterco de cabelo funciona melhor que ele agora.

O cliente Carlos era tão neurado com essa história de assistência que tinha tirado até foto do estado de seu produto antes de ir para o reparo. Bom, não estou dizendo que é errado o que ele fez, pelo contrário é recomendado. Mas convenhamos, três dúzias de fotos do aparelho é um pouco de mais, não acha? era um registro e não um artigo da playboy.

— Eu entendo senhor, eu entendo a frustração. Eu mesmo já tive um— Tentou ser solicito, mas o cliente o interrompeu.

— Entende nada seu babaca. Tu fica ai sentado no “arcondi” e acha que pode vir e dizer que entende o que o cara aqui ta…

— Chega! — O atendente cortou a frase pela metade, serio e grosso ele continuou. — Eu não tenho nada a ver com seu problema beleza? Se acalma e aqueta essa lomba ai, eu vou tentar entender e resolver o que aconteceu. Se ficar me insultando eu desligo e você perde a melhor chance que tem de arrumar essa cagada. — Ezequiel ficou em silêncio esperando resposta, como ela não veio continuou. — Vou assumir o silêncio como um sim. Vou colocar você em espera e ligar para autorizada para ver o que aconteceu. Mas já vou deixando você ciente que todas as nossas autorizadas têm uma indole muito boa e não vão trocar as pessas sem autorização.

Apertou o mute deixando o cliente de lado esticou os braços.

— Hoje eu tô mau, tô mau igual um golfinho mesmo. — Falou ele com uma expressão séria. Imitou os movimentos sedutores do animal marinho.

Quem já ligou na autorizada sabe a dificuldade que é conseguir falar com eles, chega até parecer que eles têm o próprio setor de callcenter. Só aqui entre nós, isso chega aqui mais pertinho. Eles têm mesmo…

Ezequiel buscava em uma tabela o telefone direto da assistência. Sim, os atendentes têm um numero com o qual eles conseguem falar diretamente com a autorizada, ou você pensou que eles ficavam que nem otários pendurados em linha enquanto o cliente espera?

Discou os números, a funcionária da autorizada atendeu.

— Autorizada barra da tijuca bom dia.

— Andressa minha querida, como é que você tá? — Era estranho ver a maneira informal com que ele conversava com a funcionária.

— Se não é meu primuxo Ezequiel, como é que tá São Paulo menino?

Bonito não? A família toda envolvida em um mesmo ramo; a mãe é dona de loja de eletrônicos, o pai é dono de bar, mas faz freelance de programador, o filho, nosso herói, é atendente de suporte e a prima é gestora de autorizadas. Legal ver a união deles, mas o mais legal é ver o tempo que eles conversaram e esqueceram-se do cliente.

Quinze minutos se passaram e dane-se o cliente.

— Enfim, eu tava pensando em viajar qualquer fim de mês e te fazer uma visita.

— Pô vêm aí, só avisa antes para gente comprar umas carnes e por para assar aqui na brasa.

— Tranquilo a Amanda tá doidinha pra ir no Rio. — Ezequiel viu o tempo que o cliente estava em espera. — Mas Andressa eu to ligando por que que to com um corno aqui na linha que diz que vocês trocaram as peças do produto dele. Eu falei pra ele aquetar o periquito por que eu sei que vocês não trocam as peças.

— A não..er....me dá um minutinho primo.— Andressa deixou o telefone fora do gacho, estava nitidamente desconcertada. Ao longe começou a gritar. — Palhares, qualé a tua mermão? Eu falei que essa tua história de trocar peças ia dar bosta! To com a galera da central aqui e tão me encarcando com força.

Ezequiel levou a mão ao rosto decepcionado.

— Mas foi você que mandou o sua maluca! — Palhares, o técnico especialista da autorizada, respondeu também aos berros. — Eu fiz até o laudo de que as peças estavam prestes a falhar, se o cliente vir é só pegar e mostrar ué.

— Eu vou matar você Andressa! — Praguejou Ezequiel logo antes de retornar a primeira linha. — Senhor?

— Sim? — O cliente já tinha se cansado de esperar.

— Sobre  a nossa índole...