Atendimento #026: Adestrador

Você se considera alguém eficiente? Não, quero dizer em tudo na sua vida; trabalho, organização, estudos, com relacionamento... As vezes ser eficiente é só questão de vontade, colocar a mão na massa, quebrar ovos, fazer omeletes, isso mesmo aquela ladainha de auto ajuda que todo mundo grita aos sete ventos.

Em uma central de atendimentos, bom...além de ser capacitado as vezes é bom puxar o saco do cliente, do contrário ele não vai fazer o que o atendente quer. Se você imaginou alguém dando petisco a um mascote, você acertou!

— Compreendi senhora Alicia, sua reclamação realmente é relevante, na realidade posso dizer que foi bem pertinente. Então tenha certeza que estou do seu lado.

Ancelmo era um dos colegas mais antigos de Ezequiel, a diferença de idade empresarial entre eles era apenas de um mês, sendo nosso herói o mais velho. Logo de inicio todos viram que ele possuía uma habilidade muito invejada entre os atendentes, o sangue frio.

— Pois é, não é um absurdo? Comprei tudo certinho, pago a vista. — A senhora Alicia era uma dona de salões de cabeleireiros, os atendentes a conheciam bem pois pelo menos uma vez na semana esta ligava reclamando de algo.— Desta vez meus secadores todos pararam de esquentar.

— Nossa, eu já passei por isso na pele senhora. Já fui cortar os poucos cabelos que me restam na cabeça e o secador estava desse mesmo jeito. — O homem baixo tinha um visual mais velho, porém sua idade não passava do trinta anos. Ajustou a camisa social azul marinho que sempre vestia para trabalhar. — Deve ser alguma conspiração secreta contra os secadores da nossa empresa. Mas garanto que estamos trabalhando para lutar contra isso.

A cliente parou por um momento para analizar o que tinha acabado de ouvir, estava surpresa, isso era um fato. Nem em um milhão de anos ela imaginaria o atendente puxando assunto assim.

—Você é engraçado Ancelmo. — O tom animado e alegre da cliente saiu pelo auto falante do telefone em viva voz.

Algumas mesas de distância Ezequiel se debruçava sobre a divisória das mesas, buscava ouvir o que acontecia no atendimento do colega como se fosse aquela fosse uma aula de faculdade. Amanda também estava debruçada, no entanto ela encostava-se no braço de Ezequiel.

— Alá, alá, alá — Indicou a mesa do colega com a cabeça.—Parece até discovery chanel né? — a voz da garota o fez virar o rosto em sua direção. — Me sinto vendo aqueles documentários de caça de leões na savana.

— Nada a ver, tá mas para um adestrador de pets. — uma bolha do chiclete da garota estourou grudando em seu rosto. Com os olhos cerrados ele tirou a goma. — É que você está aqui a menos tempo que eu, aquilo que ele fez agora foi só tirar o bife do bolso.

— Bife? — questionou olhando-o pela parte superior dos olhos. — Como assim.

Ezequiel não respondeu apenas apontou de maneira sutil a mesa de Ancelmo. O atendente se ajustava a cadeira preparando-se para reverter os rumos da chamada.

— Senhora Alicia os clientes reclamam muito né? Sentem calafrios, ficam arrepiados. Eu compreendo que isso mancha a imagem de sua impressa e fere seu orgulho de empreendedora.

— Você não faz ideia meu rapaz, cada cliente é como um amigo pessoal. Se um deles fica insatisfeito eu trato como ofensa, eu sei que você entende o que eu to querendo dizer. Seu jeito de tratar as pessoas é diferente dos outros.

A garota de cabelo raspado na lateral começou a entender como funcionava o atendimento de seu colega.

— Maldito baba ovo. Começa dando razão a cliente, por isso que você chamou de tirar o bife do bolso. — Ezequiel apenas balançou a cabeça confirmando. — Você acha que ele consegue fazer a cliente desistir da reclamação?

— Não só acho como tenho certeza que vai vender mais de um produto. — sacou do bolso uma nota e colocou sobre a mesa. — Ta valendo o café e o bolo de chocolate. Da hora?

A aposta foi selada com o toque de punhos.

Ancelmo riu de um comentário mais divertido de sua cliente, a mesma o elogiava sem cessar. Ele apenas continuava fazendo-a sentir que estava com a razão sem denegrir a empresa, puxava a conversa para os pontos positivos dos produtos e fez a cliente refletir sobre o que aconteceu para acontecer o problema.

— Ancelmo, agora que você falou acho que meus sobrinhos mexeram no disjuntor.

Ezequiel cutucou a garota.

— Se liga agora, imagina um cachorro com fome. — ela continuou ouvindo sem desviar o olhar. — Quando ele ta com fome faz um monte de gracinhas para o dono, e é isso que está acontecendo agora.

— Tá chamando a cliente de cadela?

— Não coloque palavras na minha boca! — ele se encararam. ficaram em silêncio. — É, também...mas quis dizer que ela já tá adestrada.

O atendente em chamada pigarreou preparando-se para dar o bote final.

— Então senhora chegamos a uma conclusão que nos diz claramente: Os sobrinhos da senhora queimaram seus produtos. Bom como o problema não é em nossos produtos então tudo o que eu poderia recomendar e a senhora adquirir os produtos da nossa nova linha de secadores.

A cliente tentou buscar uma forma de permanecer com a razão, porém Ancelmo era muito mais esperto, apenas com a lábia ele a fez confessar o erro e colocá-la em uma situação onde estava inclinada a realizar outra compra.

O atendente colocou no mudo.

— Receba minha técnica de combate! — comemorou o atendente fazendo pose e apontando para o telefone. — Voltou a forma que estava antes ao perceber que era observado. — Então senhora deixe-me contar sobre a promoção de compre quatro secadores e ganhe duas maquinas…

Ezequiel pegou o dinheiro e foi comprar o café com um sorriso no rosto.  

— Vai dividir o bolo comigo né? — questionou a garota.

— Vou pensar.

A garota encarou o atendente adestrador de clientes com ódio.

— Maldito baba-ovo...