Atendimento #243: Do outro lado da linha

— Não têm mais volta meu amigo, eu já publiquei os jornais do dia com todos os dados da sua operação inclusive várias e várias passagens icônicas da sua obra. Devo dizer que eu não pensava que alguém se interessaria em ler um livro escrito sobre “telemarketing”— Sua voz enfatizava as aspas.

Ezequiel rangia os dentes, seu ódio por ter deixado o computador aberto não cabia dentro de seu corpo, se ele pudesse voltar no tempo ele se espancaria até seu eu do passado deixar de ser trouxa. Ele balançava as pernas e arranhava a parede das divisórias de sua mesa. Os funcionários não só do setor dele estavam preocupados, realmente aquilo poderia fazê-los perder o emprego pois os relatos descritos envolviam a todos.

— “Atendimento #001: Oi; o dia começa e o atendente já está tranquilo em sua cadeira...”— Fábio parou de ler. — Você foi muito burro de achar que não teria volta aquela extorsão. — parou e começou a ler novamente. — “O senhor é broxa e eu que nao cumpro meu trabalho?”— falou o cliente entonando como acreditava ser a maneira correta a voz de Ezequiel.— Você disse isso mesmo para o cliente? Muita coragem sabia? Se fosse comigo eu solicitaria a gravação da chamada e acabaria com você.

Não foi necessário muito tempo até as pessoas ligarem para a central buscando saber se aquilo era realidade, na verdade como o dia estava se iniciando as coisas só estava aquecendo, conforme o dia fosse avançando mais e mais pessoas fatidicamente ligariam. Um a um os atendentes foram obrigados a retornar às suas mesas, deixando assim o supervisor mais e mais solitário. As chamadas surgiam as dezenas, às centenas para ser mais preciso e sempre o assunto era o mesmo. Todos queriam saber se o livro “Do outro lado da linha” era real, se era assim mesmo que os funcionários da empresa tratavam os clientes e se os clientes eram realmente tão burros quanto o retratado. As peripécias de Ezequiel e seus colegas viralizaram tornando-se um dos principais livros de humor em poucas horas. Ezequiel fazia o mesmo que Igor, ele ouvia as chamadas bizarras dos colegas, mas diferente de Igor ele escrevera um livro com os casos e estes, infelizmente haviam sido vazados para Fábio.

— Não senhor, nós não chamamos ninguém de brocha e nem usamos pornografia como moeda de troca. — Falou Alana respondendo um cliente que tinha em mãos parte dos textos de Ezequiel. — Senhor sério mesmo, ninguém aqui está falando que ninguém é brocha. — Fez um silêncio típico de quem espera o cliente parar de falar besteira. — Não se o senhor é brocha aí não é comigo amigo, sério...— Novamente o cliente falou. — É eu falei agora porque...Ah quer saber senhor se o senhor é brocha é problema seu. — Ela encerrou a chamada, mas não demorou até surgir outra.

— Não vai demorar meu amigo Ezequiel, todos vão ver seus duzentos e cinquenta atendimentos não convencionais e vão querer saber sobre ele. Seu trabalho vai ficar um inferno! E logo logo seu presidente vai poder te demitir…Ninguém vai conseguir te salvar dessa.

Ezequiel se viu mais sozinho que o planalto depois de gritarem “pega ladrão”. Todos os seus subordinados estavam atendendo, ninguém mais pôde ficar ali ao seu lado, nem mesmo sua esposa, que descansava em casa, poderia ajudar. Se por um lado era divertido seus colegas lerem seus relatos dos casos mais absurdos já atendidos, por outro era horrível, pois isso colocava todos em risco. O do outro lado da linha foi feito pelo nosso herói com o objetivo de colocar dicas de como ser bem tratado e de quebra mostrar as coisas bizarras que aconteciam com eles, mas aquele rumo parecia ter se perdido depois do vazamento.

— Ah é mesmo né…

Sabe quando você está vendo aquela pipa magnífica, com um cerol mais cortante que sabre de luz, vindo na direção da sua coisinha voadora? Pois é...era assim que nosso herói aparentava estar; indefeso, só, vulnerável, quase a defesa de muito time de futebol por aí a fora.

— Sabe o que é melhor de tudo Ezequiel?

— Não imagino...ainda têm algo melhor que ferrar os outros?— Ele abriu o celular para conferir algo. — Porque se tiver me avise.

— Têm sim, olha só. — O cliente extorquido com placas solares continuou. — Eu posso não receber nenhum centavo do que você me tomou, mas seus amiguinhos aí vão tomar tudo o que é seu, pois a empresa vai te passar multas e repassar os valores para eles como forma a indenizá-los pelas demissões que serão aplicadas. Sim, você vai ser o responsável pela rescisão de contratos de todos eles. — Não que isso fosse ser um problema muito sério para alguns dos atendentes, cá entre nós as empresas de suporte e telemarketing raramente demitem um funcionário e quando o fazem é por justa causa. Mas é claro que existiam aqueles que estavam com filhos pequenos, uma instabilidade financeira brava e um divórcio louco com o parceiro tentando lhe sugar a alma.

Nosso herói sentia-se impaciente, a qualquer instante alguém poderia ligar na segunda linha de seu telefone, e se isso acontecesse certamente seria alguém superior informando a enrascada.

— A notícia que passaram é falsa, Não existe ninguém aqui na empresa que dome clientes como animais. — O atendente dialogava com alguém cujo a voz era muito feminina, fina e extremamente indignada..

— A não? E quem é que se chama Ancelmo por aí? Por que eu li naquele livro que tá na internet, e se está na internet é verdade. O “do outro lado da linha” tá dizendo uma situação que eu apareço, e eu reconheci de quando liguei para vocês;

— Olhe eu não faço ideia do que você está falando, não existe nenhum Ancelmo aqui. — Mentiroso! Ancelmo mudava a voz, mas continuava soando como uma fuinha domadora de pessoas como sempre foi. — Eu imagino que esteja estranhando alguém ter publicado coisas com o seu nome na internet, mas entenda ninguém aqui sabe nada de um Ezequiel ou Ancelmo senhor Júlio, esse negócio de atendimento #007 é invenção!