Atendimento #169: Extravio

É uma frustração inacreditável você comprar alguma coisa e perceber que seu produto se perdeu no caminho. Claro que isso não é mais frustante do que não poder comprar o produto, ou mesmo ter comprado e ele apresentar defeito. Mas quando seu treco for extraviado pense positivo, lembre que ele poderia ser perdido e você ter descoberto que engravidou uma técnica com ele…

Ezequiel sabia disso, mas sua cliente simplesmente não entendia que sua sorte não era tão pequena quanto ela imaginava.

— Senhora.

— Eu cansei...faz mais de um ano! UM ANO! — Ela chorava de ódio, sua voz parecia tão grave quanto a de um demônio depois de sair de um show de screamo. — Eu não quero mais desculpas quero ações!

— Senhora…

— E você ficam só sentados aí achando que estão resolvendo os problemas dos outros. Não! — A mulher tinha muito ódio na voz. A raiva era tão grande que poderia se imaginar que ela chorava sangue. — Ezequiel, ou Natanael, ou Lucas, sei lá seu nome não entendi direito. Vocês não servem pra nada! Pra nada tá me entendendo.

— Entendi senhora, na verdade estou entendendo…

Ezequiel abriu um de seus cadernos e com a caneta azul ele anotou os dados da cliente. Voltou a chamada.

— Só me deixar recapitular as coisas por um instante está bem?
— Para que você vai fazer isso? Tá achando que eu sou papagaia, ou algum tipo de anta que não consegue se lembrar do que falou?

— Se você continuar falando eu vou achar mesmo. — Interferiu calando a cliente. — Você tinha um roteador de rede sem fio, eu entendi essa parte. Inclusive eu imagino que deve ser uma porcaria tentar trocar nudes passando as fotos para seu computador via bluetooth e depois pela internet via cabo.— Pigarreou. — Mas assim seu produto foi para  autorizada com defeito.

— Depois de só uma semana de uso! — Esbravejou ela.

— É, depois de uma semana. Mas poderia ser pior, poderia ser depois de um dia. Aí você não teria conseguido enviar nenhum nude pra ninguém.

A cliente teria insultado o atendente de todos os nomes já inventados, mas ela realmente estava satisfeita de ao menos ter mandado a foto do seu  pastel para o namorado novo antes da internet dar pau, não tivesse sido isso provavelmente teria perdido a chance de “amarrar” o cara e namorar com ele naquele ano que se passou.

— Enfim, eu sei que é uma bosta ter de esperar, mas acredite senhora nós não temos culpa do que aconteceu.

— Querido se eu mando o negócio é obrigação de vocês garantirem a segurança do produto.

Realmente…

Quando um produto vai para alguma assistência técnica, independente de qual seja sua tralha, ele fica sob responsabilidade da empresa. Claro que tudo que você envia passar por terras desoladas, mundos alternativos, e até por lugares mais inóspitos como algumas cidades onde os pombos e os cachorros-quentes reinam. Mas mesmo assim ele têm de voltar inteiro para você.

— Claro senhora, eu entendo isso, mas vamos concordar que se uma quadrilha armada de escopetas, fuzis e chinelas “hawaianas” na mão, parasse seu carro, você não entregaria tudo o que têm?

— Entregaria mas…

— Sim eu sei senhora, eu sei que a empresa têm de te dar um produto novo. Sabemos que se o produto não chega temos de te dar um novo. — Ezequiel conhecia bem os procedimentos, na realidade tinha se tornado um expert no último mês de estudos, mas nada disso adiantou perante a habilidade inacreditável de lustrar genitálias masculinas de seu concorrente Kauã.— A empresa já tentou entregar seu produto novo umas cinco vezes.

— Mas como que em um ano vocês não conseguiram? Se eu compro pizza em outro bairro e mando eles entregarem aqui e eles chegam, como cacetes dourados vocês não conseguem?

Ezequiel tinha o relatório das tentativas de entrega e todas apresentavam extravio, ao abrir o ultimo deles nosso herói leu o que o entregador relatou.

“Dá pra entregar não, os cara do morro já tá esperando o meu carro com a chinela na mão. Não me atrevo a voltar não, nunca apanhei da minha mãe e toda vez que venho eu saio marcado e liso. Não, chega! Se a cliente quiser ela que venha na central buscar.”

— Senhora. — Voltou a chamada.

— Fala.

— A senhora está disposta a tomar algumas chineladas pelo seu roteador?