Atendimento #142 Boa mira

Tudo na vida é uma escolha e cada escolha é uma perda. Sabe quando você decide dar uns beijos naquela menininha ou naquele menininho com mais gengiva que dentes? Pois é tudo isso é questão de escolha. Porém quando crescemos e passamos a trabalhar percebemos que não temos muitas escolhas razoáveis.

Como nós já percebemos os atendentes não são pagos para resolver problemas de produtos ou serviços, isso é só um plus. A verdadeira tarefa é resolver problemas dos clientes. Mas além dessa tarefa também é preciso fazer os registros.

— Pefoal efcutem um fouquinho. — O supervisor temporário chamou a atenção dos seus atendentes. — O pefoal do tefste efstá fafendo uma férie de ligafões. Fomem cuifafo com qualfer um que fão feira pafssar o FêFêEffe e o Rg.

Igor levantou-se de sua cadeira de altura regulável e começou a encarar o "encarregado" com uma expressão de terror.

— FêFêéFFe? Que viajem é essa brother? — Alguns caíram na gargalhada. Outros continuaram observando.

— Fofê enfendeu. — Respondeu cerrando os olhos.— Fome cuifafo fra não fe fefar no tefste.

— To nem aí pra esses testes, não vou me ferrar mesmo, quero mais é que...— E naquele momento uma ligação soou no ouvido de Igor. — Tá de sacangem, parece até que o autor tá fazendo do proposito. — E assim que ele diz isso eu fico quieto. — Bom mesmo... — Tirou do mute. Sua expressão de intimador desfez-se em um sorriso amoroso.— Marrom bombom, marrom bombom. Nossa cor marrom. — A voz entoada, a cabeça balançando ritmada na musica romântica que tocava em sua mente.

— Nossa como você é animado ein. — O cliente riu. — Meu nome é Antony e eu quero tirar algumas dúvidas com você.

— Claro doutor.— Igor levantou-se e olhou fixamente em direção a Jailson.— Só preciso que me informe o seu Fê-Fê-éFFe.

—Então eu não tô com ele aqui no momento. — Respondeu o cliente sem demora indicando que entendera com perfeição a proposição na língua do "F"— Eu quero saber sobre um aquário que eu comprei.

Igor ficara embasbacado com a habilidade do cliente de entender facilmente o que código que significava CPF.

— A...bem.— Alastor buscava reorganizar as ideias espalhadas como peças de dominó. — Chefe é assim, se eu não registrar os caras aqui dentro vão querer me capar e fritar o presente.

— Não, tudo bem, eu passo depois. Agora me responde uma pergunta.

— Passo depois é o cacete. — O ex supervisor sabia das artimanhas dos clientes, antes de ser encarregado ele também atendera. Curiosamente, naquela época o índice de processos contra a empresa era o mais alto do país chegando a figurar entres as empresas mais processadas do mundo.— Tá me taxando de idiota? Parceiro eu to ligado o que tu quer fazer. Primeiro tu vai fazer todas as perguntas, como eu sou obrigado a responder eu vou ter de falar. Depois disso eu vou pedir pra você passar teu cpf e você vai dizer "Só um instante que eu pego", ai MAGICAMENTE a ligação vai ficar muda e cair.

O atendente se levantou para verificar se tinha algum gestor observando a central. Assim que constatou que a "barra estava limpa continuou"

— E ai vai me dizer essa droga agora ou já?

O cliente soltou uma risadinha, parecia que já previa esse tipo de atitude, e realmente previra. Com aquela demonstração sutíl, porém explicita, Antony revelou-se como um examinador deixando sua máscara de falso cliente.

— Esperto você. — Outra risadinha.

— Ô filhote aqui têm anos de curso, antes de tu nascer eu já tava ensinando tua mãe. — Levantou-se, tirou o headphone e passou a observar o setor de testes.— E então O do teste como é que vai ser?

— Pois é como você mesmo disse, você têm de responder as perguntas que eu fizer né? Tô a quase três anos na empresa, sempre sonhei em zerar uma monitoria do grande Alastor.

Igor suspirou pesado, pegou uma garrafa de cachaça na bolsa. Ao conferir o liquido dentro notou que estava quase no fim. Sorriso largo na face, uma ideia "malégna" surgiu.

— Pois é mas têm uma coisa eu só sou obrigado a responder se você disser abertamente em linha que não quer o protocolo dessa ligação. Então ou você diz que não quer ou pode meter esse zero bem no meio da sua raiz quadrada.

Igor realmente era esperto, sabia perfeitamente que os atendentes eram pagos para gerar protocolos e transformar os clientes em meras estatísticas. Além disso, e mais importante inclusive, sabia que só poderia responder perguntas caso o cliente informasse que não queria protocolo.

— Tá eu entendi, mas só responde uma coisa.

Igor virou a cachaça em uma golada só, subiu na mesa ficando em pé, mirou e lançou a garrafa de vidro em direção ao setor de testes. O vasilhame rodou no ar umas quatro vezes antes de se espatifar na cabeça de Antony. O avaliador caiu inconsciente sobre o telefone encerrando a ligação.

— Aê super. — Igor chamou por Jailson que o encarou embasbacado.— A ligação caiu. — Falou dando de ombros.