Atendimento #138: Ratoeira

Você se considera uma pessoa surda? Não estou falando de surdez mesmo, a deficiência e tal. Muita gente por ai não têm nenhum problema auditivo e ainda assim escuta pouquíssimo, geralmente isso acontece por que; ou a pessoa finge que não ouviu, ou a pessoa é retardada e ouviu mais demorou tanto pra processar que a ideia se perdeu, ou ela é só um cliente extremamente leigo que finge que não escuta só para ganhar tempo de pensar no que dizer.

— Como é? - Indagou a cliente Odete fingindo-se confusa como uma pata choca.- Eu sou advogada e psicóloga formada, vocês acham que são quem?

— Eu já dei o papo, será que não consegue sacar de uma vez dona? - Igor balançava a perna impaciente. A ligação que deveria durar pouco já consumira muito de seu tempo. - Daqui a pouco a média sai lá na cantina, se tu não puder entender chama outra pessoa logo tia. - ela não era realmente sua tia, mas falava como uma tiazona corpulenta.

— Repete mais uma vez fio. Repete que eu acho que você não sabe do que tá falando. Parece que não sabe respeitar quem tá por cima da situação.

Igor respirou, levou a mão a bolsa e conferiu os itens que trazia. Dentro existia uma caixa pequena de isopor, ao abri-la ele sentiu uma lata de cerveja gelada esperando por ele. Acalmou-se.

— O seu prazo de promoção acabou senhora, o valor do seu pacote de televisão, internet e telefone voltou ao padrões. Por isso que o preço veio cinco vezes a mais nesse mês. - Igor já estava de saco cheio da mulher, mas não se deixou levar pois sabia que venceria.

Pode parecer estranho pensar nisso, mas sabe aqueles comerciais que prometem uma internet mais rápida do que ejaculação precoce? Então...O nome disso para muitas empresas é ratoeira. Não acredita em mim? Preste atenção.

Primeiro eles colocam o queijo que é equivalente ao valor lá em baixo.

— Mas quando eu comprei o pacote era só cinquenta e nove e noventa, como assim ele ficou tão caro? - indignada a mulher ameaça desligar, Igor, é claro, ora com todas as forças para que isso aconteça. O atendente sabia que uma vez mordido o queijo a trava da armadilha se aciona e impede que o rato fuja. - Quer saber pode cancelar essa porcaria agora mesmo, não quero ficar com esse preço.

— A dona...eu não faria isso se fosse você. - Ameaçador como um palhaço sombrio carregando uma foice na frende do cemitério, Igor colocava a verdade sobre a mesa. - Acho que a senhora não leu o seu contrato de serviço né? Lá diz perfeitamente "em caso de quebra de contrato o valor a ser cobrado é de setenta porcento do valor total do prazo então acho melhor você não pensar em escapar de nós"- Enquanto falava a língua tremelicava, se fosse bifurcada muitos diriam que ele era uma serpente assassina. - Pega o papel ai vai.

A mulher saiu doida, desembestada atrás do papel, para ela era inconcebível tal clausula, porém, ao verificar...

— NÃO... - Lamentou ela.

Quando o rato está na armadilha ele sente a dor da ratoeira o prendendo, esta seria o equivalente ao serviço de péssima qualidade. Nesse estado ele tê duas alternativas: A primeira é aceitar sua posição ferrada e continuar mastigando o queijo, ou seja, aceitar que ele é um pobre infeliz e vai ter de ficar pagando pelo erro. Ou simplesmente se debate até perder a cabeça para a haste da ratoeira, neste caso, a multa de mais da metade do valor.

— Pois é dona sua alma é nossa, tipo agora tem um satãnzinho aqui brincando com ela pra lá e pra cá. - naquele instante passava Ezequiel saltitando com o contrato da cliente na mão. Sorridente como um torturador sádico Igor continuava jogando a verdade na cara da cliente. - Sabe o que é pior senhora, não adianta nada fugir ou se esconder...- A voz ficou grave. - Mesmo que você cancele, mesmo que você pague a multa eu sei, não têm nenhuma outra empresa que chega até sua residência...

— Como é? Tá me dizendo que eu estou sendo mantida refém?

— Não senhora, nós nunca usamos o termo "refém"- Igor nunca foi um cara que gostou dos procedimentos e politicas da empresa, mas ele sabia que, se é para torturar um cliente eles funcionam muito bem.- nós aqui dentro chamamos pessoas como você de leiteira. A senhora de todo jeito vai ter de bancar uma grana, seja cancelando, seja aceitando até mesmo processando...- Igor sacou da mala uma lata gelada, abriu.- E ai dona, eu acho que eu tô por cima né?