Atendimento #101: Segunda opinião.

Já sentiu aquela pontada que lhe diz que algo não está correto? Pois é, os atendentes têm essas sensação a todo instante; o fato de não ver o que o cliente faz é uma vantagem e uma desvantagem enorme. Pense você atendendo aquela pessoa que diz que o chuveiro elétrico dela parou de dispensar água quente, obviamente esse ser humano está nú, ou na melhor das hipóteses, de toalha. Aí vem a pergunta: você gostaria de ver isso? É eu sei… é tenso imaginar o atendente falando com alguém nu, mas acontece.

— O gestor nunca mais veio aqui não é? — Amanda comia uma maçã recheada de mortadela defumada; seu hálito era o de um dragão após devorar uma dúzia de urubus mortos, mas ao menos seus desejos estavam sendo aliviados.

— Serio mesmo que você gosta disso? — A cara de nosso herói tinha um mix de aversão e curiosidade.

— Claro que sim, têm gosto de frango. — A garota deu uma mordida na fruta que possuía várias fatias em seu meio.

— Não, depois que ele quase morreu aqui nunca mais apareceu.

— E se ele não der a promoção?

— Eu já falei mulher, tá tudo sob controle. — Pegou da mochila outra unidade da iguaria e a fez morder. — Agora come isso ai, se têm de ficar gordinha pra parir um guri gordinho também.

— Você nunca me disse que gostava de crianças, seu eu soubesse já teriámos filhos à alguns anos.

O som do telefone de Ezequiel em viva-voz o fez retornar para sua mesa; antes de falar qualquer coisa o mesmo colocou a chamada no mute.

— Eu adoro crianças...com batata. — Sorriu maligno. Tirou do mudo. — Ezequiel bom dia com quem eu falo?

— Fiorentina.

O atendente sacolejou a cabeça se lembrando de uma musica de um comediante que fora famoso a alguns anos atrás.

— Senhora, me informe o nome completo do titular por gentileza. — Ezequiel saiu de seu estado mental de oito anos de idade e voltou a normalidade. — É necessário fazer seu registro.

— Só um momento. —  Anunciou Fiorentina.

Algumas pessoas não sabem ao certo como um telefone fixo funciona, o que é muito absurdo se você parar para analisar bem. Mas aquela cliente era desse grupo dos que não manjam, por isso ela acreditava que tapando a parte superior do aparelho com a mão estaria abafando o som e impossibilitando o atendente de escutar sua outra conversa.

—  Vamos logo amigo eu já estou a mais de dez minutos aqui. Será que eu vou ter de fazer uma reclamação do seu atendimento?  — A mulher falava em um telefone celular, este, ao que tudo indicava, estava em viva voz.

— Eu estou verificando as informações senhora será que pode aguardar um momento? — Nosso herói reconheceu de quem era aquela voz e rapidamente se levantou para ver.

Ao longe Ancelmo falava com a cliente em um tom exaltado, na realidade já haviam alguns minutos que seus colegas notaram sua ira, mas só mesmo naquele momento Ezequiel entendeu tudo.

— Oi Ezequiel. — A mulher voltou a chamada no telefone fixo. — Eu quero que você verifique um processo de troca de um aparelho meu. É um freezer horizontal.

— Eu vou verificar senhora. — Ezequiel colocou no mudo, levantou-se e foi até Ancelmo.

— Isso senhora é só o que eu sei sobre seu freezer, ele está na autorizada e só será retirado para a troca após ser feita a análise correta do mesmo. — O atendente fã de tokusatsus assustou-se com a vinda abrupta do colega. — Tá pedindo um golpe da minha espada olímpica.

— Sabe essa mulher que você tá falando? — Ezequiel sinalizou apontando para o nome da cliente no sistema. — Então...ela tá falando comigo também.

Boquiaberto com a artimanha digna de um vilão de power rangers, Ancelmo tirou do mudo instantaneamente.

— Senhora, gostaria de informar que não importa quantas vezes ligue a informação vai ser a mesma, se o produto não foi analizado não têm troca. Então espero que não ligue novamente aqui estamos entendidos? — O pobre rapaz já fora xingado de tudo que era nome, porém a cliente era que demorava.

— Como assim? — indagou ela antes de Ancelmo encerra a chamada. Virou-se para Ezequiel.

— Agora ela é toda sua, se vira.

Ezequiel cerrou os olhos, notou que não deveria ter dito nada para o colega que empurrou a cliente para ele.

— Nunca mais tento ajudar aquele corno, nunca mais. — Repetia para sí mesmo enquanto ia para a mesa. — Senhora, a senhora me escuta?

— Que droga, — A mulher não acreditava que o atendente desligara a chamada na sua cara. Fiorentina retornou ao telefone fixo — Alô? Alô? Você já têm o que eu pedi?

— Então primeiro eu quero te dize uma coisa.

— Têm haver com o meu caso?

— Não.

— Então nem quero ouvir. — A mulher soou como uma aristocrata a bater com a luva na cara de um ministro.

— Mas você vai ouvir, por que aqui ninguém é otário não. Se você não acredita em um atendente é perfeitamente normal você querer uma segunda opinião, mas fazer isso com o outro ainda em linha é um desrespeito.

— E quem estava falando com dois atendentes aqui?

— Minha mãe senhora, minha mãe liga para o tele-sexo e fica falando com dois atendentes ao mesmo tempo porque ela não se satisfaz com um só sussurrando no ouvido dela. — Soltou o ar pesadamente. — O Ancelmo já disse o que tem pra dizer sobre seu caso, até mais.— Concluiu ele encerrando a chamada.