PDV - Sam

 Apesar da ideia de fuga do Benson ter sido um pouco inusitada, ele já havia planejado boa parte da nossa 'viagem'. 

Bem, fomos parar em Vancouver - por ser próxima de Seattle -, mas foi um longo processo para poder chegar lá. Tivemos que criar identidades falsas, vender a minha velha bicicleta e outras coisas árduas. Só sei que a primeira coisa que fizemos quando chegamos na cidade foi se sentar num banco de uma praça pública e olhar para a cara do outro. 

— O que faremos agora? - perguntei ao nerd, que não conseguia esconder o cansaço nos olhos. Olhei ao meu redor e notei que estava prestes a amanhecer. 

— Logo mais você irá saber... - Freddie sorriu levemente para mim e apagou, literalmente, no meu ombro. 

Eu não pude fazer nada para acordá-lo nem mesmo me movimentar, pois também não me aguentava em pé. Então não fiz esforço para dormir. 

(***)

Acordamos horas depois, quando um montão de crianças se reuniu naquela mesma praça e começaram a fazer brincadeiras estúpidas. Mas o que realmente me incomodou não foi o fato de eles terem me acordado e, sim, uma gritaria sem fim de uma garotinha ruiva, enquanto corria atrás de um outro garotinho gordinho.

— Eu vou acabar com a festa desses moleques - estava prestes a me levantar quando o Freddie segurou a minha mão e me repreendeu.

— Sam, são apenas crianças - Ele disse entre risos. - Deixe eles brincarem. Não há nada de mal nisso.

Revirei os olhos.

— Espero que você não prenda os nossos filhos quando eles estiverem nessa idade - brincou o nerd. E, nossa, o comentário dele foi tão "engraçado" que acabou recebendo um tapinha leve no ombro. Onde já de viu!? Me comparar com a Sra. Benson!?

Demos algumas gargalhadas - que foram interrompidas por conta da aproximação de uma garotinha morena e simpática. 

Ela aparentava ter uns cinco anos de idade, tinha flores ao redor dos seus cabelos e ainda carregava uma cestinha com várias outras flores - de diferentes cores.

— Vocês formam um belo casal - Freddie e eu trocamos olhares e sorrimos para ela.

— Que bonitinha - Freddie disse.

A garota agradeceu e, em troca, estendeu uma flor roxa para mim, como se estivesse me dando de presente. 

— Ah, não... - Freddie brincou e apontou para mim. - Ela não gosta de receber flores...

— Não escuta ele! - Tampei a boca do Benson com uma mão e peguei a flor da garotinha com a outra. Aproveitei ainda para agradecê-la pelo 'presente'. 

Depois que a garota foi embora, o Freddie se virou para mim.

— Vamos - Ele deu uma palmadas nas minhas pernas se levantando. - Temos muito o que fazer. 

(***)

Andamos praticamente a tarde toda pela cidade. Quanto mais eu perguntava ao nerd sobre o nosso novo plano de vida, mais ele me deixava curiosa. Fizemos uma pequena pausa na caminha para descansar e comer alguma besteira - não tínhamos dinheiro suficiente para uma refeição completa. 

— Os Bolos Gordos canadenses são demais! - comentei de boca cheia ao Benson. Ele sorriu, mordeu um pouco do meu doce e guardou o dele na mochila. Essa atitude me deixou raivosa. - Ei! 

— Foi só um pedaço! - Ele gritou para mim, ainda mastigando. - Vai morrer?

Enfim, começamos uma longa discussão na frente de um mercadinho por conta de um doce. Não fiquei totalmente satisfeita e ameacei ir para um outro local longe dele - quase fui -, mas o nerd foi mais rápido e conseguiu me pegar pelas pernas e me carregar, levando-me para onde ele queria ir.

Não trocamos uma única palavra por umas duas horas, o que era muito estranho, pois o Freddie insistia em me carregar e eu agia como se estivesse tudo bem, sendo que não estávamos bem! Brigamos feio.

— "Para onde estamos indo, nerd!?" - me perguntei quando estava prestes a anoitecer, novamente. 

Por fim, Freddie me largou no chão - ainda sem dizer uma palavra - e, calmamente, continuou o percurso. Estávamos entrando numa espécie de "floresta" ou trilha. Enfim, o nerd parecia saber muito bem onde estava entrando e eu não o questionei. 

Já era noite e eu podia facilmente ouvir sons de animais "selvagens" por todo o canto daquela trilha. Perguntei-me várias vezes se havia alguém além de nós naquele local e se era seguro caminhar ao entardecer.

Chegou um momento em que tínhamos de passar por um extenso lago e havia apenas uma ponte improvisada, que ligava o nosso ponto à outro. Seria extremamente fácil passar pela ponte se não fosse preciso se EQUILIBRAR. 

Obs: A ponte era um tronco de uma árvore velha e não tinha forma de se segurar.

— Vem - Freddie, quebrando o nosso momento de silêncio, foi na frente e estendeu uma de suas mãos para mim.

Eu, orgulhosa, não aceitei.

— Não preciso da sua ajuda - falei num tom ameaçador. - A mamãe aqui é aventureira.

Freddie continuou com a mão estendida para mim, enquanto caminhava lentamente pelo troco; e num determinado momento, eu realmente ia precisar das mãos dele para me apoiar. 

"DROGA". 

Estava prestes a cair da ponte quando segurei em uma das mãos do nerd, mas, mesmo assim, caí. Tudo por conta dele, que se soltou da minha mão. 

— Benson! - Eu gritei enquanto ele ria da minha cara. Sorte que o lago não era tão fundo, pois eu iria matá-lo!

Horas depois, estávamos sentados num ponto bastante ventilado e tranquilo daquela mesma trilha. Eu estava extremamente molhada, assim como tudo da minha mochila. 

— Pronto! - Freddie havia recolhido alguns troncos e se esforçava para fazer uma fogueira. Depois que concluiu, virou-se para mim. - Acho melhor você tirar essas roupas molhadas e deixar próximo do fogo...

— E ficar sem roupa? 

— Bem... - O safado riu e se aproximou de mim para um beijo. Eu já não estava tão chatada pela nossa briga mais cedo e nem por ele ter me deixado cair no lago. Decidi apagar esses momentos da minha mente...

" O que seria um casal sem uma briguinha, não é mesmo? "

— Está gostando do local? - Ele me perguntou quando eu estava retirando tudo da minha mochila. - Certo que este não é o "local perfeito", mas sempre tive vontade de vir para cá. Eu sempre li sobre essa região nos meus livros didáticos...

— É... Está sendo legal - confirmei com total firmeza. - Mas... Por quanto tempo iremos ficar aqui? É seguro? 

— Apenas por um tempo - Ele disse. - Até a poeira baixar e, então, vamos procurar uma casa e um emprego. 

Mordi os meus lábios, afinal teríamos que começar tudo do zero e enfrentar grandes, mas grandes dificuldades.

Naquela mesma noite me peguei pensando como seria a minha vida se tivesse me casado com o Brad e tudo mais. Bem, talvez eu estaria em uma mansão, aguentando as visitas da minha mãe e comprando coisas inúteis para ela... E, não, não me arrependo de ter fugido ao lado do meu nerd.