A História de Fátima Rosa escrita por Ayla Peres


Capítulo 4
Capítulo 4 - A Noite Negra


Notas iniciais do capítulo

Bem-vinda(o), espero que goste de conhecer esta história, que é contada a partir do ponto de vista dos dois protagonistas. Para quem conheceu antes a história original, fica a homenagem para que possamos passar mais tempo com esses personagens inesquecíveis...



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FATMAGÜL

Tentei sair escondida para me despedir de Mustafá de madrugada, mas é claro que Mukkades me viu e fui obrigada a fugir com pressa de casa debaixo de suas reclamações, ao invés de apenas sair silenciosamente como planejara. Porém, desejando muito ver Mustafa mais uma vez, eu corri pelo povoado sem me importar com mais nada, pois estava atrasada.

Quando estava próxima à praia, aparentemente deserta àquela hora da madrugada, fui surpreendida por uma voz masculina a qual se somaram outras. Rapidamente identifiquei os homens que haviam me visto retirando a ovelha do mar, sendo dois da família Yasaran, um deles o noivo da festa, e os outros dois aqueles que eu havia encontrado na escada da mansão. Eu me senti completamente apavorada ao perceber o quanto eles estavam bêbados e de ânimos alterados.Tentei voltar pela trilha, mas o homem alto que havia me abordado na festa me segurou. Eu consegui mordê-lo e ele foi obrigado a me soltar.  Infelizmente não consegui escapar dos demais, que imobilizaram a minha boca com o lenço de Mustafá que eu guardara.

Do que aconteceu logo depois, prefiro não falar agora. Mesmo hoje, quando bastante tempo já se passou, ainda é doloroso demais para mim. Tudo o que posso dizer é que naquela noite minha inocência me foi tirada do modo mais torpe e covarde possível por aqueles homens. Os piores momentos de minha vida se passaram até que o último de meus algozes, aquele a quem eu havia mordido, se debruçasse sobre mim. Depois disso, eu desmaiei.

KERIM

O cálculo das probabilidades é inútil, mas sempre o fazemos mesmo assim. Não foi diferente comigo a respeito daquela noite. Inúmeras vezes pensei nas tantas hipóteses que poderiam ter me impedido de estar presente. Se eu não andasse na companhia da “gangue”, como Gallip e Ebe Nine me recomendavam. Se eu não tivesse bebido tanto. Se eu não houvesse me drogado. Ou se eu simplesmente os houvesse impedido. Inúmeros “ses” formavam um círculo infinito e inútil em minha mente, especialmente neste último caso, mesmo que isso não pudesse alterar um milímetro sequer do que acontecera.

Minha memória sempre começa a me recriminar retornando à festa de noivado. Todos estavam animados, exceto Erdogan, que preferia reclamar do tio ao invés de relaxar e se divertir, por mais que lhe disséssemos para se esquecer de sua rivalidade ao menos naquela noite. Ele estava profundamente aborrecido porque o tio o repreendera publicamente diante da família e só comparecera à festa por muita insistência do primo, a quem estimava, apesar de tudo. E talvez por estar mal-humorado ou por estar entediado, Erdogan tirou de seu bolso alguns comprimidos de uma droga desconhecida e nos ofereceu. Ele e Vural rapidamente engoliram as suas pílulas, mas eu inicialmente não aceitei. Eu só bebia socialmente e não tinha o hábito de usar nenhuma outra substância química, mas confesso que logo depois acabei concordando em experimentar, intimamente desejando o fascínio do proibido com o qual eu me envolvia com pouca frequência.

Algum tempo depois, Meryem, que estava em uma mesa mais distante de nós, se despedia da festa.  Ela havia se encontrado pessoalmente com Resat Yasaran e aproveitara para lhe dizer algumas verdades sobre sua intenção de comprar as suas terras. Mesmo assim, ele a convidara para a festa e ela havia decidido estar presente. Fui perguntar-lhe se ela queria que eu a levasse, mas ela disse que não precisava, embora me advertindo que eu não dirigisse se houvesse bebido. Eu avisei que dormiria na casa de Vural e chegaria tarde e nós nos despedimos. Eu me senti culpado de antemão porque além de já ter bebido também havia usado uma droga de efeitos desconhecidos, fatos que ela reprovaria com todas as suas forças.

Mas me esqueci rapidamente de Meryem quando avistei a moça da escada outra vez ao retornar para a festa. Eu tentei abordá-la, no entanto ela não queria falar comigo e logo percebi a razão quando seu pretendente a chamou e ela se afastou rapidamente.  Lamentei intimamente que eu tivesse chegado tarde demais em sua vida e fui embora.

Quando a festa acabou, Selim nos convidou para estender a noite em uma espécie de despedida de solteiro.  Todos havíamos bebido muito e também tomado mais de um comprimido da droga que Erdogan trouxera. Quando chegamos a um trecho mais deserto da praia, descemos do carro e nos deitamos na areia, bebendo mais enquanto ríamos e falávamos bobagens. Depois eu me sentei e com alguma dificuldade comecei a brincar de atirar pedrinhas em garrafas vazias empilhadas próximas de nós. Selim, ainda deitado, brincava com a aliança de noivado que havia retirado de seu dedo até que Erdogan a arrancou de sua mão e jogou longe.  Foi então que nos levantamos, nos apoiamos uns nos outros em uma espécie de rodinha e começamos a dançar ao som de uma música invisível que parecia tocar em minha cabeça.

E depois disso eu a vi. Eu não conseguia enxergar com muita clareza, a mente turbada pela droga e pela bebida, mas mesmo assim a avistei com certa nitidez em um primeiro momento. Era a moça que havia retirado a ovelha do mar e que depois eu havia encontrado na festa. Mas era coincidência demais encontrá-la de novo, por isso eu a chamei não sabendo se ela era real ou uma fantasia da minha mente confusa. E por minha causa, os outros também a viram. Ela tentou fugir e começamos um pique-pega surreal. Ela passou perto de mim e eu consegui segurá-la por alguns instantes, antes que ela mordesse meu braço e eu a soltasse em um ato reflexo. Foi nesse momento que o assédio até certo ponto inconsequente que ela sofria de nós passou a se transformar em um ato macabro.

Embora eu propriamente não me lembre com muita certeza do que aconteceu depois desse momento naquele resto de madrugada, agora posso dizê-lo com certa exatidão pelo muito que aqueles acontecimentos necessitaram serem dolorosamente revividos depois. Erdogan segurou a moça e juntamente com Selim a imobilizou no chão.  Com a ajuda de Vural, eles a amordaçaram e molharam seu corpo com bebida. Depois rasgaram suas roupas e a estupraram. Cada um deles por sua vez. E depois eu fui chamado a encerrar aquela monstruosidade, que para minha vergonha eu assistira impassível, drogado demais para me comportar como um verdadeiro homem.

E se rasga minha alma cada vez que preciso fazer tal relato, pior ainda é saber que além de ter sido o primeiro a vê-la e a chamá-la naquela noite, eu nada fiz para impedir a extrema violência que aquela jovem sofreu, como se eu vivesse uma espécie de transe do qual não conseguisse despertar.  Eu, que como ela havia nascido e crescido naquela pequena cidade, que me considerava diferente de homens como Erdogan, Selim e mesmo de Vural quanto a meu comportamento em relação às mulheres, com minha omissão, compactuei com tudo que aconteceu. Não importa que naquela noite eu estivesse com a minha consciência alterada a tal ponto que nem conseguisse me lembrar direito do que aconteceu depois: nunca, enquanto eu vivesse, eu me perdoaria.

 


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Notas finais do capítulo

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Até o próximo capítulo!



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