A História de Fátima Rosa escrita por Ayla Peres


Capítulo 23
Capítulo 23 - Volta à realidade


Notas iniciais do capítulo

Bem-vinda(o), espero que goste de conhecer esta história, que é contada a partir do ponto de vista dos dois protagonistas. Para quem conheceu antes a história original, fica a homenagem para que possamos passar mais tempo com esses personagens inesquecíveis...



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KERIM

Quando a olhei no café da manhã do dia seguinte, por um momento pensei que as coisas pudessem ser diferentes entre nós, mas logo Fatmagül voltou a me olhar com a mesma expressão contrariada de sempre. Enquanto o café da manhã era preparado na cozinha por Ebbe Nine, ela tentou arrumar um pretexto para sair, dizendo que ia acordar Murat, mas Rahmi disse que não era necessário. Claro, ela não queria ficar no mesmo ambiente em que eu estava. Eu não consegui deixar de olhar para ela, imaginando se ao menos havia lido a carta. Enquanto ajudava na cozinha, ela me olhou de esguelha mais de uma vez, mas logo afastava o olhar com uma expressão aborrecida. Será que ela não havia lido? Ou não havia acreditado em absolutamente nada do que eu havia escrito?

Depois que o café da manhã ficou pronto, Mukaddes estragou tudo, como sempre, colocando duas cadeiras lado a lado e dizendo que eu e Fatmagül deveríamos nos sentar juntos, como marido e mulher. Fatmagül se afastou, muito contrafeita. Eu avisei que não tomaria café da manhã, mas aproveitei para conversar com Rahmi sobre a possibilidade de trabalharmos juntos em uma oficina, como ele uma vez havia comentado.  Era importante começarmos a trabalhar, pois nossas reservas não eram grandes e eu estava decidido não usar o dinheiro que os Yasaran haviam me dado. Não sabia bem como faríamos, pois eu era metalúrgico e Rahmi sempre havia sido um pequeno fazendeiro, mas precisávamos dar os primeiros passos.

Nesse momento, Fatmagül reapareceu e fez um sinal discreto para que conversássemos do lado de fora, sem que ninguém visse e eu a segui, muito curioso para saber o que ela diria.

“Você é um mentiroso!” Foram suas primeiras palavras para mim. “O que ganhou me fazendo de idiota?”

Não era o que eu esperava, embora eu não estivesse surpreendido com aquela reação.

“Não foi isso, eu não fui embora por que...” Eu não teria coragem de me declarar ainda, não com ela se mostrando tão zangada comigo.  “Porque... Porque...Ebbe Nine precisava de mim.”

“Mas só pensou nisso depois? Você está mentindo!”

“Não estou mentindo, Fatmagül. Minha mãe só tem a mim.”

“Não diga mais nada...Você só diz mentiras, não posso confiar em você!”

“Acredite, só quero que você fique bem. Eu escrevi isso... na carta.”
       
“Eu não li sua carta! Eu a rasguei e queimei! Não quero tocar em nada que venha de você.”  Então ela não havia mesmo lido.  Não pude evitar me sentir mais triste com isso.

“Eu não quero lhe fazer nenhum mal. Pode acreditar em mim.”

Ela parecia não me ouvir de tão furiosa.

“Você mente para mim desde que nos conhecemos! Como vou saber se a procuração que me deu para o divórcio é verdadeira?”

“Se você quiser se divorciar de mim, nem precisa dessa procuração, vamos juntos ao cartório.” Eu havia decidido não me opor mais ao divórcio, se era o que ela queria. Mesmo porque ela poderia se divorciar sem meu consentimento, apenas teria mais trabalho.

“Claro que eu quero me divorciar! Quero distância de você! Quero acordar desse pesadelo! Quero que tudo isso acabe!!!”

Esse sempre seria o problema entre nós. Eu pagaria pelo resto de minha vida pelo que ela sofrera e ainda sofria. E não poderia reclamar, pois eu merecia essa punição.

“Eu queria ir embora... Mas não consegui.  Porque eu...eu ”
       “Não me diga mais nada! Não quero ouvir mais nenhuma mentira!”

Após dizer isso ela se foi, ainda enfurecida, sem me dar a chance de dizer-lhe que eu não havia partido porque a amava, mesmo sem ter direito a isso.

FATMAGÜL

Quando entrei, Mukaddes me abordou querendo saber do que acontecera entre eu e Kerim. Tivemos uma feia discussão e eu lhe disse que ia me divorciar.  Ela me perguntou se eu ia fazer isso porque estava dormindo com outros homens. Ebbe Nine e Rahmi se interpuseram entre nós para evitar que eu avançasse contra ela, mesmo pequena como eu era.

Eu sabia que precisava trabalhar, pois enquanto não fosse independente financeiramente não sairia daquele inferno que era viver ao lado de minha cunhada. Decidi começar a estudar e aprender as artes das ervas como Ebbe Nine havia sugerido. Embora  defendesse o filho e eu devesse estar aborrecida com ela, pois de certo modo ela também havia me enganado, a minha suposta sogra era muito boa para mim e eu decidi manter meu bom relacionamento com ela, que era praticamente minha única amiga, além do meu irmão Rahmi. Dando esses primeiros passos eu esperava em breve poder não depender de ninguém mais e realmente conseguir recomeçar minha própria vida.

KERIM

Quando eu havia desistido de ir para o exterior, no fundo eu sabia que havia alimentado a esperança de que as coisas fossem melhorar, de alguma forma.  Porém, Fatmagül continuava me odiando como antes. Ou talvez mais. E agora eu recebia de Munir uma estranha má notícia: Mustafá era o novo motorista particular de Erdogan. Munir também insinuara que Erdogan estava obcecado por Fatmagül e que viria atrás dela. Eu não sabia até que ponto tudo aquilo era mesmo verdade, uma vez que Munir e Erdogan se detestavam e tentariam se prejudicar mutuamente no que fosse possível. Mais tarde, o próprio Erdogan tentou me ligar e enviou uma mensagem pedindo que nos encontrássemos.

Porém, fosse o que fosse que estivesse acontecendo com relação aos Yasaran e Mustafá, o todo era muito perturbador, principalmente pela possibilidade de afetar Fatmagül de alguma forma. Decidi redobrar a atenção e vigilância em relação a qualquer movimento suspeito em torno da casa, por via das dúvidas. Ao menos eu tinha o consolo de estar por perto para tentar protegê-la agora. Eu podia olhá-la pela janela do meu quarto nos fundos da casa enquanto ela lavava a louça do jantar ou colocava a roupa para secar, seu rosto delicado e triste concentrado naquelas atividades tão rotineiras.  Pois, apesar de suas palavras duras, apesar dela não ter sequer lido minha carta, eu não desistia de sonhar com o dia em que eu poderia ao menos dizer-lhe que a amava com minha própria voz.

FATMAGÜL

Eu disse a “ele” que havia rasgado a carta. Eu menti.  Sim, eu havia pensado em rasgar a carta sem ler. Mas não resisti à curiosidade e disse a mim mesma que a rasgaria apenas depois de saber o que continha.  Todavia, depois de saber o que ele tinha para me dizer, não fui capaz de fazê-lo.  Desculpei-me comigo mesma considerando que  deveria guardá-la inteira pois seria uma prova do que havia me acontecido, se algum dia a justiça fosse feita e eles fossem denunciados. Mas a verdade era que pela primeira vez eu realmente era capaz de ouvir o que ele queria dizer por meio daquelas palavras. 

Eu ainda o odiava.  Eu ainda não confiava nele. Eu ainda gostaria que ele fosse exemplarmente punido pelo que me fizera. Mesmo que não houvesse tocado em mim como os outros, também era culpado.  Mas, estranhamente, eu lia e relia aquelas frases, parecendo que elas poderiam ser capazes de abalar o ressentimento que eu nutria por ele, ao menos um pouquinho, pela primeira vez.  Eu procurava não pensar demais nos meus sentimentos desde aquele dia, pois era doloroso demais, mas tentava me consolar com a ideia de que as sensações que me despertavam aquela carta pudessem ser um indício de que um dia eu conseguiria superar a tragédia daquela noite.

Na manhã seguinte, acordei cedo para alimentar os pombos e “ele” tentou conversar comigo, perguntando-me quando eu começaria a estudar e me oferecendo ajuda. Ebbe Nine deveria ter contado a ele. Confesso que a despeito do que confessei a respeito da carta, aquela sua atitude me irritou profundamente. Olhar para sua expressão supostamente amistosa, enquanto ele tentava se mostrar magnânimo e generoso comigo era demais para mim. Decidi continuar a repelir expressamente qualquer tentativa de aproximação, respondendo-lhe que eu nao queria nenhum tipo de ajuda que ele pudesse me dar.  Se ele imaginava que poderia tentar ser meu amiguinho depois de estar entre os monstros que me violentaram, estava muito enganado.


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Notas finais do capítulo

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Até o próximo capítulo!



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