A História de Fátima Rosa escrita por Ayla Peres


Capítulo 19
Capítulo 19 - O passaporte


Notas iniciais do capítulo

Bem-vinda(o), espero que goste de conhecer esta história, que é contada a partir do ponto de vista dos dois protagonistas. Para quem conheceu antes a história original, fica a homenagem para que possamos passar mais tempo com esses personagens inesquecíveis...



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KERIM

Estive em uma agência de viagens procurando informações sobre a compra de uma passagem.  Eu mencionei a Austrália, o lugar para onde meu pai viajara ao abandonar minha mãe, ou a Alemanha como destinos e a funcionária me deu uma longa lista de documentos que eu precisaria para obter o visto, onde quer que eu quisesse ir.  Diante de toda aquela burocracia, minha partida de Istambul não seria tão rápida como Fatmagül desejava.

Isto porque minha decisão de partir parecia o único caminho a tomar agora, já que não houvera nenhuma mudança no tratamento de Fatmagül para comigo depois de nossa conversa forçada no barco.  Ela não parecia ter acreditado em mim.  Ou ainda que achasse que era verdade o que lhe disse, não parecia ter achado especialmente importante saber qual fora de fato minha participação naquela noite.  Mas ao menos eu havia falado com ela frente a frente, ao menos eu conseguira dar um passo na direção que me parecia certa para me aproximar dela, mesmo sem resultados.

Deitado em minha cama no quarto dos fundos, onde eu ficava para não perturbá-la com minha presença, eu costumava contemplar pensativo a correntinha de flores em crochê, imaginando se poderia haver algum futuro juntos para nós.  Mas quanto mais pensava, mais parecia ter certeza de que o melhor a fazer era ir embora assim que eu pudesse.

E assim, por uma dessas coincidências quase impossíveis de acontecer em uma cidade do tamanho de Istambul, quando fui buscar meu passaporte, encontrei Mustafá, que estava bem na fila a minha frente.  Eu fiquei muito preocupado ao encontrá-lo pelas possíveis consequências que esse encontro pudesse ter para todos, principalmente para Fatmagül, mas logo percebi que ele não me reconheceu. Claro, ele não havia me visto com clareza naquela noite da festa de noivado no jardim, enquanto eu, por ter visto sua foto recentemente, o havia reconhecido facilmente.  Aquele era o homem a quem Fatmagül amara e ainda amava, muito provavelmente, mesmo que ele não a merecesse.

FATMAGÜL

Ebbe Nine, que gradativamente se mostrava cada vez mais uma boa amiga para mim, ficou muito feliz porque começou a vender suas fórmulas em uma casa de produtos naturais do bairro e disse que também iria me ensinar.  Ela me contou que gostaria de ter sido médica, mas não conseguiu passar no concorrido vestibular para fazer o curso.  Eu lhe contei que não havia completado o ensino médio precisara ajudar muito cedo em casa, quando perdera meus pais.  Ela me disse que eu deveria continuar agora, pois ainda era bem jovem.  

Porém, se Ebbe Nine agora era uma boa amiga, Mukaddes se comportava como a mesma  megera de sempre, ou ainda pior.  Naquela tarde, enquanto estávamos fazendo um lanche em uma confeitaria, ela não parava de implicar comigo, sugerindo que eu estava com vontade de comer doces por estar grávida e mencionando quantos docinhos eu havia comido, porque naquele dia, uma raridade ultimamente, eu estava com fome. Quando Ebbe Nine lhe pediu que não brincasse comigo daquela maneira, pois obviamente eu não gostava, ela reforçou mais ainda seus comentários desagradáveis, contando-lhe que desde que me conhecera eu era uma criança triste e lhe dera trabalho, por ser muito magra e de saúde frágil, ignorando a verdade óbvia de que a forma como ela sempre me tratara, e como tratara meu irmão, fora uma das razões para eu estar sempre triste quando estava ao lado dela. 

Quando chegamos em casa, Ebbe Nine voltou a conversar comigo sobre a possibilidade de eu estudar, insistindo que eu poderia fazer um curso supletivo a distância e terminar o ensino médio em um ano.  Eu concordei com satisfação, pois sempre fora estudiosa na escola e voltar a estudar poderia me distrair um pouco dos pensamentos sombrios que pareciam encher minha mente durante a maior parte do tempo. Porém, Mukaddes, claro, protestou, reclamando que eu agora era uma mulher casada e por isso não poderia estudar e que se era para estudar ela também devia fazê-lo.  Mas Ebbe Nine frisou estar casada não era impedimento para alguém estudar e que eu poderia inclusive frequentar uma faculdade depois, desde que eu desejasse.  Quanto Mukaddes perguntou-lhe se “aquele homem” havia cursado uma universidade, Ebbe Nine disse que ele havia estudado administração, embora trabalhasse como torneiro mecânico, pois também havia feito curso técnico nessa área. Ela parecia ter sido uma boa mãe para ele.  Não merecia que ele fosse o canalha que se mostrara.

KERIM

Quando cheguei em casa, no fim da tarde, encontrei  Fatmagül no jardim e mostrei-lhe o passaporte que havia recebido, confirmando que iria embora logo que eu obtivesse o visto. Ela não disse nada, afastando-se em silêncio. Ebbe Nine perguntou-me onde eu estivera, mas para não complicar mais as coisas eu não iria dizer nada nem a ela nem ao irmão e à cunhada de Fatmagül, não enquanto eu não estivesse com o visto e a passagem em mãos. Mas Ebbe Nine, desconfiada, insistiu em saber a verdade, perguntando-me insistentemente o que eu fizera o dia inteiro, mas consegui desconversar. Seria duro ter que dizer adeus a ela, mas não havia escolha.  Depois eu poderia voltar para buscá-la para ir comigo, mas não agora. E também era melhor que ela cuidasse de Fatmagül por algum tempo, já que eu não poderia estar por perto.  Sobretudo para protegê-la daquela cunhada cruel.

Mais tarde, quando já era noite, eu entrei na casa para consertar a TV que havia parado de funcionar e estávamos todos reunidos. Eu havia acabado de conseguir sintonizar a televisão quando Ebbe Nine passando minha roupa recém-lavada encontrou a correntinha de crochê de Fatmagül que eu havia guardado comigo em meu bolso. Eu disse que havia achado no jardim e guardado, mas Mukaddes imediatamente comentou sugestivamente que eu mantivera o delicado bordado como uma lembrança e eu preferi sair, constrangido, deixando o olhar contrafeito de Fatmagül e os risinhos inconvenientes da sua cunhada para trás.

FATMAGÜL

Mukaddes passou de todos os limites! Mexeu em meu baú de casamento, pegando minhas coisas para usar na casa, sem minha autorização! E ainda reclamou que guardasse meu enxoval, dizendo que agora eu já estava casada e precisava usar aquelas coisas.  Ela dizia que eu quisesse ou não, já estava casada e era agora Famatgül Ilgaz, casada com Kerim Ilgaz! Ainda bem que Ebbe Nine a conteve, enquanto eu saí para chorar. Depois ela me devolveu o que Mukaddes havia pegado, dizendo que eu usaria quando eu quisesse e ponto final.  Eu sabia que aquele enxoval nunca mais seria usado para sua finalidade original, mas simplesmente não era capaz de me desfazer dele ainda, significava muito para mim. Era como se naquele baú pintado pelas mãos de Mustafá ainda estivessem guardadas as minhas últimas esperanças.

KERIM

Tentei conseguir o visto de trabalho para sair do país, mas não consegui, o que me obrigou a recorrer a Munir para ter alguma ajuda, por menos que eu quisesse fazer isso. Para ter um visto de trabalho eu precisava de uma carta de alguém que morasse no país onde eu fosse. E também precisava ter a passagem, mas eu não tinha certeza de para onde iria. Ele disse que me ajudaria, tentando conseguir uma carta de recomendação de uma das empresas do exterior que trabalhavam com os Yasaran e que enquanto isso eu verificasse em quais países conseguiria trabalhar com o visto que obteria.  Ele também me perguntou se Fatmagül sabia que eu partiria e se ela não causaria problemas quando eu fosse embora.  Eu disse que ela não só sabia como também desejava que eu partisse e que ela não faria nenhum tipo de confusão. Ele então levou meu passaporte e meus documentos para solicitar a carta de recomendação.

Mais cedo, quando voltei para buscar minha carteira, encontrei Fatmagül em meu quarto, e ela saiu assustada.  Não entendi o que havia acontecido, mas quando voltei para casa naquele diz ela me procurou para dizer que não estava curiosa sobre mim, mas que desejara saber se eu de fato estava me preparando para ir embora.  Eu lhe respondi que ficasse tranquila, pois estava tomando todas as providências.  E um tanto incomodado com a situação, também lhe disse que ela poderia ficar duplamente tranquila, pois Mustafá também iria embora do país.  Diante de seu olhar inquisitivo, expliquei que eu o havia encontrado na fila do passaporte e que ele também iria para o exterior.  As lágrimas em seu olhar depois de eu dizer isso foi o mais difícil de suportar...

FATMAGÜL

Saber que Mustafá foi embora me deixou muito, muito triste.  Mas não porque eu fosse sentir saudades dele propriamente.  Apesar de tudo, admito que isso pudesse ser verdade. Mas o pior era perceber que cada um seguiria sua vida, inclusive ele, enquanto eu ficava sozinha carregando a dor de uma situação na qual fora vítima.  Enquanto pensava essas coisas, deixei cair um prato no chão, quebrando-o.  Rahmi veio me consolar e eu desabafei com ele. Eu ficaria engasgada com tudo que queria dizer a ele, reclamando que ele não cuidara de mim quando eu mais precisava, que ele sequer me ouvira.   Tentei me concentrar em bordar ou em fazer alguma outra coisa naquele dia, mas só conseguia chorar. 

Para piorar, mais uma vez, Mukaddes veio reclamar comigo por eu estar sem fazer nada. Rahmi gritou com ela que não me perturbasse, o que fez com que seu comportamento piorasse, pois ela levantou mais ainda a voz, dizendo que estava cansada de tudo e de todos, inclusive de Rahmi, e chamou “aquele homem” dizendo que me levasse embora, pois eu não moraria mais com eles. Apesar de ser terrível viver com Mukaddes, era pior ainda ficar sozinha com “ele”, e eu implorei a Mukaddes que parasse com aquilo. Mas ela insistia agora em gritar que eu era mulher dele, quisesse ou não.

Foi exatamente nessa situação que a senhoria do imóvel nos encontrou.  Ela estava com um prato na mão, trazendo alguma coisa como gesto de simpatia para nos visitar, e ao invés disso deparou-se com aquela terrível discussão. Ebbe Nine me levou para dentro e Mukaddes e Rahmi receberam e despacharam rapidamente a senhora Bheran. Eu me descontrolei, toda a tensão e desespero dos últimos dias vindo á tona e chorava sem parar. Apesar de todo o carinho que Ebbe Nine demonstrava, eu só queria ficar sozinha e me tranquei no banheiro. Acho que ficaram preocupados que eu fizesse algo e começaram a bater na porta e me chamar, mas eu não queria abrir.  De repente, a porta foi arrombada por aquele homem e eu me assustei mais ainda, me encolhendo a um canto e escondendo meu rosto.  Eu não tinha mais vergonha alguma de minha dor naquele momento, pois ela era grande demais para eu conseguir escondê-la de quem quer que fosse.


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Notas finais do capítulo

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Até o próximo capítulo!



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