Caçadora da Meia-Noite escrita por Ginger Bones


Capítulo 6
Noite de Caça




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Na manhã seguinte, acordo com o nascer do sol e começo a me arrumar enquanto todos dormem, só porquê sei que terei um longo dia de trabalho pela frente.

Minhas costas doem enquanto caminho até a cozinha pelos corredores ainda silenciosos mesmo depois de ter tomado um longo banho quente na tentativa inútil de relaxar meus músculos. Eu havia caído no sono enquanto lia em frente à minha mesa e eu tinha certeza de que não era ali que minha noite havia acabado. Eu estava muito cansada, mas tinha trabalho a fazer e não podia perder tempo.

Eu nunca fora muito boa em organizar missões, meus talentos sempre foram mais ligados à estratégia de combate quando a missão já estava em curso, por isso teria que me esforçar mais do que nunca para planejar toda uma missão que de jeito nenhum poderia dar errado. Não era meu campo favorito para trabalhar, mas eu havia liberado Adam do serviço e não iria voltar atrás agora.

Em silêncio, arrombo a porta  trancada da cozinha enorme daquele casarão com uma das minhas presilhas de cabelo e começo a circular pelas prateleiras pegando apenas o suficiente para me alimentar naquela hora, eu precisava tomar cuidado para pegar pouco o suficiente para nenhum funcionário notar a falta de suprimentos quando chegassem para seu horário de serviço.
Que por sinal já devia estar próximo, calculei, a julgar pelo tempo necessário para cozinhar para todos os jovens soldados e oficiais que moram aqui durante o ano inteiro.

Não levo muito tempo para comer a variedade de comidas que peguei uma parte de cada prateleira com a intenção de desviar o foco para que não ficasse em um único lugar, mas tento fazer de tudo para limpar bem a louça que sujei e tento me desfazer de qualquer resquício de minha presença aqui. Ninguém tem permissão de entrar na cozinha antes de começar o horário de serviço dos funcionários do Instituto, e soldados como eu não podiam sequer chegar perto da dispensa, visto que esse não é um lugar para os amados Caçadores do Romckpay, e eu sabia exatamente o tipo de regras que eu estava infringindo fazendo tudo isso, mas eu era o tipo de garota que acordava com fome e não estava disposta a esperar até às 8:00 horas da manhã para ter meu café da manhã servido como todos aqui.

Não naquele dia, pelo menos. Os outros tinham tempo de sobra, eu não.

Carrego os livros pesados que Adam encontrou até uma das mesas de madeira escura do espaço aberto no centro da biblioteca. Supostamente, essas eram algumas edições que mencionavam o bar imundo que pertencia à um grupo encrenqueiro de submundanos há gerações, mas mesmo assim, não tenho qualquer garantia de que as informações nesses livros empoeirados tenham qualquer utilidade prática para mim no momento. O bar era perigoso é humano nenhum que respeitasse a própria vida se atreveria a chegar perto do lugar, quanto mais entrar e sair sem ser pego. Sinceramente, não consigo entender como Romckpay pode pensar que dois adolescentes liderando uma missão poderiam fazer o que centenas de antecessores que tentaram o mesmo não conseguiram.
Peço um caderno de anotações e algumas canetas à bibliotecária baixinha e atarracada que mantinha o lugar tão organizado e limpo e começo a ler, e mesmo sendo tão cedo, a mulher senta-se à sua cadeira e vejo que não tira os olhos de mim, provavelmente me supervisionando à espera de que eu faça alguma bobagem. Eu não me surpreenderia. Já ouvi vários relatos sobre a senhora da biblioteca e seu ódio por qualquer um com menos de 30 anos.
Faço de tudo para ignorar seu olhar me dizendo que ela desconfia da minha presença aqui a essa hora da manhã, mas dessa vez não posso contar nada sobre a missão que preciso enfrentar, então tudo que faço é abaixar a cabeça e me concentrar nas palavras em tinta preta nas páginas já amareladas de um livro antigo sobre comportamento herdado pelos submundanos. Algo nesses livros precisa me dizer como fazer o que tantos outros não puderam: entrar no Blaze Bailey e sair com vida. Com vida e sem ferimentos graves, de preferência .
Como sempre acontece quando começo a ler, o tempo passa depressa enquanto permaneço lá. Na verdade, depressa demais. Não sei se pela minha imaginação me sinto mais concentrada do que nunca em meu trabalho ou se só é fruto do meu nervosismo, mas quando noto o dia termina e a véspera da noite de lua cheia se aproxima mais cedo do que eu esperava.
A sexta-feira, porém, chega e com ela a agitação toma a mente e o corpo de cada caçador naquela casa. Os corredores se tornam barulhentos e sempre movimentados com a pressa do caçadores indo ao centro de treinamento para se preparar para a noite e o normalmente abarrotado arsenal se torna praticamente vazio. Apostas passam de mão em mão pelos jovens caçadores tentando decidir quem iria matar mais esta noite. A tradição era antiga e acontecia todos os meses, sem exceção. Caçadores, jovens ou velhos, se preparavam para a lua cheia, prontos para matar os seres do submundo no seu auge. Principalmente lobisomens.
Caçadores mais velhos, todos com idades entre 25 e 30 anos partiam no inicio da noite para só estarem de volta no outro dia, de armaduras ensanguentadas e sorrisos satisfeitos no rosto. Não só lobisomens estariam livres esta noite, já que algumas raças de demônios aproveitavam a lua cheia para recuperar o poder que ela trazia de viajar entre mundos, usando mais uma oportunidade para atravessar os portais para o nosso lado para esbanjar-se de toda a magia e vulnerabilidade humana que a lua cheia provocava. Esta seria a primeira noite da lua em seu auge, consequentemente, a mais poderosa, e os mais velhos não perderiam a chance de matar demônios aproveitadores.
Os mais comuns membros do submundo não eram mais tão interessantes para eles do que os demônios continuavam sendo. Grupos de amigos amontoavam-se pelos corredores e salão conversando e discutindo suas táticas de batalha animados durante todo o dia. Eu já não me juntava à essas caças há alguns anos, visto que tinham perdido a graça quando pensava em gastar munição por esporte, então apenas observava o casarão pipocar com três noites de movimento que só se via igual em raras festas de gala às quais eu era intimada à comparecer de tempos em tempos, e ao caminhar de volta para a biblioteca após o almoço, quase sou derrubada por um dos novos recrutas correndo em disparada até a capela. O garoto, de não mais de 13 anos, segurava firme em suas mãos um ramo de verbena para entregar aos treinadores na capela. Coço o braço próximo à manga dobrada do meu casaco preto, tentando aliviar a sensação das folhas ásperas da planta quando o ramalhete do menino roçou em meus braços em sua corrida apressada.
Diferentemente dos verdadeiros caçadores de campo, os anciões e treinadores permaneciam na capela trabalhando em venenos, água benta e poções para que os jovens os usassem esta noite. Ao contrário dos seus aprendizes, permaneciam calmos não importando sua situação. Vez ou outra, apenas esticavam as mãos e esperavam as crianças em treinamento entregarem os materiais necessários diretamente em suas mãos como macacos bem treinados. Todos aqui passaram por por essa fase algum dia, até mesmo eu, mas não nenhum de nós tem permissão de interferir na servidão dos jovens futuros Caçadores, pois isso era parte do treinamento e nada podia ser feito com o objetivo de alterar a didática do processo. Besteiras burocráticas às quais não mantinha nenhum interesse.
Não podiam ter certeza de como seriam quando fossem mais velhos. Pequenas mudanças fazem toda a diferença. E alterar a educação que o Conselho de Romckpay havia criado, seria inadmissível. Afinal, estariam criando uma nova geração de Caçadores que não podiam prever os moldes aos quais eles devem seguir. Um perigo para os que temem as mudanças.
As pessoas, mesmo as mais perigosas, temem o desconhecido.

Conforme o tempo passava, menos tempo eu teria para preparar-me para a invasão ao principal ponto de encontro de membros do submundo. Eu teria que lidar com todas as espécies em um mesmo lugar. Lobisomens, vampiros, elfos, membros do reino das fadas e até mesmo os asquerosos metamorfos, meio humanos, meio demônios tão comprometidos em mudar sua casca seguidamente, que ninguém sabe realmente como eles se parecem. Eu os detestava particularmente, detesto não saber o que estou enfrentando.
Eu teria que ter muita sorte de sair de lá viva. Mas preferia contar com um plano sólido, muito mais do que apenas esperar o destino me salvar.
Não iria poder sair esta noite, para todos que perguntassem, poderia dizer que minha missão iria me ocupar por esta noite, só que Stewart Romckpay pedirá silencio, então fui obrigada a inventar alguma mentira caso me quisessem em alguma equipe de caça essa noite.
Apesar disso, preferia ficar em meu quarto, trabalhando, ao invés de mais uma noite de caça sem motivo convincente. E iria, mas não era inteiramente verdade. Havia mais coisas a me preocupar essa noite, além de minhas responsabilidades como Caçadora prodígio desse Instituto.

Após sair do barulhento salão de jantar naquela noite, vou até o meu quarto e me sento à frente da minha mesa agora cheia de livros e anotações espalhadas. Mantenho a janela aberta esta noite, não haveria problemas em deixa-la desta forma só dessa vez. Nenhum tipo de criatura ousaria chegar muito perto de nós tão cedo, não com o lugar fervilhando com a animação dos caçadores para matar qualquer ser com sangue de demônio que se aproximasse demais do perímetro dessa construção. Por conta do frio, deixo um dos lados da janela entreaberta, e antes de fecha-la por completo, olho para a lua no céu. Enorme e brilhante por entre as casas bem cuidadas e bonitas da classe alta de Londres. Seu brilho iluminava toda a cidade e os caçadores no andar de baixo, o nosso satélite natural parecia chamar todos para descer e aproveitar a noite como os lobisomens estariam fazendo agora.
Enquanto a observava, ouço o inconfundível som do uivo de um lobo. Por conta da claridade com que o ouvi, pude ter certeza de que ele não estava muito longe.
Decido largar a janela e voltar ao trabalho. Minha noite seria tão longa quanto a dos meus amigos do andar de baixo.
*****************
Acordo ao som de violões tocando na praça lá embaixo, o som subindo direto até a janela entreaberta do meu quarto.
Alguns garotos ainda comemoravam a caçada da noite anterior com copos de bebida em suas mãos e peles ensanguentadas de lobos e inconfundíveis dentes de demônios reptiliano sendo arrastados por suas mãos livres para dentro do castelo. Eu já sabia para onde se dirigiam, aquela sala escura cheia de sinistros espólios de guerra no corredor escuro próximo ao escritório do chefe.
Como sempre, eles não perderam a oportunidade de coletarem seus prêmios para se gabarem aos seus amigos quando o amanhecer chegasse. Eu não sabia se os caçadores de demônios já tinham voltado, mas eu tinha meus próprios problemas para me preocupar hoje. Tínhamos muito trabalho para fazer e menos de uma semana para completarmos nossa missão no Blaze Bailey.
Levanto-me desajeitada e arrumo um pouco a bagunça de folhas manchadas e rasgadas espalhadas pelo chão. Tranco a janela em frente à escrivaninha e escondo os finos arranhões de algo afiado na madeira da janela com o truque de sempre. Tinta branca roubada de um armazém da cidade feita para secar rápido. As camareiras logo viriam limpar meu quarto como faziam todas as manhãs, mas certas coisas aqui, preferia manter em segredo.
Porque tínhamos muito a fazer, eu e Adam nos ocupamos em nossa missão a manhã inteira. Eu havia adiantado o trabalho no dia anterior, mas ainda tinha muita coisa que eu precisaria atualizar e revisar junto com Adam. Afinal, essa missão não seria solitária. O jeito seria nos disfarçarmos para entrar e convencer algum deles a nos levar até o objeto que Romckpay tanto queria. Depois, iríamos tentar sair ela porta dos fundos. Chamar atenção era tudo que não queríamos.
Caso nosso plano não desse certo, teríamos que lutar por nós mesmos. E, em último caso, alguns dos nossos melhores atiradores estariam esperando do lado de fora, prontos para abrir fogo ao nosso primeiro comando.
Na quinta-feira, dia mais movimentado no para entrar no Blaze Bailey, começamos a nos preparar para a missão que ocorreria naquela noite. Eu e Adam supomos que a multidão seria nossa vantagem para nos misturar, então teríamos que agir rápido quando estivéssemos em território inimigo.
Era nosso ultimo dia do mês para agirmos, então achamos melhor arriscar do que ter que esperar mais um mês para cumprirmos nosso dever.
No final da tarde, busco minhas armas no arsenal e visto meu uniforme em meu próprio quarto, como sempre fiz. Depois, caminho de volta ao cômodo que foi transformado em sala de armas e área de treinamento de combate com armas brancas, onde Adam me esperava já com o disfarce escolhido em mãos.
Desvio de alguns garotos treinando com flechas em frente à alguns alvos no no centro do cômodo espaçoso.
Adam me entrega as lentes violetas que Robert havia criado para a Caçada há alguns meses. Elas tinham o propósito de substituir óculos para os soldados que quisessem maior praticidade, mas hoje teriam outra função. Recebo também uma prótese de orelha pontuda provavelmente feita por algum artesão habilidoso, visto que me fariam parecer um elfo, e as coloco com facilidade em frente ao espelho que Adam fez o favor de estender para mim. Arrumo minha peruca de tom azul marinho com todo o cuidado para parecer real. Os elfos, na realidade, não eram seres calmos e de aparência humana comum. Eram lindos e perigosos, de olhos sobrenaturais e cabelos de todas as cores possíveis. O segredo era parecer o mais colorida possível.
—Assim está ótimo!-exclama Adam se aproximando de mim depois de largar o espelho encostado em uma das paredes.-Está pronta?
Ele me estende um punhal com cabo de marfim e entalhes em ouro puro. Ele o segurava pela lâmina de aço recém afiada, com o cabo em minha direção. Eu reconheci aquela arma. Era o meu punhal favorito. Eu não o via desde que o havia perdido durante uma luta com alguns vampiros em um clube na Piccadilly Circus. Como ele o tinha conseguido de volta, eu não fazia ideia.
Seguro-a pelo o cabo e a puxo para mim. A prendo na bainha feita especificamente para ela e deixo minha mão escorregar ao lado do meu corpo.
—Obrigada por trazê-la de volta.-agradeço ao meu amigo. No entanto, não o questiono sobre onde o achou, se ele quisesse que eu tivesse conhecimento de onde recuperou minha arma favorita, já teria me dito.
Ele se limita a sorrir, feliz por minha discrição.
Assinto em concordância para Adam. Eu estava mais que pronta para isso. Era meu trabalho, afinal.
—Vamos.


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