Caçadora da Meia-Noite escrita por Ginger Bones


Capítulo 3
Uma ajuda do Inventor


Notas iniciais do capítulo

E aí vai o capitulo da semana!



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Ao sair do Instituto Millenium, a enorme mansão que pertencia à nada mais, nada menos do que o próprio Stewart Romckpay na mesma noite da nossa conversa, joguei o capuz do sobretudo que vestia por cima da minha cabeça. Por baixo, vestia meu habitual uniforme apenas por precaução. Mesmo assim, sentia o peso do frasco de sangue em meu bolso. Nunca tive problemas em sair na rua sozinha para fazer meu trabalho, mas era noite e hoje eu era apenas uma garota como qualquer outra caminhando na rua sozinha, não uma caçadora experiente em serviço de Stewart Romckpay. O risco para mim esta noite era grande e eu não iria arriscar.
Também não podia arriscar meu futuro na Caçada por medo, no entanto. Então apenas jogo minha preocupação para um canto selado em meu cérebro, longe o bastante para não me influenciar esta noite.
Olho uma última vez para o casarão às minhas costas, as luzes ligadas no salão de festas onde todos deviam estar jantando a julgar pelas horas no relógio que conferi antes de sair de fininho pela porta dos fundos.
Com um aceno de cabeça, viro-me cortando a visão do casarão de pedra escura e tijolos propositalmente expostos e começo a caminhar em direção à rua para ir até o endereço que Robert Fletcher havia me dado por telefone esta tarde. Me mantenho silenciosa, tentando agir de uma forma normal que não usava há muitos anos. Não é sempre que os Caçadores precisam se disfarçar para andar pela própria cidade, afinal. Quem estava quebrando regras por sair no meio da noite sem avisar era eu, e eu tinha plena consciência disso. No entanto, sabia que valeria a pena quando conseguisse o que eu queria. Planejava voltar antes que qualquer um percebesse minha saída.
Caminho por entre a multidão ao chegar ao centro movimentado e sempre barulhento de Londres e virar em uma rua lateral, a casa escura de fim da rua onde Robert vivia era feia e mal cuidada, mas parecia que ele não se importava, pois estava sempre ocupado demais em suas invenções malucas para se preocupar em dar um jeito na sua casa.
Não que eu já tivesse ido lá antes, mas conhecia a cidade o bastante para me localizar usando apenas o endereço anotado em uma folha de caderno roubada da biblioteca do Instituto Millenium poucas horas antes.
Mary Shelley teria ficado orgulhosa da arquitetura da casa de Robert que tanto lembrava a de Victor Frankstein. Isso é, considerando que essa fosse a intenção. Caso contrário, aquele lugar precisava de uma pequena, ou grande, reforma o mais rápido possível.
Por sorte, lugares escuros como aqueles deixaram de ser um problema para mim quando tinha 14 anos. Usando os ossos logo abaixo da pele nas costas da minha mão, bato na porta de madeira infestada de cupins da casa de Robert. O barulho da madeira gasta reverbera na parede e vejo alguns insetos pequenos escalando a madeira em direção à outro buraco perto da parede de concreto.
Faço uma careta de desgosto. Desprezível. Como alguém consegue viver assim?
— Robert Fletcher, abra essa porta imediatamente!-grito torcendo para que ele me escute por sobre o barulho ensurdecedor do que quer que ele estivesse tentando fazer lá dentro. Ouço o som inconfundível de algo caindo no chão antes que ele fale, ou melhor, grite em resposta.
Qualquer que seja a aberração de metal que ele está usando lá dentro, faz meus ouvidos doerem com o som de atrito do metal contra metal.
— Não tenho dinheiro para você agora!-grita em resposta.- Eu não tive culpa. Porque não volta mais tarde? Talvez nunca!
Reviro os olhos impaciente.
— Ouça, Robert eu não dou a mínima para qualquer que seja a idiotice que você fez desta vez!-digo voltando a bater na porta.- Agora abra essa porta agora! Não sou nenhuma policial ou qualquer que seja a autoridade que você irritou mais uma vez.
— É a menina Caçadora que me ligou essa tarde?-ele pergunta por sobre o barulho.
Me limito a bater no vidro empoeirado ao lado da porta, retirando o broche de bronze representando a coroa de espinhos e rosas com a espada romana atravessada, símbolo da Caçada da Meia-Noite. Não o seguro por muito tempo, mas posso vê-lo de relance pelo vidro sujo sua imagem borrada quando percebe o broche em minhas mãos.
Novamente ouço barulhos da sua presença do lado de dentro  provavelmente derrubando mais coisas no chão enquanto se move de forma atrapalhada, então escuto o inconfundível som de passos pesados no chão de madeira que aumenta conforme ele se aproxima da porta.
— Me desculpe, senhorita.-ele fala enquanto eu prendo o broche caro de volta no uniforme logo abaixo da clavícula, perto do coração, sendo o broche resistente a única coisa que segura a capa do uniforme às tiras de tecido que prendem a armadura no lugar. Não me dou o trabalho de olhá-lo enquanto ele fala. Que ele veja à que lugar pertenço. É bom que saiba que eu sou da Caçada, tão raras as mulheres nessa vida de guerreira, apesar de ter uma Rainha governando sem a presença constante de um marido já fosse motivo de orgulho. Uma esperança de um futuro mais igualitário, era o que eu sempre pensava.- Não esperava que você chegasse tão cedo hoje.
— Eu marquei as 19:00h, então as 19:00h eu estaria aqui.-respondo olhando-o de verdade. Para ser sincera, eu nunca havia falado pessoalmente com ele. Não é como se ele fosse grande coisa.- Agora, saia da minha frente para que eu possa entrar.
— Sim, sinta-se a vontade.-diz dando-me espaço para passar.- Fiquei surpreso quando me ligou esta tarde. Vocês da Caçada não costumam me ligar diretamente como fez hoje.
Entro na sua casa analisando o lugar um pouco antes de me virar o suficiente para avaliá-lo também, coisa que eu sempre faço ao conhecer pessoas novas ou lugares até agora estranhos para mim. O homem não deve passar dos 40 anos, mas já posso ver alguns fios brancos em seu cabelo castanho escuro que cai por cima dos olhos quase da mesma cor dos cabelos. Robert não é muito alto, mas mesmo assim é bastante magro. As roupas parecem velhas e estão sujas de graxa ou óleo de motor. Sua testa e parte do seu cabelo tem marcas escuras no formato de dedos de tanto passar as mãos sobre o rosto tentando tirar os fios de cabelo de cima dos olhos. Talvez um corte de cabelo resolvesse o problema, mas não vou comentar nada.
Em seguida, olho com atenção para a sala bem iluminada de Robert. O chão estava repleto de sucata e resto de suas experiências que não tinham dado certo, a mesa ainda mais cheia de lixo e todo tipo de projeto em papéis ou em fase de protótipo. Alguém como ele não devia se preocupar com a organização de seu lugar de trabalho.
— Acredito que não. Mas eu precisava de seus serviços imediatos.-respondo desabotoando meu casaco. Em comparação com o clima frio do inverno londrino, a casa de Robert era quase uma fornalha.- Agora, será que dá para você desligar essa...coisa barulhenta que você está construindo aí?
— É claro.-fala prontamente e corre em direção à sua nova loucura no meio da sala desligando-a em seguida. Ele aproveita a oportunidade para limpar o rosto com um pano de aparência limpa em cima de uma das mesas na sala.- Peço desculpas, pensei que estava relativamente silenciosa, nenhum vizinho reclamou do barulho ainda. É quase um milagre!
— Bem, eu estou reclamando!-afirmo e jogo meu casaco em uma cadeira que eu considerava mais limpa.
— Mais uma vez, peço desculpas.-insiste.- Sinto muito pela desordem da minha casa, não costumo receber visitas.
— Eu vejo que não.-um homem como ele não devia se preocupar em arrumar a sua casa o suficiente para sair e conversar com alguém que não fosse ele mesmo. Ele devia se afogar tanto em suas ideias que esquecia de ter uma vida. Na verdade, ele parecia alguém muito dedicado ao trabalho e pouco a si mesmo, mais ou menos como eu também o fazia. Na verdade, ele não era assim tão diferente de mim, afinal. Ele só não saberia disso.-Agora, preciso que você faça algo para mim.
Retiro do meu bolso a pequena moedeira de veludo com o frasco com o sangue de lobisomem que havia conseguido da sala de troféus mais cedo, estendendo para que ele a pegasse.
— Isso é sangue de lobisomem.-explico quando ele finalmente tira a moedeira vinho de minhas mãos. Ele o olha com uma expressão que eu só posso descrever como uma mistura entre surpresa e apreensão.- Preciso entrar no Blaze Bailey e sair viva de lá, pensei que você pudesse criar algum tipo de recipiente, injeção ou algum tipo de spray, qualquer que seja a coisa que você tiver em mente, para que eu possa usar isso e disfarçar o cheiro de sangue humano que eles podem sentir. Algo semelhante à um amuleto ou coisa do tipo também poderia servir bem. Acha que pode inventar um pouco mais e fazer isso?
— Bem, eu até posso fazer algo do tipo, mas...Porque precisa ir ao Blaze Bailey, senhorita?-ele pergunta tentando encobrir que está chocado, mas eu não diria que ele é bom em esconder suas emoções.- Tentar ir até lá é suicido até para vocês da Caçada!
— É, eu sei. Não escolho minhas missões ainda.-respondo com uma calma que não sentia realmente. Eu odiava pessoas que duvidassem da minha capacidade.- Mas não cabe a você contestar. É meu trabalho. Quanto tempo acha que demora para fazer o que pedi?
— Bem, se for para você, serei bastante breve.-Fala agora mais neutro.- Na verdade, já tenho algo em mente, mas isso que você me trouxe é muito pouco. Não tenho muitas opções e não posso fazer mais do que um.
— Ótimo, então que assim seja.
— Senhorita, se me permite-começa mais uma pergunta.- Você talvez não poderia conseguir mais destes frascos? Assim talvez eu teria mais versatilidade para fazer algo que funcione de verdade.
— Sinto muito, Robert, é só isso que temos.-minto. Tínhamos mais frascos de sangue de criaturas do submundo, é claro e eu também sabia onde conseguir sangue de lobisomem sem tem que arrombar aquela sala mais uma vez, mas era arriscado e se descobrissem poderia levar à minha morte. Eu ainda não estava pronta para morrer.
— Entendo.-diz por fim, finalmente ele estava cedendo.
— Em quanto tempo pode fazer meu pedido?-pergunto novamente.
— Como já tenho alguma idéia do que posso fazer, consigo fazer agora para você.-diz.- Se você puder esperar algumas horas, já poderei te entregar ainda esta noite.
Pondero sua proposta, com certeza já passavam das 20h e logo as pessoas iriam terminar de jantar e sair em direção aos seus quartos. Enquanto eles estivessem todos lá minha ausência seria tolerada, talvez nem notada, mas logo iriam perceber que eu não estava sequer na mansão. Eu já estava burlando muitas regras vindo aqui esta noite sozinha, mas talvez se ele fizesse algo útil o suficiente para sequer considerar usar, minha vinda aqui talvez valha a pena. Eu já estaria encrencada mesmo. Um pouco mais não faria tanta diferença.
— Tudo bem, eu vou ficar.-digo decidida.- Espero que faça meu tempo valer a pena.
— Como quiser, senhorita.-responde com um aceno de cabeça repetitivo enquanto começa a mexer em suas infinitas anotações sobre a mesa de trabalho. Ele era mais afobado do que eu havia imaginado.


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