Annabeth

Annabeth estacionou o carro de Percy na garagem discretamente. Passava das duas da manhã, eles tinham levado alguns minutos para se livrar dos curiosos na sala de estar da casa dos Grace.

—Eu tô falando sério, entra. Você me trouxe até aqui depois de eu bancar o babaca, não vou te deixar sair andando por aí, de madrugada. E tenho certeza que nem tem pra onde ir.

Annabeth nem tinha pensado nisso, a única coisa que lhe preocupava era o irmão. Tinha ligado para todas as amigas antes de saírem e as que atenderem não estavam em casa ou não poderiam explicar para os pais o que Annabeth fazia fora de casa a essa hora.

—Tudo bem - ela revirou os olhos, saiu do carro e bateu a porta.

—Hum... Talvez eu deva mencionar que meus pais não sabem que saí e vamos ter que entrar sem fazer barulho? - ele deu um sorriso amarelo.

É claro que não podia ser tão fácil assim. Ela o seguiu pela porta dos fundos - eles deixavam uma chave debaixo de vaso de planta - e eles entraram. Não fazer barulho foi razoavelmente fácil pra ela, difícil foi garantir que Percy não quebrasse a casa toda. Aparentemente, a visão dele estava ao contrário. Chegaram ao segundo andar, Annabeth arrancou o sapato e caminhou na ponta dos pés até o quarto de Percy.

Ela ficou esperando na porta. Olhando dessa forma, ela reparou em detalhes que não tinha visto antes. Quase tudo no quarto era azul, as cortinas, o teto, as marcas mais claras de onde um dia estiveram estrelinhas fluorescentes e as gavetas. Havia uma estante com troféus de natação e alguns porta-retratos espalhados. Nas paredes ficavam fotos dele com a mãe, como uma linha do tempo. Em cima do criado mudo, canetas, blocos e cadernos de anotação e outro porta-retrato, nesse estavam Percy, Alec, um rapaz mais velho que Annabeth não conhecia e um homem sério, o único que não sorria na foto, provavelmente o pai de Percy.

Quando ela voltou a si, Percy tinha tirado lençóis, toalhas e umas roupas do armário.

—Aqui tem roupa de cama limpa, mas acho que trocaram hoje à tarde - ele deu de ombros. - Ali fica o banheiro - ele apontou uma porta branca - e aqui tem uma toalha e roupa limpas se quiser tomar banho. Não vou espiar, juro. E eu não estava brincando - ele puxou o edredom - são duas cores.

Por baixo, o edredom era branco e por cima azul. Fazia sentido, de uma maneira boba. Annabeth controlou um sorriso e assentiu.

—Tá. Então vou tomar banho primeiro pra você ficar à vontade— ele falou como se fosse um discurso decorado, escrito pela mãe. - Nem tente abrir aquela porta – ele apontou a porta branca do lado do banheiro.

Percy pegou roupas limpas e entrou no banheiro.

A garota não tinha ligado para a porta extra na primeira vez em que estivera no quarto, mas agora ela parecia chamar Annabeth. Ela precisava saber o que tinha lá dentro. Naturalmente, assim que ouviu o barulho da água correndo ela entrou no quarto, deixou os sapatos num canto e caminhou lentamente até lá.

Não havia uma fechadura pela qual olhar. Ela virou o trinco lentamente, ficou decepcionada ao constatar que estava trancada. Ela deu a volta e sentou-se numa das cadeiras. Ia acabar descobrindo, de qualquer forma, ela sempre conseguia.

Agora ela tinha coisas mais urgentes para pensar, como por exemplo o vestido incomodando, o fato de que as únicas outras roupas que ela tinha eram de Percy Jackson, os pais dele não saberem que ela estava lá, estar prestes a dormir na cama dele e a dor nos pés por ter ficado de salto por horas.

Não entendia como alguém completamente bêbado poderia demorar tanto no banho. Se não fosse pela música, um rock clássico talvez, que ele cantarolava, ela teria pensado que ele tinha desmaiado lá dentro.

Depois de cinco minutos sentada, ela desistiu de esperar sem fazer nada e começou a andar pelo quarto. Em cima da escrivaninha havia várias folhas espalhadas, ela pegou algumas e leu os títulos: “Fotografia”, “Luz e foco”, “Como conseguir o melhor ângulo” e coisas assim. A garota achou estranho que ele se interessasse logo por aquilo e se lembrou da foto que ele tirara dela na piscina. Se tivesse sido tirada por qualquer outra pessoa ela guardaria. Claro, a foto não existia mais, já que eles tinham caído na água com o celular.

Annabeth continuou procurando. Uma voz na cabeça dela dizia que mexer nas coisas de alguém assim era errado, mas a cada objeto que tirava do lugar, mais sua curiosidade aumentava.

Ela puxou uma gaveta lentamente, fazendo o mínimo barulho possível. Dentro dela havia uma espécie de arquivo, com várias pastas de cores diferentes. A mão de Annabeth pendeu sobre as pastas por alguns segundos até ela decidir que já tinha ido longe demais e fechar a gaveta.

Poucos minutos depois, Percy saiu do banheiro, vestindo apenas uma calça de pijama e com uma expressão cansada.

—Sua vez, loira - ele declarou e jogou a toalha num canto. - Vou esperar lá fora.

Ela esperou ele sair, pegou a pequena pilha de roupas e entrou no banheiro. Um cheiro de mar e cloro invadiu seus pulmões, o cheiro de Percy. Calma, por que ela sabia qual era o cheiro dele?

Ela checou se a água estava fria e deixou cair. Percy não fora o único que bebera na festa, só que ela podia distinguir um hot-dog de um telefone.

Ela tirou o vestido e jogou num canto, entrou debaixo do chuveiro e fechou os olhos. Sentia que o corpo estava tenso, tentou respirar fundo várias vezes para se acalmar mas não adiantou. Depois de alguns minutos embaixo da água ela começou a sentir o cansaço tomando conta. Fechou o chuveiro, se secou com a toalha incrivelmente macia e vestiu as roupas de Percy.

A camiseta cinza ficou larga, mas era confortável. Não que ela fosse admitir isso pra ele. Os shorts deviam ser da mãe dele porque não entrariam em Percy de jeito nenhum, não eram curtos demais mas o suficiente para deixá-la desconfortável. Ela secou o cabelo do melhor jeito que pode, fez um rabo de cavalo e prendeu com um elástico que achou na bolsa.

Pegou o celular e mandou uma mensagem com "Estou bem. Jake?" para a mãe antes de sair.

Percy estava sentado numa das cadeiras ao redor da mesinha. Ele arranjara uma bandeja com sanduíches e copos com algum líquido dentro. Ele estava segurando uma bolsa de gelo do lado do olho esquerdo.

—Não sou o melhor cozinheiro do mundo mas fiz uns sanduíches pra gente - ele disse pegando um deles.

Ela não sabia como dizer educadamente que queria só dormir, não comer.

Eles ouviram alguém girando o trinco e se viraram para a porta. O coração de Annabeth parou. Só podia ser Sally. Ou pior, o marido dela. Como ela iria explicar o que fazia no quarto com Percy a essa hora da madrugada? Ela começou a inventar uma desculpa bem esfarrapada.

—Annabeth! - exclamou Alec. Ele tinha o dom de entrar nos momentos mais inapropriados.

—Cala a boca! - Percy sussurrou.

—O que você está fazendo aqui? - Ele perguntou em tom mais baixo e a abraçou.

Ela pensou um pouco antes de responder.

—Minha mãe teve que sair e seu irmão me ofereceu o quarto dele. E sanduíches - ela apontou a mesa.

—Posso dormir com você? - ele perguntou. – Você não gosta do Percy mesmo.

—Isso, assim cumpro minha promessa por inteiro - Percy resmungou.

—Pode - ela revirou os olhos.

—Tá – Alec subiu na cama do irmão e fechou os olhos.

—Hum... okay, então - ela se sentou na frente de Percy e começou a comer um sanduíche só pela ansiedade.

—Quer que eu saia? - ele perguntou sorrindo.

—Quer que eu responda?

— Vamos lá! Eu nem sou tão ruim assim, até te fiz sanduíches!

—Você está bêbado - ela argumentou - e acho que colocou achocolatado por cima da manteiga de amendoim.

—Que seja. Vai comer mais?

Ela fez que não.

—Então vou levar isso pra lá - Ele disse olhando para o lado esquerdo dela.

—Você está falando com a Annabeth errada, Sr. Álcool, eu tô aqui.

—Tá - ele se levantou. - Boa noite. - ele se levantou e parou na porta, olhando o irmão que dormia na cama - Qualquer coisa estou no quarto do lado. Você sabe onde fica.

Ele fechou a porta e saiu. Annabeth teve a impressão de que ele não falava dela.

Ela ficou sentada mais um pouco, checando cada aplicativo do celular, como se procurasse um motivo para ficar acordada. Mas o cansaço venceu. Ela andou até a cama, deitou ao lado de Alec e se cobriu com o edredom - o lado azul.

Percy

Percy acordou com uma dor de cabeça imensa. Sentiu que ia vomitar mas no último segundo não vomitou. Tinha a sensação de que tinha feito isso antes de dormir.

Olhou ao redor e percebeu que por algum motivo, que não conseguia se lembrar, estava no quarto de Alec. Uma bandeja com alguns farelos estava em cima do criado mudo. Algumas lembranças da noite anterior surgiram todas juntas, o que só piorou a dor de cabeça.

Lembrava-se da festa, até certo ponto, depois de bater em Ethan e alguma coisa confusa sobre Annabeth ligando pra todo mundo. Ele pegou o celular e olhou a hora, eram oito da manhã. Ele nunca acordara tão cedo assim num sábado desde que parara de ver desenhos na TV. Percy andou, meio cambaleante, até o quarto e teve uma surpresa. Annabeth dormia esparramada em sua cama. Ele fez um esforço até se lembrar de fatos suficientes da noite anterior para que a cena fizesse algum sentido.

Já que estava dentro do quarto mesmo, ele caminhou devagar até o banheiro e fechou a porta. Lavou o rosto várias vezes e escovou os dentes, para ter certeza de que a mãe não sentiria o cheiro de bebida. Percy procurou no fundo do armário e achou a caixa de analgésicos, bebeu dois comprimidos de uma vez e saiu.

—Mas o que...?  - Annabeth resmungou.

Percy parou onde estava. Annabeth percebeu a presença dele e se sentou na cama, puxando o edredom.

—Oi. Eu tava pegando remédio pra dor de cabeça - ele disse.

Ele pensou que ela fosse começar a gritar ou sair correndo mas tudo que disse foi:

—Passa essa droga pra cá - e estendeu a mão.

Nenhum dos dois estava pensando com clareza, então Annabeth disse que ia trocar de roupa e pediu que ele a levasse para casa antes que alguém acordasse.

Enquanto ela se trocava no banheiro, ele pegou uma caixa de cookies que tinha roubado de Frank de uma gaveta. O cara era obcecado por aquilo, uma caixa não faria falta.

—Você nunca para de comer? - perguntou Annabeth encostada no batente da porta. - Droga, esse vestido é muito curto!

Ela puxou a barra pra baixo, o que não adiantou nada, porque a parte de cima também desceu. Não que Percy estivesse reclamando, por ele ela podia ficar assim. Talvez isso tenha ficado evidente demais, Annabeth fechou a cara e revirou os olhos.

—Dá pra me emprestar uma blusa?

Ele apontou o armário e foi procurar as chaves do carro. Estavam na escrivaninha, onde definitivamente não deveriam estar, agora a mãe saberia que ele saíra se ele não voltasse rápido o suficiente. Annabeth o chamou, tinha amarrado uma camisa xadrez azul na cintura. Percy manteve o olhar na fechadura da porta, ainda não tinha se recuperado do tapa de dias antes. Eles desceram as escadas devagar antes da loira calçar os saltos. Antes de saírem do quarto, tinham decidido sair pelos fundos para chamar menos atenção.

—Você pisou no meu pé! - Annabeth murmurou.

—Percy! E... Annabeth? - Percy viu toda a vida passando diante de seus olhos ao ouvir a voz da mãe.

Ela e Paul basicamente não tinham nenhuma regra específica além do óbvio: nada de drogas, dirigir bêbado ou montar uma banda no andar de cima. A única exceção era bem clara, nada de trazer garotas pra casa. Mesmo que nenhum deles tivesse feito nada demais, a não ser talvez, vomitar, a mãe nunca acreditaria, considerando que ele supostamente deveria ter passado a noite no quarto.

Percy e Annabeth se viraram ao mesmo tempo, o garoto tentava desesperadamente pensar numa desculpa, a mãe os olhava confusa com o celular na mão. Ele viu Annabeth abrir a boca e formar um O perfeito.

—Bom dia, Sra. J. Espero que não se importe, meu irmão se machucou e minha mãe teve que ficar com ele. O Percy se ofereceu para me buscar na casa da Thalia e eu dormi aqui - Annabeth forçou um sorriso. - Desculpe por não pedir permissão, já era bem tarde. Não é, Percy?

—Ahn... sim. Claro. Peguei meu carro, aliás - ele ergueu as chaves.

—Oh, querida, eu sei, sua mãe me disse. Não se preocupe, eles já estão vindo. Que bom que ficou aqui. Ainda vão demorar um pouco, então você tem tempo de tomar café com a gente! - Sally puxou Annabeth pela mão na direção da copa.

Percy não teve escolha a não ser segui-las. Annabeth olhou pra trás, a expressão de "socorro" no rosto. Percy deu de ombros e continuou andando. Sally se lembrou do celular na outra mão e o colocou no ouvido.

—Athena, querida, ela está aqui! Acredita que o Alec estava dizendo a verdade?! Essas crianças inventam cada coisa - ela riu.

Annabeth parecia cada vez mais tensa em cima dos saltos.

—Da próxima vez, pode me acordar, tudo bem? - continuou Sally. - Paul, olha só quem eu achei - ela disse quando chegaram à mesa.

Paul estava mostrando alguma coisa para Alec num tablet. Percy ficou surpreso. Não por Paul e Alec, mas por Tyson rindo atrás deles. Ella apareceu do nada e abraçou Percy.

—Como você está? - ela perguntou. Tinha cortado o cabelo vermelho, da última vez que ele a vira, os fios alcançavam o meio das costas, agora não passavam do queixo.

—Bem e você? - Percy olhou dela para Tyson.

—E se não é o primo do Jason Grace - Tyson deu a volta para abraçá-lo também.

Quando eles eram menores e se encontravam, Jason sempre dava um jeito de desmaiar, Tyson o chamava de Bela Adormecida e o apelido pegou.

—São oito da manhã, cara. Vocês não deveriam estar em Los Angeles?

—Está vendo como o garoto me ama, Ella? - ele deu um beijo no rosto da namorada.

—Bom dia, Annabeth - disse Paul. - Se juntaria a nós nesta incrível degustação de café da manhã? – ele brincou.

—Ah... claro - ela se sentou ao lado de Alec.

Percy se sentou do outro lado dela e colocou ovos e bacon no prato.

—Então, Percy, onde você acomodou Annabeth? - Paul perguntou como quem não queria nada.

—No meu quarto.

Ele não percebeu o que tinha dito até notar o silêncio que caiu sobre a mesa. Engoliu um pedaço de bacon rápido.

—Com o Alec. Eu dormi no quarto dele - explicou.

Ao lado Percy, Annabeth tentava se fundir com a cadeira, estava tão vermelha quanto um pimentão.

—É - disse Alec. - Por que todo mundo olhou pro Percy?

—Por nada, Alec. Como está a... Kaddy? - Ella se apressou em dizer.

—Ela era muito chata! E não estudo mais com ela - Alec deu de ombros e enfiou a comida na boca.

Kaddy era a "namoradinha" de Alec quando ele estava no jardim de infância. Era uma garotinha ruiva, por acaso, irmã mais nova de Rachel. Percy não ouvia falar dela há pelo menos um ano.

—Quantos anos você tem mesmo? - Tyson inclinou a cabeça.

—Ty! - Ella deu um tapa nele, de brincadeira.

Eles continuaram conversando, Percy terminou de comer e ficou ouvindo a conversa até sentir um chute na perna. Doeu.

—Pessoal, vou levar a Annabeth pra casa. Ela deve estar morrendo de saudades do irmão dela. Vamos Annie? - ele se levantou.

—Sim. Obrigada por tudo, pessoal. O café estava ótimo, Sra. Jackson - ela se levantou lentamente.

Percy a conduziu para a porta e assim que teve certeza de que ninguém conseguia vê-los, ela tirou os sapatos.