Fogo-fátuo escrita por Livia Y


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

“Fogo-fátuo
(substantivo masculino)
a) emanação luminosa atribuída à combustão de gases provenientes da decomposição de matérias orgânicas dos pântanos, dos sepulcros e cemitérios;
b) brilho transitório;
c) prazer ou glória de curta duração.”



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/676923/chapter/1

Não há emoção, há paz.

Para onde quer que se olhasse, havia apenas o mar. Milhas e milhas daquela mancha azul-escuro em constante movimento, que fazia a enorme montanha de pedra onde ficava o templo parecer insignificante. Mas ele podia sentir em cada um de seus músculos o quanto tal impressão era enganadora, exausto de tanto subir e descer os degraus engastados no rochedo, milenares, atemporais. Deixou que seu corpo cansado recostasse sobre a grama que cobria o topo da rocha, fazendo das mãos um travesseiro improvisado, e observou o céu escurecendo, suas primeiras estrelas despontando timidamente. A saudade que nunca o abandonava mordeu com mais violência seu coração, mas ele já não tinha mais lágrimas para chorar, depois de tantos anos.

Não há ignorância, há conhecimento.

Nenhuma visita. Nenhuma mensagem. Nem sequer um holo. Nada. Seu Mestre, que era também o irmão de sua mãe, jamais lhe dera qualquer informação sobre aqueles que Ben Solo deixara para trás em nome do treinamento. Era apenas um garotinho quando partira. Em sua despedida, o pai afagara-lhe os cabelos, prometendo que o visitaria assim que possível. Ben não respondeu, sabendo que Han Solo mentia. Prometera à mãe que seria forte, mas lembrava-se de ter chorado durante quase toda a viagem, sozinho com o tio desconhecido. O Mestre explicara que navegavam o espaço rumo a um dos mais antigos templos jedi, e que era uma honra ser treinado em lugar tão sagrado – apenas treinar no Primeiro Templo seria mais especial, mas a localização deste ainda era um mistério, Luke Skywalker lhe ensinou. No entanto, Ben mal ouvia as histórias do tio. Quando finalmente chegou à ilha, seus olhos ardiam, inchados e vermelhos. Teria desistido imediatamente se alguém lhe propusesse fugir, mas isso não aconteceu.

Não há paixão, há serenidade.

Pensou em sua mãe. No quanto sentia falta dela. Talvez ela tivesse tido outros filhos, talvez nem se lembrasse mais dele. O pai certamente não sentia nada pelo garoto solitário perdido em ponto qualquer da galáxia. Pensou em seus antigos brinquedos, nas coisas que gostava de comer, em suas velhas roupas. Na ilha de pedra, ele vestia o bege descorado dos aprendizes. Sem posses, sem riquezas, sem identidade, sem nada. Para se tornar um jedi, precisava abandonar tudo o que fazia dele Ben Solo: tudo o que possuía, tudo o que amava, até mesmo todas as coisas que odiava. Em suas fantasias infantis, não era assim que imaginava o guerreiro poderoso que um dia se tornaria. O tio cobrava dele humildade e temperança. O velho parecia não compreender a angústia que atravessava seu aprendiz. Dentro do jovem padawan, a Força ardia e se rebelava, com a urgência de uma fome que Ben não sabia como aplacar.

Não há caos, há harmonia.

De novo, a voz. Ele não a escutava desde sua primeira noite na ilha. Era um sussurro pernicioso, ao mesmo tempo familiar e terrível. Um chamado. Para as trevas, para uma escuridão até então desconhecida e aterradora. Ouvi-la era como espiar em um abismo. Por mais que se tenha receio da queda, é impossível desviar o olhar. Ben ergueu-se de uma vez, procurando a origem daquele som, sabendo de antemão que não encontraria ninguém. Vasculhou o ambiente ao seu redor. Sua túnica esvoaçava com a força do vento, seus cabelos escuros também. Lá embaixo, podia ouvir as ondas rebentando com fúria contra a falésia. Desejou ter coragem de se atirar do penhasco, acabar com tudo. E então ouviu de novo seu nome, o som límpido, uma ordem para que permanecesse vivo. Havia planos para ele. Assustado, ofegante, agarrou o sabre que trazia preso à cintura e acionou o plasma. Iluminada pela pálida luz azul, a grama lhe pareceu subitamente lúgubre, fantasmagórica, irreal.

Não há morte, há a Força.

Mas não era um sonho. Ben virou-se novamente, e não pôde esconder o espanto ao ver que agora havia alguém atrás dele. A voz se materializara em uma imponente figura de negro, seu enorme manto escuro oscilando na ventania que agora prenunciava uma tempestade. A noite também chegara sem que ele percebesse, nuvens haviam encoberto o céu. Desligou seu sabre e nada disse, dando-se conta de que nenhuma luz brilhava agora, exceto o bruxuleio nos olhos sinistros da criatura diante dele. Aqueles olhos eram um precipício e Ben notou que, ao observar o abismo, este o observava de volta. Pela primeira vez, não teve medo das sombras que ali espreitavam.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O próximo capítulo será o último, para finalizar a história. O feedback de vocês é sempre valioso. Obrigada.