Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 3
Capítulo 02


Notas iniciais do capítulo

(Aviso de violência.)
Espero que apreciem o capítulo, críticas e sugestões são sempre bem vindas. Boa leitura :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/676873/chapter/3

"A noite é mais sombria um pouco antes de amanhecer" (Batman - Cavaleiro das Trevas)

          Anastácia.

            O nome da minha princesa ecoava de uma forma macabra, sob o som de minha própria voz. Minha mente flutuava entre o sangue em meu corpo e as paredes do castelo, tentando recordar o que eu acabara de fazer. Anastácia estava estraçalhada em seu aposento e ela jamais iria acordar. 

           Minha doce Anastácia entregue-se a mim, seu príncipe soberano, seu futuro rei. Renda-se aos seus desejos mais profundos... Me deixe beber seu sangue e assim nos tornaremos um só.

            Golpeei minha testa com força na parede tentando silenciar meu outro eu, aquele que há pouco nem eu mesmo conhecia, o monstro sombrio e sedutor que havia feito aquilo com ela.  Não consegui me ferir, porem o barulho foi suficiente para chamar a atenção de uma das serviçais, que pegou uma lamparina e começou a se aproximar, um passo de cada vez. Por trás da parede grossa e do outro lado do corredor eu sentia seu cheiro, eu sentia seu medo e seu conflito, sentia o fogo da lamparina se mover e o ouvia estalar alimentado constantemente pelo querosene... Eu não deveria reparar nessas coisas nem se ela estivesse na minha frente, muito menos a esta distância, e isso me deixou um pouco atônito. Mas o que me fez ficar estático foi o  odor pungente do seu sangue.

             O cheiro do sangue dela passeando pelas suas veias embriagava meu nariz. Eu me escorei na parede escorregando para o chão, tentando aplacar meus pensamentos homicidas. Contudo cada batida de seu coração fazia ele se movimentar mais e mais rápido, vibrante, fresco, delicioso. Olhei pro cadáver a minha frente e o sangue seco e nada atrativo, ponderando seriamente em fazer uma segunda vítima. 

           O que está acontecendo comigo? 

          A serviçal bateu várias vezes e após não obter resposta girou a maçaneta, e antes dela terminar o movimento eu já estava de pé atras da porta me escondendo, nem mesmo eu conseguia acompanhar a velocidade dos meus atos. Pesei os prós e contras de deixar ela me ver e entregar-me a guarda real de uma vez e me pareceu o mais sensato a se fazer, assumir as consequências da barbárie que eu havia cometido, assim eu seria enforcado e ninguém mais se machucaria. Era mais seguro para todos visto que definitivamente minha sanidade foi abalada depois de ter ido ao campo de batalha, e alguma coisa fundamental havia mudado em mim. Mas enquanto eu pensava no que fazer a seguir, meu eu sombrio improvisava uma emboscada. Ele -eu- não tinha intenção nenhuma de se esconder ou mesmo se entregar. E ele era forte demais, eu mal conseguia raciocinar. Minha garganta começou a arder e minha boca a salivar ao ver que ela estava agora há poucos centímetros de mim. Fechei os olhos num ultimo esforço de sanidade torcendo pra que ela corresse rápido.

 - Princesa Anastácia, perdoe-me a intromissão a essa hora mas....

         Ela gritou horrorizada largando a lamparina e correndo imediatamente.  

         Eu grunhi de frustração e suspirei aliviado, totalmente em conflito. 

         A queda da lamparina causou um princípio de incêndio no comodo. As pequenas labaredas cresceram e logo o lugar ficou repleto de fumaça. Os pertences pessoais da princesa começaram a derreter, e eu desejei ser queimado também, talvez assim essa insanidade acabasse. Mas quando o fogo chegou perto de Anastácia eu me vi juntando as sobras de seu corpo e carregando-a até a escada. Gentilmente depositei meu brinquedo quebrado ao pé do andar inferior. Ela merecia ao menos um enterro digno, com o corpo mais do que em cinzas. Ela sequer merecia morrer, principalmente por minhas mãos. Com a garganta fechada mas sem conseguir derramar uma lágrima, fechei seus olhos esbugalhados me despedindo não só dela, mas do futuro que eu não mais teria.

 -  Descanse em paz, Doce Ania. 

         Refiz meu caminho até o quarto em chamas. Pisei no chão de fogo e urrei com a dor nos meus pés, entretanto consegui passar entre as labaredas e chegar a sacada, escalando o telhado para o lado direito sem dificuldade, até chegar numa parte mais próxima dos grandes muros do castelo. Procurei a escada que eu sabia que havia ali e ameacei descer. Contudo o cavalo que tinha me trazido não me esperava mais lá em baixo onde eu o havia deixado. Sem saber o que fazer analisei a distancia entre o muro e o telhado, calculando uns trinta metros ou mais, fora a altura. Ninguém poderia pular e sobreviver, muito menos alcançar o outro lado. Porém seguindo um instinto novo e completamente desconhecido, tomei impulso e pulei agarrando a parede do muro com precisão de uma fera selvagem. Sentei no muro observando a movimentação do castelo e absorvendo o que eu acabara de fazer. 

       Isso é impossível, é um sonho. Nada disso é real. Não pode ser real.   

       Os guardas começaram a se agitar ao som de trombetas. Metade da tropa foi em direção ao fogo e a outra começou a receber instruções do oficial que tentava explicar o acontecido. Apesar da altura e da distancia iminente eu os enxergava perfeitamente bem e os ouvia, mesmo não sendo humanamente impossível. Vi quando o Rei se juntou a sua tropa ainda com os trajes de dormir, mas com sua espada empunhada. Eu o conhecia desde pequeno, ele sempre fora gentil e amoroso por trás de suas feições duras, assim como meu pai sempre evitou confrontos desnecessários. Eu senti o ódio no sangue dele, mas também sua tristeza. Ele estava desolado.

— Eu quero quem fez isso morto! Ninguém dorme hoje até achar o responsável pela morte da minha filha! - Bradou com fúria. - Quem fez isso não pode estar muito longe. Vão logo, eu quero cada pedaço desse reino vasculhado. É uma ordem. 

        Os guardas do turno da noite prestaram uma reverencia antes de montarem em seus cavalos e sair pelo portão principal. A Rainha foi de encontro ao Rei soluçando e o abraçou.

— Que monstro faria isso com nossa menina, Julius? Ela está totalmente despedaçada.

— Eu sei querida, não quero que fique olhando pra ela nesse estado.

— Não pode ter sido nada humano... - Ela sussurrou assustada - E se foi realmente um monstro? Tenho ouvido histórias sobre aberrações que saem a noite de seus esconderijos; vampiros, bruxos, lobisomens.

        Eu esperei que ele zombasse dela mas ele permaneceu em silêncio. Aquilo não passava de histórias contadas por soldados nas fogueiras e bordéis, e pessoas bêbadas demais pra discernir entre a realidade e a fantasia, as melhores histórias tomavam as aldeias sendo transmitidas de geração por geração. Minha mãe mesmo sempre as contava quando eu era uma criança agitada; Monstros com aparência humana e habilidades especiais, na maioria das histórias eles poderiam fazer quase tudo que quisessem, poderiam escalar uma parede sem dificuldade, enxergar a noite, ouvir seu medo há longas distâncias e se alimentar de você, eram praticamente invencíveis. Se eu não me comportasse minha mãe me assustava alegando que eles viriam beber meu sangue com suas presas presas afiadas em meu pescoço....

         ... Exatamente como eu havia feito com Anastácia.

        Passei a língua por toda parte superior em busca dos meus caninos.

         Não pode ser. 

        Num rompante de adrenalina e coragem abri os braços e saltei do muro em direção ao precipício que cercava o castelo e levava a aldeia. Dez metros, vinte metros, trinta metros... Quarenta metros, pousei com os joelhos dobrados com perfeição, nenhum osso quebrado. Corri pela mata fechada que beirava a estrada, ultrapassando a tropa com seus cavalos e suas tochas. Tudo se tornou um borrão e num piscar de olhos eu estava na entrada da aldeia, sem qualquer sinal de cansaço. Pelo contrário eu me sentia muito bem, renovado.

          Isso é real. Eu sou mesmo um vampiro.

         Caminhei na estradinha de terra em meio ao comercio fechado, sentido a brisa do vento acariciar meu rosto. Os habitantes estavam em maioria em suas casas, ninguém ficava na rua a esta hora, exceto os degenerados, prostitutas e mendigos e os únicos lugares que ainda estavam abertos eram os bares e bordéis. Percebi que eu nunca havia ficado na rua esta hora e olhei curioso para uma casal que se agarrava num beco, praticamente num sexo explícito. 

        O homem estava escorado numa parede de madeira, e beijava o pescoço da mulher que gemia com sofreguidão. A noite os protegia em seu momento íntimo, mas não de mim, eu os enxergava claramente com minha visão vampírica. E o cheiro de sangue que chegou até mim me deixou excitado. Aspirei o aroma com avidez, sentindo a loucura me consumir novamente. O homem abriu os olhos e me fitou aborrecido, sua íris num vermelho escarlate intimidador. Ele limpou a boca sangrenta com o braço, mostrando suas presas para mim e rosnando. Não era um beijo afinal, mas a mulher parecia satisfeita também.

— Vai procurar a sua, não quero dividir.

         Eu ergui os braços meio atordoado pela cena. Limpei minha garganta tentando lembrar de como falar.

— De fato, não quero causar nenhum transtorno. O cavalheiro poderia me informar onde eu encontro uma estalagem aberta? Sou um forasteiro, vim de uma terra longínqua, preciso descansar.

        Algo que eu disse chamou sua atenção pois ele me olhou mais atentamente e arregalou os olhos, afastando a moça sob protesto da mesma. Ela seguiu seu olhar e ao me ver saiu correndo para a escuridão. Ele riu.

— Não podes andar pelas ruas banhado de sangue, você é imbecil? Some da minha visão bastardo de bordel, estou farto de problemas. Agora se me permite forasteiro de terras longínquas, tenho que ir atrás do meu lanche.

       Senti os olhares curiosos e uma onda de medo em minha direção, alguns mendigos e prostitutas me observavam. Eu havia esquecido de todo o sangue seco que estava em mim, estava tão empolgado com a vida noturna que sequer lembrava mais de Anastacia. Praguejando fui pro fundo de uma casa onde estava escuro e logo voltei a ficar despercebido. Com as trevas da noite em meu auxilio subi no telhado e pulei de casa em casa, procurando um lugar para ficar.  Até avistar uma estalagem com um estábulo. Corri e bati na porta insistentemente. Um homem abriu uma especie de janelinha e me encarou com olhos zangados.

— Estamos fechados, volte amanhã.

       Ele ameaçou fechar a janela mas eu o impedi com a mão.

— Preciso muito de um quarto e um cavalo. - Ele me encarou de cima a baixo notando o sangue nos meus trajes. - Necessito de um banho também, vim da guerra estou exausto. - Menti - Eu pago o triplo do que costuma cobrar.

— Pagamento adiantado.

       Ele estendeu as mãos pelo buraco. Verifiquei meus bolsos em busca de moedas de prata mas não encontrei nenhuma. Ele bufou.

— Sem moedas nada feito.

— Não! Espera!

       Com muita tristeza tirei meu bracelete de ouro do braço e entreguei a ele. Minha mãe ia ficar desolada mas eu não tinha opção.

— É da realeza, cravejada de Rubis e Diamantes, moldada pelo artesão mais famoso das Terras Baixas com o Brasão do reino de Windheart. O Príncipe Richard Phiaven  Wyndon, filho do Rei Donan Dangenibard Wyndon do reino de Windheart me deu pessoalmente. Foi um presente de sua mãe, Rainha Kenvia Phiaven Wyndon em seu aniversario de 12 anos, pode verificar em algum pergaminho do reino de Windheart se tiver. Vale mais que a sua estalagem inteira e será seu se me deixar ficar esta noite.

— O príncipe está morto. - Anunciou grosso enquanto analisava o bracelete com admiração.

— Ele me deu em seu último sopro de vida. 

— Por que ele te daria isso? - Falou desconfiado, abrindo a porta. - Não tem importância, pode entrar. Ladrão ou não se tem como pagar pode ficar aqui.

— Obrigado. - Falei, trancando a porta atrás de mim. 

       A estalagem era simples, feita de madeira velha, pude senti o cheiro de mofo e da podridão conforme andava. Carrancudo, o homem me levou até o segundo andar e encheu uma banheira com água fria, me entregando uma toalha, um esfregão para as costas e algumas roupas velhas e rasgadas. Eu tomei meu banho, esfregando todo o sangue e vesti os trapos. Fiquei tão feliz que o cheiro de Ania tinha sumido que nem me importei com as roupas. Peguei minhas próprias vestes e armadura e as lavei, botando pra secar na janela. Lavei minhas botas de ferro e couro também, notando o fundo derretido de quando pisei no fogo mais cedo. Agora era tudo que eu tinha.

— Que bom que acabou, quero te mostrar os cavalos. 

        O dono da estalagem abriu uma porta lateral e fomos pros estábulos. Assim que chegamos notei o cavalo branco no canto. Ele se destacava dos outros, não pela cor, mas por estar bem cuidado. Era o meu cavalo desde criança, aquele que eu havia levado para a guerra.

— Andarilho.. - Meu cavalo recuou com medo de mim. - Quero ele.

— Esse cavalo é especial, é um cavalo totalmente adestrado, pronto pra equitação. Foi criado pessoalmente por mim desde filhote, nunca negociei ele antes. - Fiquei com raiva da sua mentira mas continuei ouvindo. - Ele vai custar esse anel que você carrega no dedo.

        Eu olhei pro grande anel de ouro maciço e rubis no meu dedo indicador da mão esquerda. O anel é mais que valioso, é uma representação do meu compromisso e aliança com o povo de meu reino. Eu não poderia dá-lo por um cavalo, mesmo sendo o que eu criei com tanto carinho. Mesmo se eu deixar de ser o Príncipe, talvez eu até já tenha deixado de ser, a essa altura eu já não sabia mais o que era. Mas o que ele pediu é absurdo. Neguei com a cabeça.

— O combinado não foi este, eu já lhe paguei mais do que devia.

— Você pagou por uma noite e um cavalo, não por esse cavalo especifico. Se não entregar o anel não tem acordo.

        Bufei de ódio, ele estava conseguindo me irritar. Fitei sua garganta me controlando para não rasgá-la. Foi quando ouvi uma movimentação nas ruas e um burburinho de vozes. Fui até a entrada principal e abri a porta. O dono da estalagem me seguiu confuso.

       A Tropa Real chegou fazendo muito barulho e troteando forte com seus cavalos. Logo a população de bem foi acordando e abrindo as janelas, enquanto a escória da humanidade se escondia em seus buracos. Eles entraram nas casas sem pedir autorização e começaram a cercar as saídas. Bati a porta e retirei meu anel.

— Entrego-te o meu anel, se prometer manter segredo sobre minha presença.

— Você é fugitivo da Guarda Real? - Perguntou espantado. Balançando a cabeça, mas pegando o anel.-  Não me envolvo com a guarda do rei, mas você tem meu silêncio.

        Ele abriu um compartimento secreto na recepção que levava ao subsolo. Assim que fechou a tampa atrás de mim um soldado arrombou a porta, pude ver por uma fresta entre as tábuas. Junto dele mais dois soldados entraram, seus olhares e queixos altivos, começaram a vasculhar.

— Ia lhe tomar muito tempo bater? -  O dono da estalagem fez uma careta - Quem vai pagar pela minha porta agora? Espero que o rei assuma o prejuízo.

         O soldado sacou sua espada e o pegou pelo pescoço, empurrando até a parede.

— Quer que eu te acuse pelo assassinato da princesa Anastácia? - Meu anfitrião negou com a cabeça. - Ótimo, então melhor não impedir as buscas, ou acobertar o culpado, se não sofrerá severas consequências. 

— A princesa morreu?

        Meu anfitrião empalideceu. Ele lançou uma olhada rápida em minha direção e começou a suar e tremer. Ele apontou para o esconderijo e os três caras me prenderam sob a mira de suas afiadas espadas.

— Traidor - Resmunguei.

— Desculpe-me, não posso te acobertar por algo assim.

        O  soldado me analisou com nojo, até que sua expressão se tornou vívida. Ele gesticulou desesperado para que os outros dois baixassem as armas, enquanto se ajoelhava perante mim, com a mão fechada sob o coração. 

— Minhas saudações Príncipe Richard, do reino de Windheart. Estou surpreso e feliz por estar vivo e saudável. Sou o imediato responsável pelas buscas. 

       Os outros dois soldados imitaram seu gesto imediatamente. O dono da estalagem também ajoelhou e me fez uma referencia, embora não conseguisse disfarçar sua confusão e dúvida. O primeiro soldado se levantou, nitidamente constrangido. Senti ele ficar nervoso e relutante.

— Peço perdão adiantado Majestade por ter que te informar notícia tão triste de forma abrupta, mas receio que vossa noiva, Princesa Anastacia, faleceu essa noite por causas misteriosas. Estamos procurando os envolvidos

        Tentei fingir espanto, falhando miseravelmente. Isso não passou despercebido por eles, nem pelo dono da estalagem que estudava meu rosto atentamente, tenso.

—  O Príncipe chegou aqui tem mais ou menos meia hora, repleto de sangue dos pés a cabeça. Não era sangue dele, devo acrescentar. - Retirou meu bracelete e anéis do bolso. - Me entregou isso em troca de uma noite de estadia, um cavalo e, quando vocês chegaram, que eu lhe escondesse.

        Senti os guardas ficarem tensos. O guarda principal pigarreou. Minhas presas saltaram em antecipação cortando meus lábios. Eu os mantive fechados sentido o gosto do meu próprio sangue, esperando que houvesse outra solução. 

— Creio que terá de nos acompanhar, Majestade. Só para descartar todas as hipóteses, espero que você compreenda.

       Parte de mim queria ir com eles e acabar logo com isso, mas a minha parte mais sombria,a parte que me dominava não. Expus minhas presas com um sorriso em antecipação pelo sangue que eu beberia, e me embriaguei com o cheiro dos quatro homens. Minha voz soou como um grunhido quando disse:

— Compreendo.

        Numa velocidade sobre-humana cravei meus dentes no pescoço dono do meu anfitrião, na veia mais pulsante. Seu sangue espirrou na parede e nos homens que se mantiveram estáticos assistindo. Segurando seus ombros, rasguei seu pescoço com alegria, conforme desejei fazer mais cedo. Peguei seu braço e mordi, vendo urrar de dor e implorar para que o soltasse. Seu sangue grosso temperado pelo medo desceu pela minha garganta, como o melhor vinho de todos. Grunhi de excitação perdi o resto da minha sanidade, bebendo até a ultima gota. Arremessei o corpo seco na parede, abrindo um buraco tamanha força. Limpei minhas mãos nos trapos velhos que eu vestia.

— Que lástima, me sujei de novo. Mas valeu a pena.

       Um dos homens tentou correr, mas eu o agarrei pelo ombro com uma mão e tomei sua espada. Ele gritou, ao ter seu ombro deslocado. Cravei os dentes no seu pescoço sentindo uma sangue com uma nuance diferente, além de medo, este carregava covardia e indiferença. Não me espantei dele ter tentado escapar deixando seus companheiros para trás. Ele não parou de gritar e se debater.

— Solte-o aberração.

       O guarda que antes me tratava com todo respeito ergueu a espada e avançou contra mim. Sem deixar de morder o soldado, revidei  seus golpes com a destreza que me foi ensinada desde que criança. Aspirei o cheiro de coragem do seu sangue, ansiando pelo momento em que ia provar e continuei defendendo com a guarda alta. Em cima, em baixo, cima, baixo, no meio. O cara que eu segurava ficou seco e morreu, gemi frustado e o larguei no chão. Ainda tinha sede.

       O terceiro guarda se juntou a luta gritando, seu sangue cheirava a adrenalina. Ele cortou meu braço me fazendo derrubar a espada e comemorou vitorioso. O guarda principal aproveitou que baixei a guarda para cravar sua espada na minha barriga. Gemi de dor. Os dois se entreolharam.

— Se entregue pacificamente aberra........... Príncipe Richard. Vamos levá-lo ao nosso Rei.

       Ele puxou a espada de volta e eu senti não dor, mas uma sensação incomoda no local. Os dois olhavam abismados enquanto minha pele voltava pro lugar. Meu braço já estava totalmente curado, conferi. O sangue dos dois mudou de coragem e adrenalina, para medo e medo, em deixando um pouco desapontado. Os dois correram em sincronia para porta. Mas eu já está lá, sorri para eles.

— Entreguem-se pacificamente.

        Segurei os dois pelo braço, e os levei para longe da porta, decidindo qual eu morderia primeiro. Pisei na perna direito do Imediato até ouvir o estalo, ele gritou desesperado, logo foi a vez da esquerda. Com as duas pernas quebradas larguei ele no chão e suguei seu subordinado com raiva por não ter mais o gosto da adrenalina que eu tanto queria provar. Fiz uma careta quando senti que o soldado urinou nas calças. 

— Nojento medroso. - Sussurrei próximo ao ouvido - Devia ter quebrado o seu pau.

— Me solta pelo amor de deus - Soluçou - Faço tudo o que você quiser.

— Eu já tenho o que eu quero. - Rasguei seu pescoço, sentindo sua vida se esvair.

        Passei os olhos pela sala a procura do Intendente, segui com facilidade o som de sua respiração até encontrá-lo rastejando próximo aos estábulos, tentando subir na cela de um dos cavalos. Os animais pulavam agitados, relinchando com medo da minha presença. O Intendente olhou pra mim com lágrimas nos olhos numa suplica silenciosa. Eu já havia bebido o sangue de três me sentia satisfeito, poderoso e arrependido. Baixei os olhos pensando se deveria beber dele ou não. Constatei minhas presas se retesarem voltando ao normal. 

— Seus olhos voltaram a ser verdes. Existe uma chance de....

—  Não posso te deixar sair vivo daqui Intendente. - Cortei-o, imaginando como meus olhos estariam antes. Suspirei. - Não posso barganhar com você, não consigo assumir minha culpa pela morte de Anastacia, não posso me entregar... Parece que chegamos a um beco sem saída.

         Corri até a recepção e quando retornei o Intendente estava sendo pisoteado pelos cavalos desesperados por liberdade. Sua boca se encheu de sangue e seu coração parou de bater. Ia por um fim no seu corpo quando senti uma dor insuportável me atingir. Gritei e me debati sem entender, até que vi os primeiros raios de sol queimando minha pele. Praguejei correndo para a estalagem, suspirando aliviado ao me esconder nas sombras.

— Maldição.

       Tomei outro banho na banheira, e vesti minhas roupas já limpas e secas. Deitei no colchão de feno no quarto do meu anfitrião, e tentei dormir sem sucesso. Assim que o sol se pôs desci as escadas e tateei o corpo do meu anfitrião, em busca do meu anel e meu bracelete. Me apressei a voltar pro estábulo. Pulei o corpo destroçado do Intendente e com cautela me aproximei do meu cavalo. Ele pulou descontrolado. Ergui uma de minhas mãos em direção a sua crina brilhante.

— Andarilho, shhh, Andarilho. Sou eu. - Toquei a crina e ele ficou estático, repleto de medo. Comecei a acarícia-lo. - Andarilho, confia em mim.  Nós crescemos juntos, eu te criei lembra? Ainda sou eu, sou seu parceiro. - Ele relinchou - Por favor Andarilho, só possuo a noite para viajar. 

         Andarilho se acalmou, aparentemente me reconhecendo. Montei sua cela lentamente e fiz sinal pra ele andar, tomando a estrada e deixando um rastro de corpos para trás.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.