Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 2
Capítulo 01


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo ♥ hoje trago a vocês esta história que mora na minha cabeça a muitos anos, e finalmente estou trazendo pro "papel".. Eu espero muito que vocês amem o Richard tanto quanto eu amo...



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" O corajoso pode não viver para sempre, mas o cauteloso nunca vive plenamente." (Meg Cabot)

Aproximadamente três mil anos atrás...

          Toda história tem um começo. A minha história, começa pelo fim. No último dia da vida que eu conhecia, e o primeiro dia de uma vida que eu não desejava.

          Numa terra repleta de castelos e nobres mercadores, era perverso saber que a guerra que se abatia entre os reinos persistia em devastar justamente os vilarejos mais humildes, ceifando a vida de trabalhadores e soldados inocentes. Deixando suas esposas a mercê da própria sorte, as viúvas acabavam se tornando prostitutas a fim de levar o pão para seus filhos. As casas pobres, feitas de palha com uma espécie de barro queimavam rapidamente, transformando em cinzas os únicos recursos de um povo que vivia de troca de bens. Mais argilosa e incurável que a peste negra era a ambição do homem em ter sempre mais poder e controle, perdendo coisas valiosas no processo; Tempo, juventude e vida.

           Eu era parte de toda essa destruição, não tinha nenhuma escolha; era matar pelo meu reino ou morrer em defesa dele. E quando o confronto finalmente chegou para mim, resolvi acatar meu destino.

           Talvez ainda não estivesse preparado, mas a guerra não esperava e meu pai, o Rei daquelas terras tão disputadas, cujo nome era WindHeart, estava muito doente. Ele era orgulhoso demais para me pedir, e eu sabia que ele não poderia esperar mais 7 meses pelo meu aniversário de 18 anos, como mandava a tradição, então me ofereci para ir em seu lugar. Não me arrependo. Pois foi nesse simples gesto sua vida foi salva.

           Olhei uma última vez pra mulher da qual a beleza era invejada por todos os reinos e, embora ela se mantivesse firme, pude notar o seu semblante de preocupação e seus olhos verdes claros marejados, assim como os meus idênticos aos dela. Mas nada pude dizer a minha amada mãe, peguei o cavalo com o qual eu brincava quando criança e parti trotando pelos portões do castelo, seguido pelo comboio de homens loucos por carnificina.

          Passamos sorrateiramente dentro de uma densa floresta e com pouco mais que um dia de viagem chegamos ao nosso destino, um pasto amplo e aberto em um local neutro a beira dos limites de nosso território. Fitei o céu nublado e meu estomago se contorceu de ansiedade ao avistar a tropa inimiga do outro lado do campo. Estreitei os olhos quando notei que o Rei que havia proposto tudo isso não estava do outro lado, tampouco um substituto ou general. Suas tropas não possuíam um líder. Pareciam marionetes em um jogo muito maior do que era orquestrado ali, descartáveis.

          Um exército sem liderança, é como uma orquestra sem maestro.

           Ignorei o vazio do outro lado do campo e disse as melhores palavras de motivação que pude pensar ao meu próprio exército, e aos gritos de adrenalina e som de estrondosos relâmpagos as duas tropas se encontraram. Nem a chuva que passou a cair forte abalou os ânimos, ambas as tropas lutavam com furor enquanto o clima, tanto no campo quanto acima dele, se tornava cada vez mais sombrio. Nunca havia visto um confronto tão de perto, então perdi bastante tempo na retaguarda, observando, premeditando meus passos.

           Desci do cavalo e o amarrei a uma árvore, não queria que nada acontecesse com o Andarilho, meu cavalo de estimação. Saquei minha espada e caminhando sobre a lama escolhi um alvo próximo, executando um golpe preciso e misericordioso em seu peito. Assisti a vida dele se esvair enquanto escolhia minha segunda vítima dentre os dois mil homens inimigos. Eu nunca havia matado ninguém antes também, contudo aquela não era hora de sentir remorso.

           Avancei pelas costas de um homem que ameaçava matar um dos meus e a lâmina afiada tratou de lhe decepar a cabeça. Arfei ao ver o sangue jorrando feito uma queda d'agua invertida. O corpo ficou imóvel por uns instantes e caiu ao chão.

— Obrigado, Vossa Alteza. - Disse com o semblante carregado de preocupação. - Tenho duas filhas pequenas.

          Os soldados do lado oposto também.

           Tentei não me abater pelos pensamentos piedosos que me acometiam e por um tempo me saí bem, finalizando cada sequência de golpes e me defendendo com certa habilidade e rapidez. Ouso dizer que por um breve momento, me deleitei em ver meus inimigos caindo na lama e sangrando por minhas mãos. No entanto depois que concluí que eram apenas homens seguindo ordens e que o verdadeiro mentor não estava realmente na linha de frente não vi mais sentido em continuar com aquilo. Corri os olhos em busca de um líder, qualquer pessoa com quem eu pudesse discutir um acordo.

          Meu exército dominava bem o campo de batalha, avançando de forma bem sucedida. Estava contente com minha primeira vitória, e se o outro lado se rendesse eu iria aceitar de bom grado. Não tinha a intenção de desperdiçar mais vidas que o necessário. Meu pai sempre fora um Rei misericordioso e meu objetivo sempre fora seguir o bom legado que ele construíra. Avistei um homem vestido diferente dos demais e me esquivei dos outros, tentando alcançá-lo.

          Ouço uma voz grave e extremamente familiar chamar meu nome e isso me faz parar no meio do caminho. Percorro os olhos por ambos os lados, procurando, mas não vejo nenhum sinal de quem possa ser.

— Já deve estar morto pelo chão.

          O som agudo de um relâmpago ecoa pelos céus acima do barulho do caos que perpétua pela terra. Ele impede que eu escute a tempo os sorrateiros passos atrás de mim. Sinto uma leve brisa quente em minha nuca e me viro e dou de cara com um homem misterioso.

          Trajado com vestes e capa preta, e com um capuz cobrindo parcialmente seu rosto, o homem se destacava dos demais que lutavam ali. Nem aliado, nem inimigo. Estreitei os olhos preocupado, pensando ser um mensageiro, e estremeci de angústia, imaginando as piores notícias sobre o estado de saúde do meu pai.

          Outro relâmpago pintou os céus, iluminando seu sorriso macabro e, antes que eu pudesse recuar, senti uma pontada aguda do lado esquerdo do peito me impedindo de respirar.

— Não leve para o pessoal Richard.

          Novamente a voz conhecida. Esbugalhei os olhos desnorteado pela dor agoniante e contemplei a pequena adaga prateada que ele discretamente havia cravado em mim. O homem misterioso baixou a guarda, e a necessidade de ver seu rosto se tornou mais urgente do que de retirar o objeto. Repleto de raiva, ignorei as pontadas que me acometiam e ergui o braço. Seu capuz deslizou para baixo, revelando o rosto de meu algoz.

— Você! – Tossi o sangue que brotava de minha garganta.

          Imensurável foi minha surpresa ao constatar que o homem desonrado e misterioso era ninguém menos que o conselheiro mais próximo de meu pai, o servo de sua maior confiança.

          O maldito traidor sorriu e se virou calmamente pra ir embora sem dar nenhum tipo de explicação ou proferir qualquer outra palavra, indiferente ao que acabara de fazer. Senti uma onda de eletricidade correr por cada membro de meu corpo, ele praticamente me assistira nascer. Minha garganta se afogava em sangue enquanto eu tentava gritar e fazê-lo voltar. No entanto tudo que saia dos meus lábios mais e mais do liquido carmesim.

          Amparado por um ódio repentino, eu ergui minha espada e corri até ele, tentando golpeá-lo pelas costas. A lamina lhe acariciou levemente o braço, abrindo um pequeno corte, que em nada lhe abateria. Ele segurou o ferimento, proferindo um palavrão, e seguiu seu caminho, desviando de alguns soldados e sumindo tão rápido quanto chegou.

          Não, não, não!!! Volte aqui miserável... Não posso acabar assim, não posso.

          Limpei minha garganta sentindo o horrível gosto metálico do sangue escorrendo por meus lábios e a profunda revolta por perder dessa maneira. Minha visão aos poucos foi se esvaindo e já não era mais possível ficar de pé. Toquei a adaga em meu peito, tentando retirá-la e vivenciando uma dor imensurável, acabei desabando de joelhos chão lamacento, fazendo com que ela se cravasse ainda mais em mim. Vi as silhuetas dos soldados correndo em minha direção e pude ouvir alguns gritos ao fundo. E um amigo de infância me sacudiu,

          O ventou acariciou as folhas, derrubando-as lentamente ao chão. Tentei me manter focado, contudo suas vozes foram ficando cada vez mais distantes, dando lugar ao silencio e vazio absoluto do que eu supunha se a tão sonhada paz eterna. Fechei os olhos, sentindo-os arderem, e me rendi a escuridão perpétua, entregando minha breve e insignificante vida.

          Me perdoe Pai, falhei em defender nosso povo...

          Acordei com a forte e insistente chuva que teimava em me deixar consciente, persistindo em manter meu corpo moribundo vivo. Estreitei os olhos me acostumando com a claridade, e o simples ato de ainda respirar me doía profundamente.

          Não havia mais ninguém além de mim, somente os corpos ensanguentados dos indigentes, restos de um confronto desnecessário e desleal. Virei pro lado tossindo todo sangue que estava me engasgando e, apoiando uma das mãos tremulas na grama molhada, tentei em vão me levantar. Repeti o processo e a dor me atingiu de novo me fazendo cair.

          Na terceira vez senti uma forte vertigem por conta da hemorragia. Controlei minha respiração, pensando no eu fazer. E repleto de receio segurei o mais firme possível a empunhadura da adaga e, comprimindo um grito de agonia a puxei, tentando retirá-la. Precisava para estancar o ferimento antes que todo sangue se esvaísse de meu corpo. Persisti algumas vezes, urrando de agonia. Meus olhos reviraram em minhas órbitas e meu coração bateu descompassado, implorando para que eu desistisse.

          Estou perdido, tudo isso é inútil.

          Estirei meu braço na grama molhada, perdendo as esperanças. Mesmo se eu retirasse o objeto de minha carne, estava fraco demais para rastejar a algum lugar. Minha única saída era se alguém aparecesse naquele fim de mundo e me notasse em meio aos mortos.

          Foi quando ele apareceu pela primeira vez; sequer ouvi seus passos. Um homem loiro de feição mais pálida que o normal, com um cabelo ondulado comprido e uma barba por fazer devidamente aparada. Suas vestes eram pretas num tecido e corte elegante, e ele caminhava elegantemente em meio aos cadáveres. Um nobre, presumi...

           Soltei uma lufada de ar quando ele se aproximou e vi seus olhos acima de mim, a me contemplar.

           Suas íris... eram pintadas em um vermelho fechado e vívido. Ele estreitou os olhos e me analisou dos pés à cabeça de forma tão maliciosa, que fez com que um estranho arrepio me percorresse a espinha. Aqueles olhos cor de sangue pareciam ver dentro de mim, tamanha intensidade do seu olhar. Esqueci momentaneamente a dor que me abatia e ri, soando mais como um gemido esganiçado.

          Um delírio de minha mente cansada e confusa, ninguém jamais possuiria olhos desta cor.

          O homem me encarou de forma desinteressada e indiferente, um meio sorriso brincando em seus lábios. Talvez se eu tivesse sorte ele acabaria com minha dor. Tentei suplicar que me matasse, entretanto minha voz ficou aprisionada em minha garganta.

— Finalmente Alteza, esperei tanto por nosso primeiro contato... Você lutou tão bem, pena que baixou a guarda no final... - Fiquei feliz por ele ter me reconhecido, mas logo minha felicidade se dissipou.

          Ele sorriu revelando presas grandes e aterrorizantes em sua boca. Seu rosto se contraiu feito uma aberração aterrorizante, e ele as exibiu para mim, os olhos brilhando. O estranho homem ergueu a mão e, ao invés de puxar a adaga do meu corpo como eu pensei que faria, pegou meu braço sem qualquer cuidado, me arrastando pelo chão pegajoso. Minhas costas ardiam em contato com o solo. Ele caminhou alguns metros lentamente, prolongando minha agonia, até chegar próximo de um córrego.

— Confiar no caráter de seres tão primitivos quanto os humanos é como depositar suas esperanças na inteligência de um cachorro. - O homem botou a mão em meu ferimento e lambeu. Franzi o cenho horrorizado. - Mas tenho que dizer, admiro sua força de vontade. Estou observando, esperando que fique à beira da morte há mais de um dia inteiro e nada.

          Esperando que eu morra?

          Arregalei os olhos e me debati, tentando me libertar. O gesto pareceu mais um aceno com as mãos, estava fraco demais para qualquer coisa. Minha respiração cresceu lado a lado com o medo. Ofegava ruidosamente enquanto ele parecia não se abater.

— Quase nem tem sangue nenhum em seu corpo, mas sua perseverança o mantém vivo. Chega a ser romântico, não acha? – Neguei com a cabeça. – A luta pela vida, sua sede vingança. Sinto o cheiro de seu ódio em minhas entranhas. Não foi muito justo o que aconteceu aqui hoje.

          Revirei os olhos, pensando no conselheiro de meu pai. Nunca sentira tanto ódio em toda minha vida. Sua imagem vitoriosa em minha cabeça ardia-me a alma.

— Pensando nisso, resolvi lhe agraciar com uma segunda chance, uma chance de se vingar, não é maravilhoso? – Ele acariciou meu rosto, descendo a mão até a altura da minha jugular. Seus olhos repleto de luxuria fixos ali. Então acrescentou num tom de voz rouco e gélido, decidido. - Farei de você meu primeiro servo imortal.

          Antes que eu pudesse processar o que ele dissera, suas presas rasgaram meu pescoço e aos poucos, o ultimo sopro de vida se esvaia de mim. Me sentia tão debilitado, cansado e tonto que não conseguia sequer virar a cabeça, acompanhei tudo com a única parte de mim que ainda possuía o mínimo de movimento, meus olhos.

          Ele sugou meu sangue com uma determinação horrenda e pensei, pelo que se pareceu uma eternidade, que só me largaria depois de morto. Reprimi meus gritos mordendo os lábios, não pretendia dar essa satisfação a esse sádico e me concentrei na chuva gélida que caía em nós. Pequenas manchas pretas foram se formando em meu campo de visão e eu lutava para ficar acordado. A vontade de dormir se sobrepôs a dor de minha pele dilacerada e soltei um longo suspiro, desejando que me matasse de uma vez por todas.

          O bizarro homem pareceu enfim satisfeito, lambendo os lábios e sorrindo em aprovação. Achei que o show de horrores havia terminado e ele me surpreendeu; mordendo o próprio pulso, abriu um buraco e o estendeu para mim, forçando a beber de seu próprio sangue.

          Me senti enjoado com o gosto de morte e de metal que tinha, a coisa mais horrível e nojenta que havia provado, mas nada podia fazer, estava completamente a mercê de suas vontades para meu total desgosto. Engoli o liquido grosso e pegajoso, enquanto ele ria descontroladamente.

— Garanto que você ainda vai gostar do sabor.

          Depois que terminei, jogou-me ao chão como se eu nada fosse e foi sentar debaixo de uma arvore próxima. Ficou ali me observando, os olhos em chamas de ansiedade, esperando algo.

— És completamente insano... - Sussurrei numa altura inaudível.

— Sou um louco, de fato. - Respondeu à uma certa distância, tamborilando a coxa com os dedos. Fitei seu rosto pasmo por ele ter escutado. - E estou ficando um louco impaciente com a demora dessa transformação. Estou à ponto de cortar sua cabeça.

— Transformação? – Consegui dizer em um tom esganiçado e fraco.

          Seus olhos brilharam, repentinamente. Franzi o cenho e Arfei ao passo que meu coração foi falhando. Ele chegou para frente e observou minha agonia, entusiasmado. Alguma coisa parecia me dilacerar de dentro para fora e me contorci, soltando um gemido alto. Mordi os lábios tentando me conter, mas acabei gemendo de novo. Um veneno desconhecido percorria minhas veias como um tsunami, destruindo tudo, me causando uma terrível e indescritível angústia. Segurei a grama e a arranquei do solo, sentindo as lágrimas rolarem sobre minha face. E gritei surpreso. Nem me lembrava a última vez em que havia chorado.

          Aos poucos uma dor lancinante me consumiu, queimando, paralisando, me impedindo mais uma vez de respirar. Me debati involuntariamente, estremecendo e convulsionando, implorando mentalmente que me matasse. Ouvi sua risada maléfica ao fundo, contudo minha visão se tornara um borrão turvo. Senti minha pele se rasgando e se reformulando, cada pequeno osso do meu corpo se partindo e se refazendo, para então partir de novo, cada nova dor se prolongando o máximo que podia. Ouvia os estalos junto de meus gritos.

           A essa altura eu gritava a plenos pulmões, todo meu orgulho se esvaiu ao me encontrar desesperado. Solucei, implorando mentalmente aos antigos reis que me levassem.

           E quando a dor avassaladora finalmente parou, e tornei a perder os sentidos achei que tivessem atendido ao meu pedido.

           Mas eu estava terrivelmente enganado.

           Era noite quando recobrei a consciência. Não havia sinal do homem misterioso, nem da adaga de prata antes cravada em meu peito, tampouco da chuva. Tomei um longo folego e reunindo de toda minha coragem, me levantei com muita facilidade. Estreitei os olhos com estranheza e esperei a dor, a tontura, a ânsia. Contudo eu me sentia perfeitamente bem.

          Em meu peito havia um corte no tecido, entretanto nada de ferimento. Me lavei confuso no córrego e me convenci de que tudo não havia passado de um sonho, ansiando sair dali o mais rápido possível. Seria insanidade pensar que tudo era verdade. Corri os olhos pela beira da floresta, procurando uma saída daquela enorme clareira.

          Achei um cavalo marrom amarrado e pastando próximo aos corpos. Ele relinchou de forma selvagem quando tentei pegar suas rédeas e ficou dando coices no ar. Abdicando de sua boa vontade, tomei um impulso e pulei sobre ele, montando-o. Ele protestou e se encolheu, mas depois de um tempo pareceu acostumar com o estranho. Cavalguei até uma bifurcação e avistei a famosa ponte que ligam os dois reinos; Lumoran e WindHeart. E encarei ambos os lados sem saber para onde ir. Um aperto ecoou em meu peito até o alto da garganta e um aflito par de olhos azuis surgiu em minha mente.

          Anastácia.

          Automaticamente me vi guiando meu cavalo para o pequeno Reino de Lumoran. Terra do Rei vizinho e pai de minha noiva, Lumoran ficava a beira de um penhasco e foi ao alto desse penhasco onde Rei Julius decidiu construir sua fortaleza. Subi trotando pelo caminho sinuoso e larguei o cavalo aos pés do portão principal, me esgueirando pelos altos muros que circundavam a construção, procurando a parte danificada por onde eu costumava entrar sempre que desejava ver Anastácia fora do horário apropriado.

           Friccionei os pés pela rachadura e escalei os muros com uma certa facilidade. No topo, percorri sua extensão até achar as escadas que os soldados usavam para vigia. A noite escondia minha silhueta de seus olhos observadores. Assim que pus meus pés no chão corri até o meu destino e escalei uma nova parede na ala leste do castelo que levava ao quarto da princesa.

— Annia! – Sussurrei, fitando o interior do cômodo.

           Apesar da iluminação pobre podia enxergar perfeitamente seu interior e me surpreendi quando avistei-a de pé na penumbra, avistando a janela com um semblante triste, perdido. Chamei-a novamente e ela piscou, balançando a cabeça com furor.

          Contudo assim que ela me notou parado na sacada seu semblante se transformou e mandou que eu entrasse, ligeiramente confusa.

— Richard? Não pode ser...

          Fitei seu lindo cabelo preto longo em contraste com seus olhos azuis claros, sentindo uma pontada de nostalgia. Desci o olhar até seu corpo branco e esguio envolto numa camisola amarela larga e comportada, escondendo suas curvas bem definidas. E então voltei a fitar sua face, absorvendo cada detalhe. Sua boca rosada e carnuda estava aberta de espanto, decorando o fino e delicado rosto. E seu tão familiar aroma estava impregnado pelo quarto como eu nunca havia sentido antes: forte, exótico, e doce. Me seduzindo, deixando-me excitado e faminto. Eu a queria, como queria.

          E sem pensar duas vezes num ato de pura ousadia encostei-a contra a parede, segurando seus pulsos e colei seus lábios no meus. Beijei Anastácia com desespero, explorando cada pedaço de sua boca com volúpia e após de um tempo de indecisão ela soltou um gemido e correspondeu com a mesma intensidade. Nos beijamos várias vezes, até que ela me afastou, ofegante. Encarei os olhos de minha noiva esperando que tomasse folego. Não estava nem de longe satisfeito, e isso era totalmente novo para mim.

— Richard!! Pelos reis!! Estão todos comentando que você morreu. Os soldados disseram que você tossia sangue pela boca... Seu pai foi procurar seu corpo e você não estava lá. - Ela me examinou de forma minuciosa, preocupada. - O que aconteceu? Aonde você estava? Seus pais ficaram preocupados, eu fiquei preocupada.... Você sumiu por uma semana... Uma semana, Richard!!! Por que não foi pra casa?!!! Responde, como sua noiva eu exijo uma satisfação!

          Quanto mais ela perguntava mais confuso me sentia e menos eu conseguia lembrar. Arregalei os olhos ao assimilar o que ela disse e o ar me escapou dos pulmões.

          Uma semana!

          Flashes de um homem encapuzado acometeram em minha mente. Lembranças dele com uma adaga, seu olhar sombrio e seus olhos vermelhos... olhos vermelhos e presas. Dor e escuridão. Ele cravou a adaga em meu peito, e suas dentes afiados em meu pescoço. Esfreguei as têmporas, tentando organizar meus pensamentos. Anastácia me fitava com ansiedade.

— Eu não sei dizer, minha princesa.... Aconteceram umas coisas..... hummm... estranhas. Receio não saber dizer se foi imaginação da minha cabeça, ou se foi real... – Pensei nas palavras tentando escolher uma ordem que parecesse coerente. - Eu fui traído, Annia, foi horrível... O conselheiro do meu pai me apunhalou no peito! Sim, apunhalou... Eu acho, já não tenho tanta certeza..... Depois... Depois, aqueles olhos vermelhos...

          Me encolhi com medo de algo que eu sequer me recordava. Ela bufou nada convencida.

          E antes que exigisse algo mais de mim, me vi beijando-a com a mesma intensidade de antes; A linda mulher a qual me fora prometida. A princesa com a qual fui criado, a qual daqui cinco meses eu me casaria, selando de vez a união entre os dois reinos.

— Fiquei tão assustada quando não voltou. - Confessou, depois me afastou um pouco, afim de encarar meus olhos. - Estou com a alma repleta de felicidade por estar vivo, contudo espero que entenda que não é certo o jeito que está me beijando, nem conveniente você estar aqui. Melhor você voltar amanhã. - E acrescentou num sussurro, envolvendo seus braços em volta de mim e recostando a cabeça em meu ombro. – Eu te amo, Richard...

          Eu não fui capaz de dizer que a amava também, apenas a encarei absorvendo o incrível contato de nossos corpos. Senti uma sensação mais urgente crescer dentro de mim, corroendo minha mente, atrapalhando minha consciência. Eu a queria de um jeito anormal, isso era inegável. Acariciei seu rosto me contorcendo em desejo.

— Annia, me deixe ficar com você essa noite. – Sussurrei próximo ao seu pescoço, olhando seu sangue se agitar em suas veias. - Senti tanta saudade.

— Não é apropriado... – Respondeu hesitante, me apertando em seu abraço e acariciando a lateral de minha boca, visivelmente tentada. – Melhor esperamos mais cinco meses.

          Meu corpo estremeceu com a desconhecida urgência e senti a frustração perdurar em minha garganta. Beije-lhe o pescoço contendo um suspiro, inquieto com nossa proximidade.

— Essas formalidades não são nada Annia, nos conhecemos desde criança. Já dei minha palavra ao seu pai de que vamos nos casar, e nós vamos, eu prometo. - Me ouvi apelar como um espectador de meu próprio corpo. Não era bem isso que eu queria dizer. Queria respeitar o tempo dela e esperar nosso casamento, como sempre fizera. Mas ela estava tão atraente, com um cheiro que estava me deixando tonto, e tudo que eu conseguia fazer era olhar pra sua boca e pescoço. Me senti o pior dos homens, mas me ouvi persuadi-la ainda mais - Eu quase morri naquele campo de batalha e não consigo parar de pensar em você. Prove que me ama e durma comigo Anastácia. Você não confia em mim?

— Claro que confio!! Sempre...

          Annia enrubesceu e com um singelo aceno de cabeça assentiu ao meu desejo, concordando em dormir comigo e quase rosnei de tanta expectativa.

          Sem qualquer noção do que estava fazendo envolvi suas pernas na minha cintura e tornei a encosta-la na parede com mais força, subindo meus lábios, pairando em suas maçãs do rosto numa espécie de carícia e beijando o lóbulo do seu ouvido com verdadeira entrega, ofegando por nosso contato mais íntimo. Anastácia retribuiu com o mesmo ardor, percorrendo as mãos por minhas costas e arranhando levemente. Seu gesto e sua entrega me deixaram plenamente perturbado, ansiando por mais.

          Troquei os beijos por leves mordidas. Trilhando o caminho de volta aos seu pescoço, beijei próximo uma veia, onde o cheiro era mais pungente e ouvi seu gemido abafado por meu ombro. Seus dedos prenderam meu cabelo com força, puxando-o com voracidade me arrancando rosnado gutural.

          Lutei brevemente contra o desejo de continuar, mas me vi perdido. Sentindo a maciez de sua pele nos meus lábios, o cheiro torturante e delicioso que estava me levando a loucura; aspirei aquele sublime aroma o máximo que pude. Não pude deixar de mordiscar sua pele e ela apertou mais as pernas em volta de mim, num consentimento sem palavras. Levei minha mão invasivamente por dentro da camisola, acariciando sua coxa, traçando desenhos aleatórios. Anastácia se remexeu angustiada e a pressão do meu corpo contra o dela, para que ela sentisse o quanto eu estava excitado.

          Ela ergueu meu rosto com as duas mãos e me beijou, seu rosto carregado por uma emoção ao qual eu não consegui identificar, pois nunca sentira nada assim. Um sentimento tão forte que transbordava e me atingia, fazendo minha garganta. Seu cheiro mudou para uma nuance doce e suave.

          Amor, presumi. Anastácia me ama mesmo.

— Ah, Richard... - Ela gemeu com os lábios colados nos meus.

          Não podendo me conter mais por um segundo sequer, levei meus lábios até seus seios mordiscando por cima da roupa. Ela gemeu de satisfação com meu gesto, me encorajando a prosseguir. Eu alternei entre eles dando leves mordidas, sentindo minhas costas sendo arranhadas com força e ouvindo Anastácia arfar.

          Então a levei pra cama com urgência mordiscando toda a frente do seu pescoço, descendo entre os seios e ela começou a gemer mais alto, sussurrando no meu ouvido palavras sem sentido, me implorando pra que eu terminasse o que eu tinha começado. Me deitei ao seu lado e retirei a camisola lentamente, baixando meus olhos por todo seu corpo, acariciando todas suas curvas, vendo uma mulher nua pela primeira vez. Ela corou ao me ver observando-a tão atentamente e senti seu sangue se agitar em excitação, correr depressa por suas veias. Mais do que senti, por um momento enxerguei perfeitamente.

           Me sentei sobressaltado pela visão perturbadora. Diversos pares de olhos vermelhos surgiram na escuridão de minha mente confusa e num último instante de consciência eu quis ir embora, sair de perto dela o mais rápido possível. Ciente do perigo que ela corria.

           No entanto Anastácia se sentou atrás de mim e começou a me despir com as mãos tremulas de excitação e eu voltei pra perdição dos seus braços, embriagado pelo aroma que não me deixava raciocinar. Rasguei aquela maldita peça de roupa que ela vestia e pairei sobre ela, vendo meu desejo refletido em olhos.

          E antes que me desse conta, afundei dentro dela bem lentamente, sentindo ela se contorcer de baixo de mim. Conforme eu fui mais fundo, seu cheiro irresistível se tornou insuportável. Ambos gememos... Não, ela gemeu. Eu grunhi ferozmente, mordendo seu pescoço de forma fervorosa, sentindo um liquido delicioso preencher minha boca.

          Ainda era noite quando acordei. Eu não lembrava de parte do que tinha acontecido, mas estava feliz por ter tido minha primeira noite amor, mesmo que inesperada. Envolvi minha noiva em meus braços, me sentindo pleno e satisfeito. Acariciei seu rosto, beijando-lhe a face de forma carinhosa e a chamei, queria conversar sobre o que havia acontecido antes de ter de ir embora.

          Queria perguntar se eu a havia machucado, se estava bem, mas ela não acordava. Tentei de novo sacudindo-a de forma mais urgente e nada.

          Me levantei e acendi uma vela para ver melhor, então arfei, sentindo o chão girar sob meus pés. Não só ela estava machucada, como estava morta. Corri os olhos pelo quarto horrorizado, do sangue já seco traçando um tipo de pintura abstrata sinistra pelas paredes até seu corpo cheio de mordidas e hematomas.

          Com a carne e os ossos quase todos expostos, Anastácia havia virado monte de nada, praticamente irreconhecível. Fiquei encarando-a por uma eternidade, tremendo. Alguma uma fera feroz havia entrado aqui enquanto dormíamos e feito isso com ela. Chequei meu corpo em busca de algum ferimento severo, me recusando a enxergar a verdade que estava estampada de forma horrenda por toda parte.

          Me virei em direção da porta com intenção de chamar os guardas. Eles prenderiam a mim mesmo no calabouço até que o verdadeiro assassino fosse encontrado e então eu provaria minha inocência, e o mataria.

          Foi quando dei de cara com o espelho próximo a porta e me espantei ao ver meus olhos; agora num vermelho escarlate brilhante, as presas afiadas saindo de minha boca, iguais a do estranho homem do sonho.

          E então finalmente me dei conta do obvio: Eu matei minha noiva. Eu sou um monstro; a guerra, a minha morte, o homem com olhos vermelhos... fora tudo real.

          Olhando pela janela o meu Criador gargalhava de um jeito que eu nunca esqueci.

 


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Notas finais do capítulo

E então o que acharam? espero que tenham gostado... Críticas e sugestões são sempre bem vindas :) beijão e até o próximo capítulo

ATT: Olá Vampiros e vampiras! Finalmente revisei o primeiro capitulo, de novo. Quem leu anteriormente vai notar a imensa diferença graças ao aumento - muito necessário diga-se de passagem - de duas mil palavras. Eu não queria que ficasse longo, mas as vezes um capítulo curto simplesmente não satisfaz a necessidade da história. Espero que entendam e não se aborreçam XD



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