Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 15
Bônus - O Criador (Final)


Notas iniciais do capítulo

O Último da maratona de hoje, aproveitem ♥



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"O que é o homem? Uma pequena miserável pilha de segredos."

(Drácula, Castlevania: Symphony of Night)

Parte 04 - final

         O pesar em meu peito aumentava proporcionalmente a cada vez que ela me expulsava. Sorri para Astryd e o sangue guardado em minha boca transbordou de meu lábio inferior.

— Acha mesmo que um convite irá me deter?

         No mesmo instante em que segurei seu braço, ouvimos passos pelos corredores. Ambos viramos a cabeça para a bifurcação, a tempo de ver quatro vigias, - dois com o uniforme vinho de WindHeart e dois com o uniforme âmbar do reino de Aullor. – surgirem no arco dourado e encararem o corredor interditado com olhos perplexos. Astryd soltou do meu aperto e correu em direção ao grupo de soldados, especialmente reforçado para a grande noite.

        Tentei acompanhar sua agilidade, mas as proibições exageradas surtiram efeito, e eu a dificuldade em me locomover triplicou de proporção, fazendo mais com que eu caminhasse rápido e cambaleante na velocidade de um mortal.

— Majestade?!

— Ele é um Vampiro! Decapitem a cabeça dele. Ateiem fogo! – Os homens se entreolharam com estranhamento perante a ordem, então me encararam, como se analisassem a informação. A guarda real era tão patética que ainda não possuía conhecimento sobre a fraqueza de nossa espécie. Porém Astryd sabia de tudo, contara a ela pessoalmente em uma outra época. – Eu sei o que estou falando, não há tempo para explicações. – Vendo que os homens encaravam sua boca suja de sangue, ela a limpou e aumentou seu tom de voz: - Andem!

        Os homens levaram ainda um segundo para assimilar sua ordem, antes de se movimentarem desordenadamente em minha direção. Saquei minha espada da bainha, entusiasmado pelo aroma de medo e determinação que pairava no ar.

       Melhor que sexo, somente uma boa luta.

       Quem sabe os dois.

       Me concentrei nos pensamentos de meus adversários, enquanto eles se aproximavam:

       "Ele é mesmo um dos sanguessugas!? Como passou pela revista?" "Ser membro da guarda se tornou muito perigoso ultimamente." "Se eu fugir e a rainha sobreviver, terei minha cabeça cortada! Eu não sei o que fazer! Não tenho opção..."

      "Ela disse fogo... Se eu pegar aquilo.."

        Escondendo sua insegurança o primeiro soldado, um homem franzino e jovem, - trajado com a armadura tradicional da guarda de WindHeart - retirou um dos candelabros dispostos na parede, utilizados para ampliar a baixa iluminação local, e tentou me acertar com o objeto.

         Precavido por seu pensamento prévio, eu consegui me inclinar para a direita do fogo que poderia – Ou não – me ferir. A essa altura, eu não tinha qualquer noção de minha vulnerabilidade, tampouco da instabilidade de meus outros poderes.

         As chamas tremularam para o lado oposto e o soldado abriu a guarda, permitindo que eu o prendesse pelo pulso. Com a espada empunhada em minha mão direita defendi um golpe do segundo rapaz que tentara me acertar de forma desajeitada e desonesta nas costas.

         Imediatamente o terceiro homem, mais velho e sagaz, ergueu sua lâmina, mirando com ódio meu pescoço. Com ambas as mãos ocupas demais para que eu me defendesse, puxei o braço que eu segurava na direção de seu ataque, flexionando o joelho para frente e inclinando a cabeça para trás.

         Fitei o lustre de ouro empoeirado, as mesclas de luz e sombras que emolduravam o teto branco e inexpressivo, enquanto o ar cortava acima de meu pescoço e o soldado decepava o braço esquerdo de seu colega, rente ao ombro.

          A iluminação baixa combinou perfeitamente com o grito de horror que emergiu de sua garanta e o tilintar de ferro no chão quando o homem responsável pelo golpe, caiu de joelhos, arrependido de seu feito. Lágrimas brotaram em sua face na mesma velocidade que o sangue do membro amputado pingou em minhas roupas, pleiteando seu aroma no tecido negro e aumentando minha antecipação por beber.

         Eu preciso morder alguém!

         Larguei o braço solto no chão, socando o terceiro soldado, que ainda segurava a espada com as mãos trêmulas, no centro de seu estômago. Ele se curvou angustiado, e observando Astryd pela minha visão periférica, agarrei o quarto e último soldado pelo pescoço, sentindo o corte de sua espada afiada em meu braço, que como quem soubesse do seu destino, tentava desesperadamente se libertar.

          A causadora de seu tormento encolheu os ombros, plenamente ciente de meu próximo passo e virei totalmente em sua direção, afim de lhe proporcionar exatamente a visão do que eu queria fazer com ela e não podia. E em meio ao som de lágrimas e gritos, e meu próprio rosnado angustiado, finalmente cravei minhas presas no pescoço do pobre homem.

         Sangue fresco e fluido desceu pelo minha garganta. Um sangue com uma nuance de medo, mas ainda sim aproveitável, do qual eu fiz questão de beber até a última ínfima gota, frente a minha telespectadora particular.

         Os efeitos foram quase imediatos e ao me mover ante o que chorava caído ao chão, meus passos foram mais firmes, menos afetados pelos efeitos da proibição.

         O homem sequer lutou, ainda olhando para seu amigo e o sangue que brotava sem parar do vão que antes era seu braço, pediu perdão e abaixou a cabeça. Perfurei seu coração com minha espada, num ato quase misericordioso. Então repeti o processo com seu amigo. Deixar testemunhas de que eu morava no castelo, testemunhas que contariam ao rei e, principalmente a Richard, era algo fora de cogitação.

         O soldado que tentara me acertar as costas, resolveu abandonar a rainha e gritando por socorro, correu na direção de onde viera. Com minha velocidade parcialmente restaurada, em meio sopro de vida eu estava ao seu lado, lhe lançando contra a parede.

— Desertando soldado? E sua Rainha?

        Ele fitou a mulher de pernas trêmulas e respiração descompassada que me assistia paralisada e com uma expressão mórbida em seu rosto.

— Perdão, Majestade. Não posso contra um Vampiro, mas devo aceitar meu destino de forma honrada.

        Ele se pôs de joelhos, baixando a cabeça e encarando o chão, esperando submisso sua morte.

        Astryd o encarou. Seus olhos esmeraldas marejados, percorreram os rostos dos outros soldados mortos, e um leve cheiro azedo brotou de si; a rainha Kenvia estava arrependida. Restava saber se seu arrependimento era por envolver os homens em seu embate comigo, ou pelas atrocidades das quais injustamente me acusara.

         Arrependa-se astryd, e talvez eu possa lhe perdoar...

         Meus olhos faiscaram pela expectativa de recomeçar onde estávamos; ela em minha cama e minha boca em seu pescoço.

         Era tudo que eu queria, uma noite tranquila regada a muito sexo e sangue entregue de bom grado. Matar não se encaixava em meus planos, principalmente seres tão fracos e inferiores como os que estavam pelo corredor.

— Me perdoem. – Ela se dirigiu aos soldados mortos e ao único rapaz vivo num tom fraco, quebrando minhas expectativas quanto a uma possível reaproximação. – Eu jamais deveria envolvê-los em meu problema com esse.. monstro.

— Vamos Astryd, consegue me ofender muito mais que isso. – Com a ira percorrendo meu corpo decapitei o pobre homem e a encarei, deixando escapar o que estava entalado em minha garganta. – Eu sou um estuprador, deturpador de alma, ser desprezível..

          Rompi o espaço entre ela e a segurei pelo pescoço, erguendo-a. A luz da lua refletiu em meio as lágrimas por sua face, e Astryd aguardei que a falta de ar queimasse seus pulmões. Ela lutava para se libertar das minhas mãos, arranhando meu punho, mas logo começou a tossir e a revirar as íris, até que a coloração de sua pele finalmente ficou arroxeada. Ela abandonou os aperto de meu braço, sua possível última vida escorrendo dentre meus dedos.

        Última vida...

        Frouxei o aperto de seu pescoço, deixando que ela escorregasse junto dos mortos. Tudo que eu fizesse a ela não teria importância se eu não pudesse vê-la novamente e confrontá-la. Ajoelhei ao seu lado passo que ela arfava, sugando o ar com voracidade.

        Ao recuperar parcialmente o fôlego, sua voz saiu num sussurro fraco, bem longe de seu usual tom sedutor.

— Por favor... não faça nada a ao Richard. – Ela inspirou novamente o ar, fungando. – Eu lhe imploro. Este nosso desentendimento não tem nada a ver com ele.... Não o envolva nisso.

— Eu sequer sabia que ele era seu filho! – Respondi exasperado. – Foi uma coincidência. – Limpei o sangue que teimava em escorrer em minha boca, novamente acometido pelo mal-estar. - Agora, será que você poderia fazer o favor de me invitar novamente a sua casa para que eu possa lhe curar.

         Astryd estudou por algum tempo meu rosto, ponderando se eu estava blefando.

— Você é bem vindo aqui.

          Inexplicavelmente mais aliviado, tomei suas mãos entre as minhas e percorri os olhos pelos hematomas intercalados em um tom arroxeado e esverdeado, me concentrando em reparar o que fiz.

          Não tem reparação... Mas ainda se eu puder curá-la, já é alguma coisa.

          O corredor ficou tão silencioso e logo fui acometido pela antiga sensação do poder fluindo através, não em sua totalidade, mas o suficiente. Elas ficaram envoltas em uma redoma de brilho dourado e lentamente foram retrocedendo o processo, deixando a pele de Astryd com seu aspecto natural, saudável. Senti seus olhos me queimarem durante todo o procedimento e ao voltar meu olhar para cima vi sua face levemente enrugada.

— Tem alguma coisa errada com você?

          Vendo que eu não responderia ela pegou meu braço com propriedade. A levantei do chão, me preparando para apagar sua memória.

— Vai apagar minha memória, não vai?

— Vou.

         Espero que eu ainda consiga...

— Prometa que não fará mal a ele... Por favor. – Ela segurou meu rosto exigindo minha atenção. – Por favor...

— Eu prometo que ele ficará bem por hoje.

— Não foi isso que eu pedi!

— É tudo o que posso prometer. – Tentei tocar seu rosto para lhe apagar a memória e ela desviou, indignada. – Eu não vou desistir de meus planos para ele Astryd... Se eu soubesse, que Richard era seu filho, o teria largado para morrer naquele campo de batalha. Mas ele é um vampiro agora, e me pertence. - Bufei, enjoado de todo esse sentimentalismo humano. – Ele está bem, ok? Não é humano, mas se o vê nessa festa hoje, devia me agradecer. Ou devo cortar-lhe o pescoço e acabar de uma vez por todas com isso? Repudia seu filho, só porque ele se transformou em algo que não queria? Sinceramente, dez mil anos e eu não compreendo sua espécie!

— Eu... eu o amo, é meu filho.. Acho que ao menos uma vez, você está com a razão.

           Astryd se calou, derrotada. E com o silêncio, pude finalmente apagar suas memórias. Me aproximei dela de antemão e repeti o procedimento anterior, desta vez com o objetivo reverso. Ela caiu adormecida, não sem antes sussurrar meu nome, - meu verdadeiro nome –, como uma última súplica por seu filho recém transformado.

          Suplica esta que eu não atenderia, Richard iria sofrer de toda forma, que fosse por minhas mãos.

          Me livrei dos corpos no corredor, e carreguei a rainha desfalecida até o enorme aposento real. Troquei seu vestido puído e sujo pelo sangue com um sentimento apático, e atei fogo no tecido até que todo o indício de minha presença esvoaçasse pelo ambiente, como a poeira branda de um dia comum. A deitei na cama, sabendo que em breve ela acordaria de seu sono, sem qualquer traço de recordação.

           Fitei sua expressão amargurada ainda que desacordada. Lembranças de dez mil anos passaram novamente em um flash, nosso relacionamento estranho e conturbado.

           Levá-la até meu aposento tinha sido um erro terrível.

          Um erro do qual eu não mais cometeria.

— Tenha uma excelente última vida.

          Um gemido baixo me transportou de volta a realidade. O vampiro que me irritara, protestava pelo aperto exagerado em seu braço. Em seu peito jazia um enorme buraco transbordando em sangue, fruto do coração arrancado. Ele se debatia com a força de um inseto.

— Eu estou implorando, deixe-me ir. E-eu não tive intenção.

— Não! – Apertei o órgão retirado dele entre meus dedos, deixando que o sangue escorresse entre o vão e aplacasse um pouco minha raiva. fechando minha expressão. – Até poderia, tenho pressa em encontrar meu servo. – Seus olhos negros brilharam com a pífia possibilidade de ser liberto. - No entanto, veja que azar, me pegou em um dia ruim. Não estou com um pingo de vontade de demonstrar misericórdia. E ainda, decidi exatamente o que fazer com você.

          O Vampiro, Wolliet, tentou mais uma vez se livrar de meu aperto. Assustado por meu tom de voz, ele tateou em meio ao cinto, retirando uma adaga e cravando-a em minhas costas. Me sentia tão irado que a dor sequer chegou. Permaneci arrastando ele em meio a escuridão das árvores, ignorando a lamina em minha carne e ouvindo o barulho de nossas pegadas dentre a relva úmida.

           Ao longe, outros Vampiros me acompanhavam, curiosos com o destino do pobre Wolliet. Se escondiam em meio a sombras, embora eu ouvisse a movimentação. Grande parte deles eram novatos e não me reconheciam, outros reconheceram pelos gritos do Vampiro que implorava misericórdia.

            O lago mórbido e fétido no qual Richard depositara suas vítimas surgiu em meio a clareira fria. Ele certamente me agradecia futuramente pelo que eu faria, e tomado pela ansiedade repentina, quebrei ambas as pernas de Wolliet, impedindo-o de se locomover. Os gritos dele reverberaram entre os céus e a lua pouco iluminada.

— Eu não preciso mais da informação, muito obrigada.

           Ali era fácil refazer o trajeto de Richard. Seu cheiro estava por toda parte, reacendendo meus instintos, de forma que Wolliet se tornara definitivamente descartável. Sorri para meu colega de espécie, esperando que ele visse o ódio em meus olhos.

           Nem mesmo ele era um grande desafio, mas ao menos desta vez eu iria me divertir.

           Precavendo a mudança no ambiente, o vampiro começou a se arrastar rapidamente pelo chão utilizando-se dos braços. Saquei minha espada e ela reverberou em contato com o ar, refletindo meus olhos vermelhos na lamina dourada. E com um corte limpo e preciso, amputei ambos os braços. Minha intuição dizia que eu tinha pouco tempo. Repeti os golpes em ambas as pernas, terminando de inutiliza-las.

          Os gritos foram tão altos e cortantes, que calaram os pensamentos de meus espectadores dentro de minha cabeça. Eles não pareciam muito satisfeitos, contudo ninguém ousaria me interromper.

          A distração da noite se esvaíra, e eu me encontrava tão concentrado que não só podia farejar novamente meu servo, como precisar quantos estavam junto dele e a distância.

         Retirando uma corda de meu sobretudo, amarrei uma rocha mais retangular que encontrei pelo campo em meio ao tronco do vampiro e encarei de cima. Sua estrutura pesada e áspera serviria perfeitamente ao meu propósito. Ele me fitava do chão com as pupilas dilatadas, plenamente ciente do que eu estava prestes a fazer.

— Boa sorte com sua eternidade. – Balancei a cabeça negativamente, um sorriso perverso brotou involuntariamente de meus lábios. - Adeus!

          Sem muita cerimônia ergui o peso morto e o atirei no lago. Ele afundou para as profundezas daquela água turva e repleta de segredos; não se afogaria, tampouco morreria, apenas viveria eternamente em meios aos corpos decompostos.

          Reuni os restos sobressalentes do vampiro, me virando em direção ao rastro de meu servo. Não deixaria de cumprir minha promessa, ao menos esta noite, Richard ficaria em segurança.


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Notas finais do capítulo

Então pessoas chegamos ao final, o que acharam? Sem finais felizes para Astryd e Criador, i'm sorry XD
No próximo Richard retorna com tudo! Beijos e até lá!! ♥



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