Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 10
capítulo 09


Notas iniciais do capítulo

Oieee, olha eu aqui de novo em tempo recorde!! Enfim chegamos ao fim da festa, e meio que a um encerramento de uma etapa na história por assim dizer... O Inferno de Richard está participando de alguns concursos no Wattpad, então estou escrevendo e editando algumas coisas na velocidade do flash. Hoje eu repostei o primeiro capítulo melhorado, com mais detalhes, quem quiser dar uma conferida.. E quiserem dar dicas do que deve ser melhorado na história no sentido geral a hora é agora kkkk

Boa Leitura ♥♥



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O desespero tem suas formas próprias de trazer a calma. (Drácula, Bram Stoker)

       Sinto o ar pesado à nossa volta e a calmaria inquietante pré-batalha com a qual estou há muito familiarizado. Incontáveis pares de olhos me encaram carregados de desaprovação e incredulidade, alguns até um leve pontada de ódio. Fica óbvio que estou sendo culpado por começar um duelo com um dos reis. Acabo por ouvir acidentalmente seus pensamentos novamente, mais agitados que nunca e nem preciso dizer a quem prevalece a torcida. Parece que todos se esqueceram quem sacou a espada primeiro. 

        Maldita projeção psíquica, que só funciona quando não preciso.

        Ou não. Foco minha atenção em Craine e tento filtrar toda a confusão de vozes, ainda tão difíceis de controlar quanto da primeira vez. Ele continua parado com o semblante indeciso. Parece bastante receoso em me atacar. Lentamente as vozes vão se dispersando, assim como as nuvens quando terminam de derramar suas lágrimas sobre o chão e resta somente a voz dele em minha cabeça. Ouço seus devaneios a meu respeito.

        Que rapaz persistente. Se eu feri-lo será que terei problemas? Quero tanto, tanto cortar esse garoto... Mas devo admitir que ele tem coragem. Se meter em meu caminho duas vez... Não posso, não posso arriscar, não aqui.. Talvez, se eu cortar um braço..

        Sua voz segue enfraquecendo até desaparecer no ar, o poder do Criador se fora novamente. Mas a raiva que emana de seus poros permanece. Sua expressão se suaviza e ele finalmente parece tomado uma decisão definitiva. Ele retoma sua posição de ataque e começa a dançar envolta de mim. Sigo seus movimentos em direção contrária, erguendo minha guarda.

— Muito bem Richard, se você quer assim... - Ele abre um sorriso simpático e dá de ombros. - Farei conforme sua vontade.

— Você  quem me desafiou. - Respondo alto para que todos possam acordar de sua manipulação.

— Nada como uma luta de exibição numa festa tão maravilhosa quanto esta. - A multidão se anima e o ovaciona, ele detém o total controle sobre a situação . - Será apenas isso, uma exibição. Não é um desafio real, Príncipe Richard.

          Craine apenas aumenta seu sorriso e se assegura de que todos possam vê-lo. Agora todos estão mais calmos, assistindo como se fosse um show programado. Não acredito em suas palavras. Sigo rodando em nosso pequeno círculo, impedindo que se aproxime sem prévio aviso. Ouço cochichos, sons persistentes de um tamborilamento grotesco e fora de ritmo. O som é persistente, irritante e me distraí. Dirijo minha concentração ao som tão familiar e ao mesmo tão desconhecido, e concluo assustado que o que ouço é um conjunto de corações. Dos espectadores, do meu pai, de Bethanny, de todos exceto o meu. O meu coração não emite nada, nem um leve palpitar, duvido muito que eu ainda o possua, mesmo que de enfeite. Fora de sintonia, o mais agitado deles pertence ao próprio Craine, que se aproveita da minha atenção dispersa para correr em minha direção.

        Craine segura a espada com as duas em cima da cabeça e defere um golpe em direção ao meu braço direito, o que seguro minha espada. Reajo mais rápido do que pretendia e torcendo o braço, ergo-a de mal jeito e bloqueio o golpe. Nossas espadas tintilam de forma ruidosa ao lado da minha cabeça. Craine dá um meio sorriso e aplica mais força. Mal a sinto, é como competir com uma criança.

        Pelos antigos reis, ele não tem a menor chance!

        A multidão começa a ficar abismada pela forma desajeitada como seguro a espada e por ainda conseguir conte-lo. Comentários incrédulos chegam aos meus ouvidos, pessoas que entendem do assunto analisam minuciosamente meu posicionamento. Reis, generais, instrutores... todos mantém uma atenção muito indesejada em mim.

        Acabo por me dar conta que devido as minhas novas condições, parte dessa luta terá que ser um teatro. Não tenho a mínima noção do quanto de força realmente possuo, se me empenhar demais posso acabar me revelando como vampiro, ou pior, posso até ceifar a vida do pobre humano à minha frente. De repente me sinto tão... superior, que perco a vontade de lutar. Sequer considero mais Craine como um bom oponente. Suspiro, exteriorizando minha frustração.

        Parece que morri a troco de nada no fim das contas...

        Controlo minha frustração e cedo um pouco, fingindo que tenho dificuldades em medir minhas forças com ele. Quero revidar, cortá-lo em mil pedaços, destruir sua espada, atear fogo em seu castelo e procurar um oponente digno. Sou o maldito de um guerreiro, não um ator. Mas por ora é assim que terá de ser.

          Me pergunto se todas minhas lutas serão nesse nível pobre daqui em diante. A voz do criado ressoa em minha cabeça, e não sei se é fruto de minha imaginação, ou se ele está escondido em algum lugar inusitado, assistindo.

          Se continuar camuflado dentre os humanos é exatamente assim que irá ser.

         Craine se afasta com uma expressão de triunfo no rosto e defere outro golpe, dessa vez partindo de uma altura confortável até a lateral do meu corpo. Viro minha espada ao contrário, deixando-a de cabeça para baixo e bloqueio.  Ele se irrita e defere uma sequencia de golpes desordenados com as duas mãos. Defendo a todos eles e por mais que ele tenha deixado a guarda aberta, dou passos para trás, impedindo a mim mesmo de contra-atacar e feri-lo no peito. Vou em direção a algumas pessoas, que desviam, apavoradas. Ele parece satisfeito com meu gesto.

— Que foi Richard, não consegue contra-atacar?

         Que desgraça de luta!! Talvez seja melhor eu desistir..

         Não consigo concluir, pois Craine me assusta e me pega totalmente desprevenido. Agora com apenas uma mão,ele  toma uma largo espaço para si e roda parcialmente a espada num movimento insensato, deferindo outro golpe perto demais dos humanos. Vejo o ar cortando em circulo à centímetros de idosos e mulheres que observavam. Fico preocupado demais com a proximidade deles para desviar no tempo certo e, enquanto eu me esquivava para a esquerda, única direção onde ninguém correria risco, acabo sendo atingido à queima roupa. 

        Ouço gritos e comentários esbaforidos. Alguns brigam para ver o que aconteceu e minha mãe fica pálida no meio da platéia. 

         A lâmina corta levemente o tecido e parte do meu abdômen inferior, em um filete grosso que logo se enche de sangue e escorre, num ferimento não tão profundo embora bem visível. Deixo escapar um gemido ao sentir um incomodo conhecido, um estranho formigamento partindo de dentro para fora, aumentando e me preenchendo. E assim que assimilo o que está acontecendo tapo ansiosamente o ferimento com a mão, impedindo que alguém veja minha pele se curando, voltando ao que era antes em uma velocidade sobrenatural. 

— Mas que merda! - Sussurro. 

       Corri os olhos pelas faces ao meu redor prendendo a respiração, mas ninguém fez menção de ter visto. Ajeitei o que sobrou de minhas vestes de forma a esconder minha pele agora intacta. Bem a tempo de ver Craine chutando a espada de minha mão de forma enérgica, mostrando que não está de brincadeira. O objeto dá cambalhotas aleatórias e cai há alguns metros, deslizando pelo piso e para sob os pés de alguém que desconheço.

— Perdeu a sanidade?! Poderia ter caído em alguém!

        Perco a paciência, me aproximo mais dele e dou-lhe um único soco certeiro. Mesmo controlando ao máximo que posso minha força, acabo excedendo o planejado e ele cai ao chão. Um filete solitário de sangue escorre por seu nariz e seus olhos se estreitam. Ouço sibilos e arfadas repletos de assombro de nosso espectadores. Sua espada escorrega alguns metros para longe de si, deixando-o também desarmado e Craine me dá uma rasteira, me derrubando praticamente ao seu lado. Craine gargalha alto, segurando o nariz cada vez mais roxo.

— Que audácia. - Sussurra. - Quebrou meu nariz, desgraçado. Eu deveria....

         Ele não completa a frase, ao invés disso se ergue e senta em cima de mim, prendendo-me ao chão. O cheiro de seu sangue está tão próximo, tão fresco... que é praticamente impossível de resistir. Sinto meus olhos focarem de forma instintiva no ferimento à minha frente e luto contra as presas, tentando mantê-las retraídas. Prendo a respiração e encaro o brilhante lustre em cima de nós. Estou desorientado. No limite de rasgar sua garanta na frente de todos.

         Respirando de forma instável, Craine fecha a mão em punho e me acerta repetidas vezes. Seus socos me ajudam a me manter sob controle então simplesmente finjo me dou por vencido e permito que ele me bata. Melhor sair como perdedor do que cometer uma atrocidade na frente de todos.

         Como chegamos a este ponto? Eu nem sei mais por que estamos brigando...

— Já chega, Eddard!!

          Ouço a voz grave e autoritária do Rei Hayden e Craine é levantado pelos ombros por ele com a ajuda do Rei Avalon, o pai da Princesa Catherine. Os dois se esforçam para segurar o rei que se debate dentre eles tentando se libertar, segurando um braço cada um. Meu pai estende sua mão para mim com cara de poucos amigos e quando a pego ele me levanta do chão de forma bruta. Sua mais pulsante veia está saltada de tanta raiva, seu coração pulsa com força e rapidez, e isso me traz de volta à realidade em definitivo.

— Não faz ideia do quanto estou com raiva Richard, mais tarde teremos uma conversa. - sussurra.

            Mas nem fui eu quem começou! Quero gritar, no entanto me contenho e somente assinto.

            Eddard Craine sorri e assumindo sua mascara novamente me estende a mão em um gesto amigável. Encaro sua mão num misto de descrença e raiva, contudo a aperto.

— Foi uma bela luta de exibição Richard. - Diz em um tom alto.

— Foi. 

          O público parece soltar o ar em uníssono e a música recomeça. Logo as atenções são dispersadas e somos esquecidos. Craine levanta a cabeça para cima, tentando estancar o sangramento. Uma das mulheres que trabalham no castelo lhe oferece um pano com gelo. 

— Oh obrigada senhorita. - Ele observa atentamente meu rosto. - Parece que você não tem nada quebrado, que bom.

          A funcionária intercala o olhar entre ele e eu, e sinto meu rosto queimar. Não queria bater tão forte assim, não aqui, não hoje. Me rebaixo novamente ao dizer:

— Pois é, me desculpe... 

          Ele dá de ombros.

— Não se preocupe. Não foi a primeira vez que meu nariz quebrou, e certamente não será a última. - Responde com um estranho enigmático no rosto. - Nos vemos amanhã à tarde para a reunião?

— Claro, claro... - Respondo e presto uma reverência repleta de ansiedade. quero sair de perto dele o mais rápido possível. - Se me der licença, Majestade.

— À vontade, Alteza.

          Ok, isso foi estranho em diferentes níveis.

          Me afasto dele a passos largos e só paro quando me asseguro de estar do outro lado do salão, bem longe de seus olhos apáticos e observadores. Espero não cruzar com ele pelo resto da noite. 

          Quem sabe eu possa sair despercebido agora..

          Fito umas das grandes portas a direita que leva à uma das cozinhas. Se eu entrar nela e der a volta pelos fundos do castelo posso chegar ao corredor do meu quarto sem ser abordado. Toda essa luta atípica me deixou com sede e uma queimação familiar, não é mais seguro ficar entre os humanos. Pego uma taça de um dos garçons e derramo o conteúdo em um só gole, numa tentativa de enganar a mim mesmo. O conteúdo desce queimando e surte efeito ao contrário do que eu desejava, agravando minha vontade de beber algo mais satisfatório

          Não muito longe de mim os outros príncipes cochicham algo e me encaram rindo, entretanto estou disperso demais para ouvir. Certamente estão zombando de minha inconsequência. Sou sempre tido como o mais sensato entre eles pelos próprios reis, posso imaginar suas expectativas para que eu cometesse ao menos um pequeno deslize. Com o que aconteceu hoje então...

          Devo ter proporcionado um show e tanto à eles esta noite.

          Dou de ombros de forma que eles possam ver que não me importo e recosto junto à parede próximo a porta segurando a taça vazia e fecho os olhos, inspirando profundamente.  

          O que eu vou fazer? Estou ficando com tanta sede.

          Sinto uma mão tocar meu ombro de forma delicada e me sobressalto. Bethanny me lança um olhar preocupado por trás de suas lindas íris cor de céu. Ajeito minha postura e a encaro com um olhar inquisitivo, esperando que ela fale. Ela se abraça e encara o chão, contudo noto seu rosto ganhar um leve rubor. Me encanto por seu jeito doce de me abordar, no entanto o cheiro do seu sangue agitado em suas maçãs do rosto me deixa bastante excitado, numa contradição angustiante. Olho em volta pensando em uma forma de arrastá-la dali e dou lhe um sorriso carregado de segundas intenções.

— Desculpe, só queria saber se Vossa Alteza está bem? 

— Estou melhor agora...

          ... que vejo seu sangue dançar.

          Pisco com força, tentando manter a atenção nela e não no que há por dentro de sua pele.

— Desculpe, não quis insinuar nada. Estou um pouco... - Insano? Excitado? Inquieto? Faminto? São tantas as opções. -  cansado. - Emendo.

— Entendo. Vossa Alteza quer ajuda? Posso causar uma distração e te tirar daqui discretamente.

         Seria excelente! Ia adorar tê-la em meu quarto...

         Mil ideias correm em minha cabeça, infindas possibilidades. Sinto uma enorme agitação, tanto abaixo do abdômen quanto na garganta e é difícil até de manter uma conversa num nível coerente. Sei que ela só quer me ajudar, contudo não consigo desviar a atenção da facilidade que seria; beber dela e depois desovar seu corpo seco em algum buraco escuro repleto de lama e folhas secas. Ninguém nunca a encontraria. Assim como as tantas outras que matei desde que retornei ao castelo.

         Não!!! Tenho que mantê-la aqui em segurança. Ela vem sendo tão legal comigo, seria trágico se eu drenasse minha única amiga.

          Finco os pés no chão e inspiro com maior empenho. Não quero fazer isso. Bethanny me lança um olhar repleto de preocupação e estuda meu rosto.

— Acho que Vossa Alteza devia cuidar do seu ferimento. 

          Acrescenta franzindo o cenho e tentando ver discretamente o meu abdômen supostamente ainda ferido. Puxo minha vestimenta mais para baixo, numa tentativa de conter seus olhos curiosos. Subitamente me lembro do que a prometi no inicio da noite e tenho uma ideia que deve mantê-la longe do meu quarto ao passo que me distrair, pelo menos até eu resolver o que fazer com minha sede. Estendo a mão a ela, animado. E estou de volta ao controle sobre mim mesmo.

          Por enquanto... 

— Não há necessidade, seria inapropriado deixar minha própria comemoração. Aliás, lembro-me que lhe fiz uma promessa. - Bethanny observa minha mão erguida e depois fita meus olhos com incredulidade. - A senhorita me daria o prazer da próxima dança?

          Seus olhos e seu sorriso se iluminam mais que todas as estrelas no céu, no entanto essa maravilhosa visão não dura mais que um fração de segundo. Bethanny parece se lembrar de algo e fica séria repentinamente. Ela nega com a cabeça e não a entendo, parecia tão animada para dançar comigo mais cedo. Me pergunto o que haveria mudado nesse meio tempo.

— Não precisa, eu abdico de sua promessa.

— Mas por que? - Tento disfarçar meu latente desapontamento.

          Ela parece procurar as palavras certas dentro de sua mente e não encontrá-las. Vejo-a morder o lábio repleta de indecisão. Suspiro esperando uma resposta que seja bem convincente para me negar algo que ela mesma queria mais cedo.  Por fim, ela dá de ombros.

— Se me permite a franqueza, vossa Alteza já dançou com metade das moças deste baile; princesa, nobres.. Já duelou com um dos reis... Não acho que deva se preocupar com uma serviçal. Eu sei que dei a entender que queria que Vossa Alteza me convidasse para dançar mais cedo, mas você não tem obrigação nenhuma de fazê-lo... - Comprimo os olhos. Alguma coisa aconteceu. -  Também não quero ninguém dançando comigo contra a vontade. 

— Já disse que se dançássemos não seria por obrigação. - respondo prontamente ligeiramente irritado.

        Bethanny desvia o olhar a todo instante e age com certa distância. Noto que ela voltou a me chamar de Vossa Alteza mesmo eu tendo autorizado-a a me chamar pelo meu primeiro nome. Alguém deve ter chamado-a a atenção. Sim, só pode ser isso. Seguro seu rosto pelo queixo de forma energica, erguendo-o e exigindo que me olhe.

— Você quer dançar comigo ou não?

— S-sim. - Responde sobressaltada pela rispidez em minha voz. - Mas...

— Ótimo!! 

         Pego sua mão e a puxo antes que possa inventar mais alguma coisa, arrastando-a para o meio do salão. Quando a música recomeça me curvo diante dela acompanhando a coreografia dos outros homens no salão. Suas acompanhantes seguram o vestido e se abaixam com delicadeza, no entanto Bethanny permanece parada, observando. Ela cora e esfrega as luvas.

— Não sei dançar assim... tão afastada. - Sussurra.

           Encaro-a com repleto de curiosidade. Deveria fingir que não escutei, mas acabo por não conseguir. Ela se assusta quando pergunto:

— Como você dançaria então?

— Eu posso demonstrar?... - Ela fita nervosa os outros dançando ao redor.

— Claro. - Dou-lhe um sorriso reconfortante. - Não viemos aqui para assistir. 

         Bethannny abre a mão direta para mim, me oferecendo. A aceito-a com um meio sorriso e ela posiciona minha mão esquerda em sua cintura. Sinto sua respiração subindo e descendo sob meus dedos, me hipnotizando. Sua cintura é tão esguia e delicada. Fecho a mão ali e a acaricio com o polegar por cima do tecido, fitando-a nos olhos. Sua respiração fica irregular , no entanto ela disfarça com maestria, estendendo novamente a mão e exigindo a minha que ainda está livre. Me adianto e seguro sua cintura do outro lado, carregado de expectativa. Ela é tão magra que minhas mãos quase se unem em volta dela.   

— Esta não. - Ela retira minha mão boba e a enlaça na sua, afastando ambas dos nossos corpos, como se indicassem uma direção. - Essa é aqui.

— Hummm, preferia na onde estava. - Sussurro, mas mantenho a mão onde ela deseja.

          Ela espalma sua mão livre próximo ao meu ombro e a repousa ali com a delicadeza de uma flor. Lentamente, ela ergue seu rosto enrubescido e o aproxima do meu, parando-o tão próximo que sinto sua respiração quente em minha pele. Seu cheiro adocicado embriaga minha alma e fecho os olhos, absorvendo a inusitada mistura de baunilha, lírios, sangue, euforia e paixão. 

           Minha garganta queima e corro minhas mãos de sua cintura para a parte de trás, até a curvatura de suas costas, então a puxo finalmente selando nossos corpos. Quando torno a abrir os olhos vejo seu delicado pescoço a centímetros de meus lábios, implorando para ser mordido. Engulo em seco, tendo consciência de cada micro veia que corre dentro dele.

          Péssima ideia convidar ela dançar, só estou tendo péssimas ideias hoje...

          Um violino solo ressoa de forma melancólica e nos movemos lentamente em círculos em nosso próprio espaço acompanhando a melodia. E assim que ouço os primeiros acordes do piano tomo o controle sobre nossos movimentos, guiando nossos passos através de cada nota.  Sinto um nó no peito e percebo então que já dancei assim antes há alguns anos atrás, com minha noiva. Filtro as lembranças daqueles dias felizes e depois que as remeto somente aos passos fica fácil guiar meu par de um lado para o outro. Uma moça interpreta uma canção que desconheço em uma voz calma e rouca.

           Ergo Bethanny poucos centímetros do chão. Ela desliza de forma magnifica e não contenho um sorriso de satisfação ao vê-la tão entregue.

— Pensei que você não sabia dançar desse jeito. - reclama ela.

— Não dançamos mais assim, foi considerado íntimo demais. Desapropriado. - Explico. - Mas há uns cinco anos atrás dançávamos..

— Por isso estão nos olhando desse jeito? - Ela solta o ar e relaxa. - Pensei que fosse porque sou sua serva. Graças ao reis...

            Franzo o cenho, só então notando alguns olhares mesquinhos e as caras feias ao nosso redor. Dentre as faces desagradáveis está a de Catherine, parada num canto sem acompanhante, torcendo as luvas de forma descontrolada. Ela observa Bethanny com tanto ódio, que faço com que ela fique de costas para a princesa mesquinha antes que perceba. Não quero que ninguém atrapalhe sua espontaneidade, no entanto sei que estão assim em parte pela coreografia, mas em maior parte por ela ser minha... criada. É triste, contudo o preconceito é algo real.

             Tiro uma mecha de cabelo do seu rosto e prendo junto a orelha. Aproveito e desço os dedos pelo seu rosto, traçando um caminho até a ponta do seu queixo e a ergo exigindo que seus lindos olhos venham de encontro aos meus.

— Não ligue para isso. - Sussurro, mantendo discretamente minha visão periférica em Catherine e um sorriso perverso nos lábios. - Você é a princesa mais atraente da noite.

— Não sou princesa...

            Bethanny franze o cenho e toca levemente meu pescoço. Seu indicador e o dedo médio ficam repletos de sangue. Seus olhos estão lascivos pela curiosidade enquanto ela estuda o liquido escuro já meio ressecado. Com toda essa confusão de Craine, me esqueci completamente de que o criador havia me mordido mais cedo e não me limpei. 

            Demônio, desgraçado.

— O que é isso, Vossa Alteza? - Ela checa minha pele em busca de algum corte e para meu alívio parece não encontrar nada. - Majestade Craine lhe machucou no pescoço também? 

— Não. - Seguro sua mão pelo pulso, ganhando tempo para pensar em uma mentira. - É sangue dele que respingou em mim. Não quero pensar nisso Bethanny, não agora.

            Solto sua mão, ergo-a pela cintura o mais alto que posso e giro com ela em meus braços, rindo. Finalmente estou me divertindo. Ela se apoia em meus ombros e retribui o sorriso, fechando os olhos. Dou outra risada ao perceber que as pessoas no salão agora seguem nosso estilo de dançar ao invés de toda aquela pompa e indiferença. 

            Imagino tudo isso em uma outra época, ou mesmo há semanas atrás. Quando eu ainda era humano e comprometido. Talvez eu escolhesse Bethanny ao invés de Anastácia, talvez eu agisse de forma inconsequente e fugisse com ela para algum lugar onde ninguém nos encontrasse. Algum casebre na beira do mar. Esse pensamento me diverte por alguns poucos segundos, mas logo me lembro que não posso ter nenhuma delas. Não sou mais o príncipe que todo veem, sou um monstro.

           Enquanto desço Bethanny sinto a atmosfera mudar completamente ao nosso redor e um estranho ar de nostalgia paira sobre nós. Ela baixa a cabeça e fixa seus olhos em mim de forma aterradora enquanto seu corpo desliza deliciosamente pelo meu. Seu cheiro muda sutilmente para algo indecifrável, precioso e suspiro ao falhar em conter minha excitação.

           Tão logo seus pés tocam o chão, Bethanny segura meu rosto com as duas mãos, fecha os olhos e me beija de forma tão espontânea que me deixa atônito. 

— Richard.. - Suplica.

           Meu nome sai de sua boca pela primeira vez esta noite num sussurro rouco, carregado de expectativas. Sei que devo afastá-la imediatamente, mas a sensação dos seus lábios juntos aos meus é tão celestial que acabo ignorando o bom senso e trazendo-a mais para perto. Percorro uma das mãos em suas costas e seguro o emaranhado de cabelos dourados, virando seu rosto para o lado. Ela arfa, e retira as mãos do meu rosto, fechando-as em meu pescoço. Seus lábios se entreabrem, tão tentadores, tão convidativos. Aproveito para finalmente me apoderar deles, mordiscando levemente o inferior. 

            Quero manter certa expectativa, mas estou repentinamente desesperado. Percorro seus lábios com urgência, e finalmente nossas línguas se encontram numa carícia mais do que íntima e sensual. Solto um gemido num tom abaixo dos humanos e ouço seu coração bater de forma ruidosa em resposta. Bethanny explora minha boca de um jeito tímido e a aperto em meus braços repleto de ansiedade, intensificando nosso beijo, sugando sua língua com força. Ela arranha levemente minha nuca e sinto um arrepio em toda extensão de minha coluna. 

             Resisto a crua vontade de rasgar-lhe as roupas e jogá-la no chão na frente de todos, mas não resisto a excitação que me atinge de forma impiedosa. Meu membro pulsa e gemo outra vez, agora um pouco mais alto. Tudo a nossa volta desaparece e estou perdendo o pouco auto-controle que me resta.

             Bethanny é a coisa mais gostosa que já provei na vida, e ainda nem me deleitei com seu sangue. Pensar em seu provável gosto me enlouquece. Suprimindo um rosnado, faço um pequeno corte no interior de sua boca ainda com meus dentes normais. Bethanny não protesta, está tão absorta em nosso momento que sequer parece notar. Sinto seu gosto e meus olhos rolam entre as órbitas. É ainda melhor do que imaginei, entretanto o ferimento não me oferece nada mais que uma singela prova, micro-gotículas escarças de um verdadeiro néctar dos deuses. 

           Quero muito mais...

           Sibilo em frustração, o ferimento estancou rápido demais. Tento parar de beijá-la antes que eu a rasgue diante de todos ao nosso redor e a ideia de que não estamos sozinhos me aquieta um pouco. Afasto nossos lábios e ao abrir os olhos, Bethanny me encara de um jeito indecifrável. Sua boca está levemente inchada e seu eu cheiro permanece no ar, me provocando, e sei que se não sair de perto dela irei fazer uma besteira. 

— Richard, está tudo bem? Você está gelado... 

            Me surpreendo com sua constatação repentina. Não sei se estou frio ou se sou frio o tempo todo, nunca havia reparado nisso, então me limito a sorrir de forma maliciosa e desviar sua atenção. 

— E você muito quente. 

             Bethanny enrubesce e não enxergo mais nada além de seu sangue se movimentando. Minha garganta pega fogo, em um contraste irônico com o que ela acabara de dizer e olho pros lados procurando uma saída. Não posso mais ficar nem um segundo nessa festa. Sinto wa

— Tenho que ir - sussurro.

— Por que? - Pergunta com o olhar perdido. - Foi algo que fiz?

— Não, de forma alguma. - Aliso seu cabelo me permitindo um ultimo contato. - Estou machucado e exausto, preciso descansar. 

          Ela assente e praticamente corro em direção a saída, perdendo o de algum controle que eu ainda poderia ter. Ouço meu pai me gritando ao fundo, e abro a uma das grandes portas , esperando que ele não me siga. Os dois soldados me encaram e se entreolham com o cenho franzido. Devo estar com a cara péssima, me sinto péssimo. 

— O que foi? - Pergunto de forma ríspida.

— Nada Alteza. - Os dois se encolhem.

          Passo a mão pelo rosto tentando recuperar um pouco de compostura, estou tremendo. Tudo parece uma confusão de cheiros e sons enquanto caminho, as nuances de todos os humanos estão presentes em minha pele. A porta de saída do corredor que leva aos fundos parece se afastar a medida em que tento alcança-la e quando saio dos olhos curiosos me vejo correndo ao seu encontro. Suspiro quando toco enfim a madeira.

          Outro par de soldados a abre para mim e estou em outro corredor exatamente igual, repleto de enormes vitrais coloridos, lustres e cortinas cor de sangue. Encaro o tecido e por um momento ele parece escorrer vagarosamente pela parede, exatamente igual a inigualável bebida escarlate que tanto anseio. Pisco os olhos e objeto retorna ao que realmente é. Sigo correndo por ele e percebo que pela primeira vez em muitos anos estou perdido no lugar em nasci.

          Abro uma porta e dou de cara com uma série de estantes com livros. Meu quarto fica aos fundos da ala leste do primeiro andar do castelo e, de alguma forma, vim para na oeste. volto para o corredor e encaro os dois lados, tentando me localizar. Minha visão vira um borrão turvo e coloco as mãos na garganta, engolindo em seco.

          Mas que merda!

          Perco a noção de quanto tempo passo abrindo portas e percorrendo corredores, todas elas parecem iguais para mim. Estou tão confuso pela sede que quando enfim abro a porta certa, nem acredito. Fecho-a e abro de novo, compelido pelo cheiro familiar que vem do interior. Meu cheiro. Ignoro os três soldados no corredor e adentro meu aposento, trancando a porta atrás de mim, aliviado. Arfo enquanto deslizo sobre ela em direção ao chão e fico sentado ali mesmo, mergulhado em uma angústia massacrante. Dobro meus joelhos e apoio os cotovelos neles, cobrindo meu rosto com as mãos e ignorando os intensos tremores e formigamento que abatem meu corpo. Estou mais do que péssimo, estou deplorável.

          Fico pensando nos guardas lá fora e inevitavelmente monto uma estratégia para atraí-los e  assassinar os três. Não tenho alternativa. As frases que o Criador dissera mais cedo ecoam em minha mente em sua voz zombeteira e perturbadora.

          "Você se culpa demais...."  "Se você não é o predador, é a caça."   "Você não faz mais parte dessa espécie." "Admita e se entregue, e você vai poder ver um lado bom nisso tudo."

— Que lado bom? - Pergunto ao vazio do quarto mal iluminado. - Imortalidade? Eu não preciso ser imortal.. Não preciso de nada que custe tão alto assim..

             Sinto as paredes fechando em volta de mim e por um momento que ele estivesse aqui, o Criador. O chão perde sua firmeza e tenho a sensação de que um buraco irá se abrir a qualquer instante. Ouço os gritos estrangulados de Anastácia em minha cabeça, e uma gargalhada maligna mandando-a ficar quieta. O rosto borrado de um vampiro surge em minha mente, ele lambe os lábios com volúpia, enquanto deturpa sua inocência e a rasga com violência de dentro para fora. Vejo ela lutar e se debater com determinação através das sombras, do jeito que a ensinei a se defender quando criança, contudo o vampiro é incomparavelmente mais forte que ela e Anastácia desfalece em seus braços. A imagem vai ficando clara pela luz da lua que adentra a janela e eu vejo os olhos escarlates queimarem de deleite por tê-la corrompido. O vampiro sou eu. 

           Ele me encara com um meio sorriso em meio ao fogo que nasce das paredes e estende o braço pálido e ferido em minha direção. o Sangue escorre e goteja, e faz minha boca salivar.

— Pegue, eu sei que você quer. - Sua voz sai gutural e autoritária como a de um monstro. - Tem o suficiente para o que há de bom e ruim em nós.

— Não!!! - Grito. - Ela não!

— Então beba da humana que está atrás de você.

            Sua - minha - face desaparece em meio ao fogo e as cinzas. Continuo no chão com as mãos no rosto. Tão absorto em meus delírios que demoro a perceber as insistentes, porém delicadas batidas na porta em que estou escorado. 

            Claro que ela iria vir atrás de mim...

            Me levanto em um sobressalto e reunindo todo o resto de minha consciência fragmentada e fodida giro a chave, abrindo a porta. 

— Bethanny, por favor...

           Que caralho?!

— Catherine! - Arfo.

            A princesa adentra meu quarto num rompante, sem ao menos pedir licença, quanto mais permissão. Ela observa o ambiente todo a meia luz de forma desconfiada e se atenta aos móveis e a decoração de modo reprovativo. Parece querer mudar tudo, mas disfarça e se volta para mim com seu queixo erguido e seu semblante arrogante. Seu jeito e minha repulsa por ela aumentam minha inquietação.

— Achei que eu devia lhe pedir desculpas novamente. Eu não sei o que me deu, não costumo agir assim... 

           Sua voz é de alguém arrependida, e seu rosto de alguém com nojo. Ela espalma as mãos em meu peito e me fita nos olhos com se quisesse de alguma forma me seduzir. É o único motivo que vejo para ele ter vindo até aqui.

— Agora percebo o quanto você gosta de seu povo. Foi um gesto muito lindo sua gentileza em dançar com aquela humilde serviçal...

— Não fiz gentileza alguma. - Respondo azedo. - Dancei com ela de livre vontade.  

          Catherine me dá um sorriso ácido.

— Ah sim, que seja então.. - Sua mão sobe até meu rosto e traça uma linha por toda extensão do meu maxilar até a boca. - No entanto eu acho que você merece coisa melhor...

          Tenho raiva das coisas que ela diz, de seu menosprezo por Bethanny, no entanto minha reação sai mais que exagerada. Num rompante habilidoso, retranco a porta e a seguro pelo antebraço. Arrasto Catherine até minha cama no centro do quarto e a jogo rudemente no colchão. Ela sibila chocada, no entanto não fica irritada, pelo contrário, seus olhos brilham de malícia com meu gesto. Seus olhos são o estopim para minha perdição definitiva.

— Nossa Richard, não sabia que você era assim! 

— Eu sou muito pior, Catherine. - Minha voz sai grave e rouca. - Vou mostrar a você... 

           Pairo em cima dela de forma sedutora e o colchão cede com meu peso. Catherine me observa com um olhar satisfeito enquanto passo as mãos por suas costas e desfaço o laço que prende seu corpete de seu vestido, liberando seus seios. Ela acha que venceu, acha que me tem em suas mãos. Posso visualizar tudo que ela havia planejado mais cedo; nós dois casados, ela me manipulando, esnobando meu povo...  Balanço a cabeça, rindo. Ergo seus braços acima da cabeça e prendo seus pulsos com facilidade, utilizando apenas uma de minhas mãos. Colo meus lábios nos delas e a beijo até que lhe falte o ar. 

            "Se você não é o predador, é a caça."

             Me concentro em minhas presas e elas finalmente me obedecem e saltam, depois as imagino se retraindo e elas reagem conforme minha vontade. Catherine arregala os olhos e cubro sua boca antes que grite. Ela se debate embaixo de mim, enquanto finalmente alcanço sua jugular e sacio minha sede. Sorrio ao estar no controle novamente.

— Eu sou o predador. - Meus olhos faíscam. E sinto plena satisfação e controle, quando anuncio próximo ao seu ouvido: - E você Catherine... você é a minha caça.  


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Notas finais do capítulo

Gostaria de saber se vocês estão gostando dos tamanhos dos capítulos ou se está mto cansativo, se puderem me deem uma luz rsrsrs .. Beijão e bom feriado!!



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