‘’Shophyen o puxou para a parte de fora do palácio.Dentro deste,havia gritos e urros de prazer,tilintar de copos e o cheiro doce de bebida.Típico de festas.

   Mas a ruiva o levou para outra parte da festa,uma apêndice do castelo.Um salão pequeno,com bebidas e música de violino tocada em um ritmo endiabrado.

  Para os demônios mais jovens, a sucúbo garantia-lhe quer era mil vezes mais divertida e que queria que ele conhecesse seus ‘amigos’.Se é que demônios de fato tinham amigos.

   A garota levou-lhe a um pequeno grupo de quatro jovens.Três rapazes e uma moça.Riam e bebiam alguma coisa de suas taças de prata.

—Amigos-Shophyen aproximou-se,largou a mão do daemon e fez uma reverência zombeteira a eles- Apresento-vós, Aecanis, o motivo desta festa e o mais novo Príncipe.- Olhou para Aec- Estes são Lucivar, Saetaniel, Belien e nossa adorável Maya.

   Apontou para cada daemon presente.

  Lucivar era moreno, tinha olhos de um férreo azul sem pupilas, cabelos de um loiro tão dourado que pareciam ser feitos de fios de sol,chifres prateados espetavam-se para fora de seu cabelo,como os de um cabrito.Seus traços eram finos,belos,orgulhosos e angulares.Quando sorriu para ele,Aecanis notou que todos os seus dentes eram caninos e que, mesmo com a simpatia que o sorriso aparentava,não havia calor em seus olhos.

  Saetaniel era pálido,no entanto não havia beleza em sua palidez. O rapaz era branco feito giz,como se todo o sangue de seu corpo houvesse sido drenado.Os lábios tinham um tom doentio de azulado e isso em nada melhorava a sua aparência.Seus olhos eram bizarramente negros.Olhos de pesadelo.Os cabelos eram da cor da neve,encaracolados de tal forma que escondiam os chifres enrolados e brancos como osso.Seu rosto era sem expressão alguma,ele acenou suavemente.Se o inverno tivesse um filho,seria este.

  Belien era menor que os demais,mas tinha um sorriso maior.Os olhos eram cor de mel, assim como os cabelos lisos e bagunçados.Era moreno,esguio e tinha um rosto redondo e simpático.Seus chifres eram de um tom acastanhado peculiar e Aecanis notou que o chifre esquerdo era partido ao meio.

E Maya? Era linda.

  Tinha uma pele alva e era pequena.Os olhos eram esferas cinzentas e inocentes,os lábios finos eram de um rosa fraco e tentador no rosto simétrico e estranhamente andrógino.Os cabelos eram de um loiro ondulado e suave,que emoldurava o rosto de anjo.Asas encolhiam-se em suas costas,eram de um branco rajado de cinza.

  Aecanis franziu as sobrancelhas e farejou o ar a sua volta.

  Espirrou.

  Um cheiro adocicado e viciante adentrava em suas narinas.Vindas,aparentemente, da menina a sua frente.

  Mais tarde aquele odor seria identificado com o da cocaína.

—Shophyen,minha flor de lótus- Lucivar sorriu-lhe- Não o faça parecer o único importante- Olhou para Aecanis e sorriu seu sorriso macabro- Sou filho de Astaroth.Príncipe Infernal da Vaidade.

—Deixe-me brincar também!-Belien sorriu mais e bateu palmas frenéticas- Sou o mais novo de Belial, o Príncipe Infernal do Orgulho.

—Leviathan-Saetaniel respondeu-lhe,suave,frio,ríspido-O da Inveja.

   Maya sorriu para ele e Aec enrubesceu o coração palpitando quente em seu peito.

—Sou filha de Murmur, o Grão-Duque Infernal da Música-Ela sussurrou baixinho, a cor subindo-lhe a face.

—Não é só isso-Lucivar rodeou a menina com um braço,deixando-a incrivelmente desconfortável- Tu também és de uma anja, não?

  Perplexidade banhou a expressão do menino.

—Miscuit? Mestiza?— Indagou,espantado,ao passo que a menina fixou o olhar no chão.

—Sim-Shop revirou os olhos,olhando tanto Lucivar quanto Aecanis com um ar de censura.Aec ao menos teve a decência de se envergonhar- Ela é uma mestiça.Mas é protegida pelo senhor Lúcifer,afinal é da realeza,certo? Sem falar que ela toca todos os instrumentos malditos.

  Aecanis assentiu com um manear,mas nem por isso a menina desgrudou seu olhar do chão.

—Mas então...-O filho de Astaroth soltou a garota,parecendo incrivelmente satisfeito- Ouvi dizer que o mais novo Príncipe não tem pai ou mãe...Não creio que tenhas sido atirado ao mundo,fostes?

   O daemon franziu as sobrancelhas. Não havia gostado nem um pouco do rapazinho irritante.

 Shophyen cruzou os braços,obviamente contrariada.

—E desde quando tens algo contra a isto?-A ruiva indagou-lhe,irritada- Nem todos nos somos filhos legítimos de Príncipes importantes. Eu também fui atirada ao mundo,como tu dizes!

   Lucivar bufou e cruzou os braços.

—Eu não queria ofender ninguém! Só fiz uma pergunta, vocês se ofendem por tão pouco! Que dizes Belien?

  O pequeno demônio crispou os lábios.

—Também não gostei do tom que usastes- Respondeu-lhe- Não é nem um pouco digna esta tua atitude, caro amigo.

  Lucivar bateu o pé e resmungou algo sobre ir embora,deu meia volta e retirou-se.

   Saetaniel suspirou baixinho e com um sussurro indefinido foi atrás do rapaz.

—Amigos muitíssimos interessantes estes teus- Aecanis revirou os olhos.

  Soph coçou a nuca,envergonhada.

— Não preocupe-se- A voz dócil de Maya soou, baixa e suave- Lucivar é assim o tempo todo.

  Belien assentiu,vigoroso.

— Meu pai diz que Astaroth é orgulhoso como um gato chutado, creio que nosso garoto de ouro herdou alguma coisa do pai- Belien sorriu para ele- A propósito,estou honrado em conhecê-lo. Lúcifer está realmente alegre com você.

— Foi por pouco –Shophyen comentou e olhou para Aecanis,cúmplice.

  A conversa a partir daí fluiu muito bem.

  Aecanis informou-se sobre as diversas guerrilhas políticas existentes na corte infernal e nos seus arredores, a ele foi narrada a famosa Queda, a qual o daemons sabia apenas pedaços vagos.

 Belien encheu o peito e contou-lhe que boa parte da trama deveu-se ao seu pai. Belial, tenente de Lúcifer, qual tinha mais de 80 legiões demoníacas a seu comando e, segundo Shophyen, o inferno inteiro aos seus pés.

— É verdade que Belial é consorte de Lúcifer?- Aecanis perguntou,arqueado uma sobrancelha.

—Não duvido- Comentou Maya- Já viram como Lady Lilithy olha para ele? Ouvi dizer que depois do Herdeiro o casamento deles vai de mal a pior.

  Um tempo depois,um pequeno grupo de ruivos adentraram,apressados, um conjunto de tendas espalhadas pela área desacampada do palácio.

—Quem são?-A mestiça indagou,curiosa.

— São seres do fogo— Respondeu-lhe Belien- Os videntes.

  Shophyen assentiu calmamente antes de bater três palminhas inquietas.

—Dizem os rumores que todo daemon deve consultar um ignis após ser eleito como parte da corte-Olhou de esguelha para Aec- Vá lá!

  O filho de Belial também o encorajou, empurrando-o para frente.

  Aec havia visto há duas luas uma comoção na entrada do Inferno.Vislumbrou de longe a chegada dos ignis. Aparentemente sabiam que algo de importante (como o surgimento de um Príncipe) iria a contecer.E estavam certos. Os ignis podiam circular todos os lugares que quisessem.Céu.Terra.Inferno.

  O que era mais do que a maioria conseguia.

—Tem certeza?-Aecanis arqueou uma sobrancelha,olhando desconfiado para a tenda mais próima.Nunca vira nenhum ignis pessoalmente e não sabia se queria ver um.

—Isso é um ritual de passagem-Shop falou,insistente- Assim que eles ganham seus nomes! Lúcifer, A Estrela Da Manhã Caída. Astaroth, o Enganador. Lilithy, a Serpente. Você tem que ter um nome também!- Belien e Maya assentiram,febris. Ter um segundo nome era a coisa mais elevava o status de um demônio.

  Aos tropeços e empurrões ele foi jogado dentro de uma barraca de tecidos cor de vinho.Era a menor e mais próxima.

  Era uma tenda simples,haviam prateleiras repletas de vidros com conteúdo duvidoso.Líquidos coloridos,ervas ressequidas e outras coisas mais suspeitas.Livros estavam atirados ao chão. Aec viu duas bíblias. A do céu e a do inferno.Um odor peculiar estava entranhado na tenda.Algo como incenso ou fumaça de fogueira.E havia um homem.

  Era ruivo.Muito ruivo,os cabelos tinham um tom fugaz de alaranjado e a luz que incida sobre eles fazia-o parecer que estavam em chamas. Tinha olhos vermelhos de labaredas vivas.o que o davam um ar incrivelmente insano.Era pálido e parecia jovem,mas quando se tratav de imortais a idade sempre é confusa. Aecanis podia dizer tantoq eu ele tinha seis ano quanto dizer que tinha seis mil.

—Ahn...-Corou,subitamente envergonhado-Olá? 

   Os olhos do homem faiscaram,maliciosos.

—Que há? Varãozinho? – Ele aproximou-se lentamente, gracioso como um gato- Que queres de mim?- A voz era um profundo ronronar e baixou uma oitava quando ele lambeu os lábios- És um demoniozinho bem agradável de se olhar, sou Quatuor,vistes provar dos prazeres da carne?

—Não!-Exclamou,tímido-Eu só...Vim consultar...

  O homem franziu as sobrancelhas,o desejo morrendo nos olhos avermelhados ao passo que ele bocejava,entediado.

— Então só viestes me explorar?- Revirou os olhos- Vejamos,dá-me tua mão.

  Receoso,ofereceu a sua esquerda para ele.O ignis tocou-lhe o pulso e seus olhos saltaram de tamanho. A mão do homem envolveu seu pulso e apertou-lhe com força.

—Oh...Argh!-Os olhos vermelhos cintilaram,brilhantes,loucos e cheios de fogo.Aecanis ganiu com a mãos do homem apertando a sua com força demais.Sua pele estava fumegando-Eu vejo...-A voz era um timbre rouco,o som que uma fogueira faria se pudesse falar.Olhava dentro do corpo do jovem daemon-Eu...-Então a voz dele mudou.Parecia que várias pessoas falavam dentro de um som só:

   Aecanis Luz Da Meia-Noite.

Seis traições iráprovarr:Uma por ira,duas por amor e três por orgulho

Seis lágrimas irá chorar:Uma por ódio,uma por amor e quatro por tristeza

Seis mortes irá vingar: Uma por inveja,três por soberba e duas por amor

 Seis corações irá quebrar: Quatro por raiva, um por orgulho e  um por amor

   Aecanis,Filho De Seis,Príncipe Das Sombras,Esposo de Mentiras,Rei da Dubiedade.’’

                                       ***********************

—Saímos- Aecanis anunciou, deixando um suspiro de alívio escapar pelos seus lábios quando a pressão em seu corpo parou subitamente.

—Aqui não é lugar de alívio- A ignis olhou para a sua volta,seus olhos nunca captavam nada.Ou estavam muito na frente ou muito atrás.

   O daemon contemplou o lugar. O Plano Nulo acabara de ser ultrapassado, o Jardim de Lilithy encontrava-se todo a sua disposição em sua frente. Estendia-se em árvores frondosas de copas altas,terreno irregular e sons peculiares.

—Guarde as asas-A mulher ordenou-lhe- Os chifres e os olhos. Não é mais nulo por aqui e você está emanando uma aura muito forte.Se quer seu anjo torto terá que chegar sem chamar atenção.

  Aec arqueou uma sobrancelha,era a primeira vez que conseguia entender plenamente algo que a mulher havia dito sem precisar de grandes esforços.E mais,ela estava certa.

—Quer ficar sozinho?-A ruiva fez um gesto para as asas escuras do homem.

  O Luz Da Meia-Noite fez uma careta e assentiu.

—Demônios são orgulhosos demais,por isso não escutam.Ou enxergam-Ela murmrurou,dando as costas para Aecanis e se distanciando-Não que seu anjo por nãos ser demônio consiga fazer isso.Afinal ele é tão demônio quanto qualquer demônio.Mesmo que não seja demônio algum.E mesmo os anjos que não são como os demônios não enxergam ou ouvem...

  E continuava o monólogo á medida que adentrava na floresta e sua voz desaparecia.Aecanis decidiu ignorar os loucuras que ela falava e limitou-se a começar a desabotoar sua camiseta.

  Esperava com sinceridade que suas ‘’passagens’’ não estivessem muito enferrujadas.Fazia um bom tempo que não as utilizava.Raras eram as vezes que retirava suas asas,então raras eram as vezes que tinha que as guardar.

  Após concluir a empreitada de retirar a camiseta, qual de fato era sim uma grande empreitada se valendo no motivo que ele demorou um bom tempo para adaptar suas camisetas as suas asas.

  Pendurou-a em um galho baixo e mais ou menos limpo e centrou-se na sua tarefa.

 Inspirou lentamente,sentindo uma leve queimação nas costas.Que logo se transformou em dor.

E logo se transformou em uma dor muito excruciante.

  Sentia os músculos e ossos das costas se separaram lentamente a fim de receber suas asas.

  Sentiu o espasmo de suas costelas para se afastarem o melhor que podiam.

Sentiu um líquido morno escorrer pelas laterais do seu corpo e suas asas se acomodarem dentro de si.O solhos nublaram-se de dor e em um espasmo ele caiu de joelhos ao chão.

 Ofegou rapidamente a medida que os músculos,ossos e pele se acomodavam e assentavam-se em seus devidos lugares.

   Sentiu,por fim,a sua pele se juntar,inocente,como se nada houvesse acontecido.

   Olhou ao seu redor e notou que estava em uma poça escura do seu próprio sangue.

  Passou a mão pelos cabelos e viu que seus chifres haviam seguido o exemplo e se enfiado,de alguma forma,para dentro da sua própria cabeça.

  Sabia que seus olhos haviam abandonado a cor vibrante de escarlate e assumido o negrume de noite que tinham.

—Terminou cego-surdo?- A mulher entrou em seu campo de visão e sem expressão contemplou a cena sangrenta.

—Terminei-Ofegou,cansado- Não deveria ser tão trabalhoso quanto é.

—Não é natural,tolo-Fungou a ignis- Vocês demônios que inventaram de disfarçar-se de humanos,os anjos só seguiram o exemplo.

  Aecanis cruzou as pernas estiradas,nem de longe pretendendo levantar enquanto não tivesse recuperado o fôlego ou  a maioria das faculdades mentais que possuía.

  A ruiva sentou- se ao seu lado e franziu o nariz.

— Ópio- Decretou ela, sem o olhar- Esse é o odor do sangue de demônio,certo?

—Certo-Ele inclinou a cabeça para trás e apoiou-se em uma árvore-E agora este terreno está infértil.Completamente.

— Dizia-se que daemons não sangravam- Ela comentou, Aec tentou ao máximo a olhar nos olhos,mas isso era impossível.Suas íris desfocadas dançavam e davam cambalhotas dentro de suas orbes.

— Diziam que anjos não sagravam- Puxou sua camiseta do galho e a vestiu- Mas eles o fazem tão bem quanto qualquer demônio.

 - E mestiços? Sangram?- Indagou-lhe,inclinando a cabeça para um lado- Sangram quando os fazem sangrar?

  Aecanis crispou os lábios, sentindo um gosto agridoce na boca.

— Sangram- Respondeu-lhe,levantado-se-Vamos embora.

  E Aecanis,Filho de Sete,dizia aquilo por sua própria experiência.De fato os mestiços de anjos e demônios sangravam quando você os fazia sangrar.