Guertena escrita por KyonLau


Capítulo 20
O Mundo Real


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo saindo gente! Eu espero que tenha enfatizado tudo o que era necessário enfatizar e, ainda assim, não tenha ficado algo ruim de ler. Realmente espero...

Soundtrack: "Prelude in C Minor"
https://www.youtube.com/watch?v=OKSBikaKtY0&index=2



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Ib de fato os guiou para fora daquele lugar bizarro, feito de giz de cera. Foi quase um alívio quando Iza viu que as coisas passaram a ser mais reais e palpáveis. Agora o trio descia uma longa, longa escadaria estreita e tão escura que era necessário que se apoiassem nas paredes para não saírem rolando até o chão. Um sentimento de ansiedade começou a invadir Iza. Aquela escada parecia o prelúdio de algo e, com alguma sorte, isso significava que não estavam muito longe de sair daquele lugar.

Rapidamente, ela lançou um olhar para trás, onde Galli caminhava em total silêncio. Claro, não era a primeira vez que ele fazia isso, mas era como se algo o incomodasse. Seu rosto estava escondido atrás da aba do boné, suas duas mãos envolviam a rosa branca, acariciando suas pétalas com os dedos. Seu bastão de brinquedo agora estava se juntando ao par de sapatos dele, perdido em algum lugar enquanto ele fugia dos manequins, no entanto, aquilo já não era importante. Ele jamais precisaria daquilo novamente e tal pensamento fez Iza arreganhar um sorriso que ela nunca imaginou que apareceria dentro daquela galeria.

Quando finalmente chegaram à base da escadaria e saiu de trás de sua guia para poder ver o que os aguardava agora, a adolescente foi invadida por uma sensação de nostalgia que a atordoou por um segundo. Ela agora estava olhando para o átrio da Galeria de Artes, por onde entrara para poder fazer seu trabalho escolar. Parecia tão distante agora, mas ainda conseguia reconhecer a mesa da recepção com seu livro de visitas e os panfletos empilhados à um canto, para os visitantes. À frente, a porta que levava à exibição no primeiro andar e a escada que levava ao resto do evento, logo acima.

— É aqui — a voz eufórica de Iza ecoou pelo prédio vazio e escuro — Nós estamos realmente quase lá!

Ib concordou com a cabeça, contudo, a outra sequer lhe deu atenção. Em vez disso, disparou em direção à escada. Dali para frente ela sabia. Sabia para onde deveria ir e nada a impediria agora. Estava finalmente segura!

Em algum lugar atrás de si, Iza ouviu a voz de Galli a chamar, pedindo para que esperasse, mas aquilo já era pedir demais. Agora não podia parar.

Ela virou os corredores, finalmente todos brancos. Passou pelos manequins sem cabeça. Eles não se mexeram um centímetro sequer. Passou por quadros escuros, driblou bancos de madeira vazios e chegou a um ponto que ela reconhecia. Era onde encontrara Ib pela primeira vez, encarando um quadro que ela agora sabia que se tratava de Garry.

Aquilo a fez parar por um breve momento, permitindo que os seus outros dois companheiros a alcançassem. Verdade seja dita, Iza ainda não havia perdoado Garry ou Ib por terem-na perseguido, juntamente com Galli, mas agora era difícil sentir alguma espécie de raiva ou rancor contra os dois. Se fosse ela, não saberia dizer o que faria se se encontrasse presa para sempre naquele mundo assustador.

Um tremelique perpassou seu corpo jovem. A parede vazia, onde deveria estar O Retrato Esquecido, lhe dava calafrios ainda. Seguiu em frente.

Quando dobraram outro corredor, a visão tão esperada os saudou.

O peito de Iza se apertou e ela começou a sentir os pés e mãos formigarem incomodamente. À frente dos três, a larga parede do corredor era coberta pela maior pintura de Weiss Guertena. De um canto ao outro, do chão ao teto, ela se estendia, majestosa. Formas coloridas se moviam dentro da tela e agora Iza podia reconhecer uma boa parte delas. Bem no centro e logo abaixo da moldura, a conhecida plaquinha dourada indicava qual obra era aquela e Iza se surpreendeu ao ler seu título.

O Mundo Real — disse e quase riu, como se aquilo fosse a melhor piada que já escutara.

Ib foi na frente e, estendendo a mão delicadamente até a tela, afundou seu braço nela. Iza mal conseguia respirar direito quando a mulher virou-se novamente para ela e Galli.

— Por aqui — disse simplesmente — Nós vamos voltar. Tudo vai se acabar.

Iza engoliu em seco, mas acenou com a cabeça. Ib lançou lhe um olhar penetrante por um segundo e mesmo que Iza não soubesse seu significado agora, um belo dia encontraria um qualquer para ele. Ela teria todo o tempo do mundo para isso, afinal!

Depois disso, Ib deu-lhe as costas e afundou ainda mais dentro do quadro até que, por fim, desapareceu.

Era agora. Agora era a vez dela. Iza respirou fundo. Por algum motivo, estava extremamente nervosa, e imaginou que era assim que a pessoa se sentia quando se formava na faculdade ou se casava, o que chegava a ser engraçado. Não havia motivos para estar nervosa!       

A menina apertou firmemente a rosa de pétalas negras entre suas mãos. Nem acreditava, mas conseguira protege-la e proteger a si mesma dentro daquela maluquice! Se ela contasse isso para algum de seus amigos, eles ririam na cara dela, com certeza. Sua fama de covarde sempre a precedera. Mas tudo bem. Mesmo se eles não acreditassem, havia um amigo seu, pelo menos, que acreditaria. Com um sorriso nos lábios, a menina virou-se para Galli. Seria um absurdo não lhe dizer nada, agora...

 O quê?

Galli estava ali, parado logo ao seu lado, mas algo não estava se encaixando. Ele arrancara seu boné, que jazia indefeso aos seus pés. Seus cabelos revoltos apontavam para todos os lados. Seu rosto estava branco como papel, seus olhos, arregalados, refletindo uma raiva incontrolável que queimava. Seu corpo inteiro tremia incontrolavelmente. Ele estendia a sua rosa branca, indefesa em sua mão e, com a outra, segurava uma das pétalas com tanta força que era incrível que não a tivesse feito em pedaços ainda.

— Galli? — chamou Iza, assustada — O que você está fazendo?

— Você me disse que iríamos ficar juntos, Iza! — a voz fina do menino saiu num berro muito, muito pior do que qualquer outro que Garry já houvesse soltado. Aquilo fez o corpo de Iza paralisar involuntariamente — No entanto, lá vai você me abandonar! Por que vocês sempre fazem isso?!

— Do que você está falando? N-nós vamos continuar juntos... Mas lá fora! No mundo real! Nós não tínhamos combinado isso?

Por um momento, Galli pareceu envergonhado. Virou o rosto para o lado da pintura, no entanto, logo em seguida, tornou a olhar para Iza, a raiva renovada e agora, juntamente com outra emoção. Seria remorso? Ou frustração?

— Eu não posso sair daqui! — disse por fim — Eu me prendi no Mundo Fabricado! Junto com todos os outros pedacinhos... Eu sou ele. Mas aqui é solitário demais, Iza! Eu não gosto de solidão... E você prometeu ficar comigo!!

A cabeça de Iza girava agora sem controle. Ela queria vomitar.

— V-você é...?

Iza não pode completar seu pensamento. Galli finalmente puxou a pétala da rosa branca e, para sua surpresa, uma dor lancinante invadiu cada poro da pele da garota. Toda a razão a abandonou, todo o raciocínio, e ela só pode berrar, indefesa. Foi rápido, como tirar um curativo, mas cada segundo se estendeu infinitamente durante esse momento de agonia e, quando Iza deu por si, estava caída ao chão, indefesa e sem fôlego e com a garganta ardendo.

Quando recuperou os sentidos, olhou fixamente para a rosa negra que deixara cair. Como isso acontecera? Por quê a rosa de Galli a estava machucando? A menos que...

Galli foi até Iza e agachou-se, apanhando a flor de pétalas negras. Aquilo fez Iza cair na real. Aquela nunca fora a sua rosa. Galli sempre a tivera, desde o princípio, em suas mãos. A rosa branca. Sua vida.

— Todo mundo quer desesperadamente sair daqui. — ele continuou — Todos querem me deixar. Então que seja. Fiz um jogo e criei suas regras. Assim todos têm o que querem. Mas você é diferente, Iza... Você é minha amiga! Você disse que não me abandonaria! E eu sei que você é diferente dos outros... Por isso pode ficar aqui comigo. Você vai ver, vai adorar. Se quiser ficar, ninguém vai te fazer mal. Logo não vai sentir mais dor, eu juro!

Outra vez a dor a invadiu. Agora, era como estar sendo queimada viva, de dentro para fora. Tudo ardia insuportavelmente. Seus gritos encheram seus ouvidos e mais uma vez Iza caiu na breve inconsciência.

— N-não... — ela finalmente conseguiu dizer — Por... Por favor...

Isso não podia estar acontecendo. A pequena mão de Galli afagou seus cabelos como da última vez. Por que logo com ela?!

Fazendo força para erguer a cabeça, Iza tentou olhar para a figura do menino. Ele estava embaçado devido às lágrimas que escorriam de seus olhos, mas estava tão perto, com uma expressão tão carinhosa...

— Guertena — foi tudo o que a adolescente conseguiu murmurar antes de ver mais uma das pétalas brancas serem arrancadas e o Inferno abrir suas portas mais uma vez — Você... Deveria ser m-mais... Velho...

— Esse é o meu mundo, Iza — explicou a voz distante do menino — Posso ter a idade que quiser aqui, contanto que eu tenha minhas lembranças. Vê?

A última palavra não era mais a de um menino. Era grave e sussurrante. Iza sentiu mãos bem maiores a envolverem e virarem seu corpo de modo que ela tivesse uma boa visão da versão adulta de Galli. Seu rosto deixara de ser rechonchudo e se alongara. Seus lábios finos sorriam e seus olhos escuros a miravam, animados. Ele parecia ser apenas alguns anos mais velho do que Iza agora. Sua mão livre envolveu um dos lados de seu rosto, mas ela não conseguia sentir direito àquela altura.

A bem da verdade, sua mente agora não poderia estar mais distante daquele momento. Pensava na sua mãe e em seu pai. Eles jamais tornariam a vê-la, agora? Depois de todo o seu esforço para voltar para casa... Por falar nisso, jamais iria zerar aquele jogo que comprara não tinha nem tanto tempo! Parecia um desperdício agora. Lembrou-se de seus amigos e ficou se perguntando se um dia eles iriam desistir de esperar e se esquecer dela.

De repente se sentiu absolutamente arrependida de ter perdido contato com aquela amiguinha da quarta série, mesmo sem saber exatamente o motivo de estar se sentindo assim. Droga, agora ela nem mesmo saberia se tinha tirado uma nota boa na prova de física! Mesmo que, provavelmente, não tivesse conseguido. Se fosse o caso, seu pai iria lhe fazer os seus bolinhos de chocolate favoritos, para aliviar a bronca que sua mãe daria ao ver a nota...

Enquanto Isso, Galli ainda falava mansamente.

— ... E você e eu poderemos ter todo o tempo do mundo — dizia — Eu vou cuidar bem de você. E minhas criações nunca mais irão te assustar. Você vai ver.

Ele puxou outra pétala e depois mais outra. O corpo agora moribundo de Iza poderia estar sentindo tudo, mas era difícil para ela dizer. Depois de um tempo, em que uma dor amortece a outra, tudo passa a ser extremamente trivial. A única dor que permanecia era em algum lugar perto de sua garganta e Iza imaginou ser de lá, e não do coração ou da mente, que vinha a saudade. Curioso. Se ela ao menos pudesse contar sua descoberta para alguém...

Com o pouco de sensibilidade que ainda lhe restava, ela se perguntou se Garry sentira a mesma coisa que ela sentia agora e, lá no fundo da sua mente, imaginou se ficaria igual a ele depois de algum tempo. Torcia para que não. Não queria machucar ninguém.

Num mundo muito, muito distante dela, Iza sentiu a testa de Galli encostar-se na sua e sentiu sua respiração calma e morna sobre sua face.

Durma bem, Iza. Logo nos veremos de novo... Eu prometo.

E a menina finalmente afundou-se em sua inconsciência.


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Notas finais do capítulo

Nem tô crendo que isso tá acabando, mel dels.....
Comentem o que acharam :3



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