Já era tarde, muito tarde, e como costume eu estava fazendo uma ronda noturna dentro da casa, meu turno já havia acabado, mas eu insistia em ver tudo uma última vez, acho que assim eu me acalmava mais, a noite estava tranqüila, tanto é que eu vestia apenas a blusa branca pólo e a calça preta, sem blazer e sem gravata, fazia tempos que não tínhamos um sossego e eu me sentia até mal por estar todo relaxado daquele jeito.

         Finalmente havia decidido acabar meu turno e me dirigia ao quarto, mas minha teimosia era maior, e fui ao encontro do aposento de Hime uma última vez, para ter certeza absoluta que nada estava errado.

          Parei em frente ao seu quarto e olhei ao redor, tudo normal, acho que agora poderia ir tranqüilo e me virei para ir embora, mas parei subitamente quando escutei baixos soluços vindo do quarto de Uni, eu voltei a porta do quarto, sabia que não deveria entrar nos aposentos de uma menina, principalmente quando essa menina é sua chefe, eu nem pensei em bater na porta, minha preocupação era maior e bloqueou minha mente para essa idéia, suspirei umas duas vezes e adentrei no cômodo.

            - G-Gamma? – Uni estava assustada com a minha presença

            Eu continuava parado na porta com a mão sobre a maçaneta, olhando para ela. Uni estava no centro da cama relativamente grande para o seu porte fazendo com que ela sumisse entre os lençóis brancos, a luz da lua iluminava o quarto e reluzia na princesa, ela estava encostada na cabeceira da cama, abraçando um dos milhares travesseiros, as bochechas rosadas e os olhinhos vermelhos com lágrimas pesadas ainda caindo, as mangas do pijama estavam encharcadas com o secar do choro, mas, mesmo assim, ela continuava linda.

            - Gamma? – ela me chamava de novo já que da primeira vez não houve retorno de minha parte.

            - Hime, o que faz acordada a essa hora? E... – parei antes de continuar – porque está chorando?

            Ela mordeu o lábio inferior tentando conter as lágrimas e depois enterrou a face no travesseiro para abafar o som.

            - Hime? – minha voz saiu mais baixa do que pretendia e andei devagar ao seu encontro, parando ao lado da cama e ajoelhando para ficar ao alcance de seus olhos, depositei minha mão em suas costas afagando-as. – Hime o que foi?

            Uni levantou o rosto pausadamente e me encarou com aqueles olhinhos doces, fui percebendo que ela largava o travesseiro aos poucos e nem me dei conta que ela envolvia seus finos braços em torno do meu pescoço, só dei por mim quando sua cabeça estava em meu ombro que secava suas silenciosas lágrimas.

            - H-Hime?!

            - Gamma... – o rosto ainda encoberto – Você não vai me deixar, vai?

            - De onde você tirou essa idéia, Hime?

            - ... Não quero perder você assim como perdi a mamãe. – ela apertou mais o meu pescoço.

            Uma angústia foi crescendo em meu peito, o que eu poderia falar em um momento desse?

            - ... Eu nunca vou te deixar, Uni – apertei-a contra mim. – Vou estar sempre ao seu lado.

            Uni distanciou-se um pouco, mas mantinha seus braços envolta de meu pescoço, as lágrimas começavam a secar, ele me olhava agora com carinho.

            - Obrigada, Gamma!

            Seu sorriso era tão lindo que não consegui evitar de corar.

            - Você estava chorando porque pensou que eu a deixaria?

            - ... É-É – as bochechas vermelhinhas

            Fechei meus olhos e encostei minha testa com a dela, uma proximidade que fez meu coração se sentir bem e leve, eu sabia que ela estava sorrindo.

            - Estarei com você, não importa onde, mesmo que você siga por um caminho sem volta, eu vou caminhar ao seu lado, e passarei por cima de quem quer que seja para ficar com você e protegê-la. – Me afastei, ela segurava o choro agora de alegria. – Vamos, pare de chorar, já está tarde, você tem que dormir – esfregava as costas de minha mão em suas bochechas para secá-las.

            - Hai! – Ela sorriu

            - Venha, eu vou te colocar para dormir! – peguei-a no colo como uma verdadeira princesa, seus braços ainda envolta de meu pescoço, puxei o lençol e coloquei-a novamente no centro da cama, fazendo-a soltar-se de mim – Boa noite, Hime – Eu a cobri.

            - Boa noite Gamma!

            Permaneci olhando seu rosto por míseros segundos e me aprontei para deixar o aposento, mas quando me virava para ir percebi que Uni me puxava à camisa.

            - Hime? – suas mãozinhas puxavam-me delicadamente

            - Gamma... – Ela olhava diretamente meus olhos – Dorme comigo?

            - O que?! – estava surpreso

            - Por favor... – Seus olhos se desencontraram dos meus – Eu... Eu estou com medo de que você saia e nunca mais volte.

            Frágil, era essa a palavra que eu procurava, Hime era frágil. Suspirei e coloquei uma de minhas mãos na cabeça.

            - Vai um pouco para o lado. – Ela sorriu indo para o canto e levantando o lençol para que eu deitasse, sinceramente, eu não sabia onde estava com a cabeça.

            Deitei-me ao seu lado de frente para ela com um dos braços servindo de apoio como um travesseiro, ela veio ao meu encontro, encostando sua cabeça em meu peito fechando os olhos, eu a envolvi com a outra mão puxando-a mais para mim.

            Uni agora dormia como um anjo, aconchegante em meus braços, sua face era calma e ao mesmo tempo demonstrava segurança, uma menina tão pequena, tão jovem, mas que já carregava nos ombros o peso de comandar uma família e a dor de perder uma mãe.

            Em um curto período de tempo Uni conseguiu cativar a todos da Giglio Nero, principalmente a mim.

            Apesar de fazer de forte eu sabia que, por dentro, Uni continuava sendo uma criança, uma doce menina que foi obrigada a amadurecer rápido demais, ela era como um vaso de porcelana, tão lindo, bem trabalhado em cada detalhe, com uma aparência forte e delicada, mas que apenas um empurrãozinho se estilhaça no chão em mil pedaços, e eu queria ser aquele que junta os cacos e os reúne, um por um, formando, novamente o magnífico vaso.

            - Gamma? – Uni mantinha os olhos fechados, ela se aninhava em meus braços e segurava minha camisa.

            - O que foi, Hime? – meu olhar estava fixo em seu rostinho de menina.

            - Eu te amo, Gamma! – ela sorriu, ainda com os olhos fechados enterrando sua cabeça no meu peito, suspirando e adormecendo logo em seguida.

            Não me deu tempo de pensar, seu sorriso era lindo e cativante, não conseguia responder nada, apenas a abracei mais forte, estava feliz de receber seus doces sentimentos, tão puros.

            “Também te amo, Hime” pensei comigo mesmo, “Também te amo”, fechei meus olhos e só acordei quando o sol batia na janela do quarto e ela permanecia linda em meus braços, intacta, como um magnífico vaso de porcelana, com os estilhaços colados por mim durante a noite.