A Morte Também Salva escrita por TiaSebastiana


Capítulo 4
A garota que mudou tudo.




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A garota mais linda do universo. Ela se foi. Seguiu caminho para o distrito comercial.

Era hora de voltar. O sol começava a se por, se escondendo por entre as árvores e os vales, bem longe do povo da nossa cidade, fugindo para um lugar em que ninguém aqui jamais poderia imaginar.

Segui para casa, minha mãe ainda estava lá fora, conversando com a vizinha. Eu sorri para elas e entrei em casa, ambas estavam com uma expressão triste e cansada em seus rostos. Entrei direto para casa. Tinha passado o dia sem comer e sem tomar os remédios. Subi as escadas, primeiro queria um banho.

Aquela garota não saia do meu pensamento, seu jeito, seu sorriso... Como será que era seu nome? E por que ela estava indo pro distrito comercial?

Me perdi nos pensamentos, esquecendo da hora. Sai do box quando a água quente estava acabando.

Fui para a cozinha, minha mãe estava fazendo o jantar. Levantei as mangas da minha blusa e comecei a ajudar, primeiro lavando a louça e depois colocando a mesa.

— Você sabe que não precisa querido...

Eu sorri em resposta. Precisava sim. Ela me evitava olhar nos olhos o tempo todo, mudava de assunto e se desviava de mim quando ficávamos frente a frente.

Por fim, o jantar estava pronto. Sentamos para comer e contei sobre a garota.

— É a primeira vez que você fala sobre garotas... Isso é... aha...

Ela começou a tossir descontroladamente, meu sorriso desaparecia.

— Mamãe? Mãe?!

Seu nariz começou a sangrar, ela estava sem ar. Corri para o telefone e disquei a emergência. A voz cansada que me atendeu parecia surpresa ao ter uma emergência de verdade por aqui, mas mesmo assim cumpriu com o protocolo e em poucos minutos eles já estavam em casa.

Ela ainda estava consciente, chorava muito e não conseguia respirar direito. Eu segurava suas mãos geladas e tentava a todo custo fazer com que se acalmasse. O hospital ficava depois do distrito comercial, no final da cidade. Poderia ser um hospital de fim-de-mundo, mas tinhas os equipamentos para ajuda- lá a respirar. Não sai de seu lado. Na ambulância, nos corredores, em lugar nenhum soltei de suas mãos. Ela sorria para mim, o mesmo sorriso triste do dia do funeral.

— A partir de agora você não pode entrar garoto.

Uma enfermeira me alertou, me deixando parado na frente de uma porta grande e branca. Fui para a ala de espera, atônito. Tudo tinha acontecido tão rápido. Como tudo aquilo poderia acontecer? Estava tudo bem na manhã... Ela, ela ficaria bem certo?

Os minutos foram passando, se tornando horas e minha preocupação não diminuía. Eu perguntei diversas vezes às enfermeiras como ela estava, mas todas se limitavam a balançar a cabeça negativamente. Sem resposta. Os médicos ainda estavam a examinado.

As horas incontáveis de agonia acabaram quando um médico veio até mim e disse que eu poderia vê- la. O segui até uma sala da emergência, minha mãe estava deitada em uma cama, ligada por aparelhos.

— Ela... Ela vai ficar bem?

Ele respirou fundo antes de responder.

— Sua mãe está com um câncer avançado no pulmão. Agora é impossível fazer uma operação, e... Bem, a quimioterapia só iria fazer com que ela sofresse, pois já está muito avançado. Eu... Sinto muito Ikki. Se ela tivesse vindo alguns meses antes... Ikki?

Câncer. No pulmão. Não poderiam a salvar.

Câncer. Ela iria morrer.

Mamãe... Minha mente girava. Quando e como isso foi acontecer?

— Ikki? Você está bem?

— Como eu poderia estar?

Olhei minha mãe mais uma vez, sentia as lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Todos na cidade sabem do que vem acontecendo Ikki. Mas sua mãe não dava queixa na polícia... Eu tenho que te dizer que isso não tem nada a ver com seu padrasto. Você pode ficar no hospital... Até... Bem, você sabe.

— Quanto tempo?

— Talvez uma semana. Eu sinto muito Ikki.

Ele me abraçou. Do mesmo jeito que tinha feito quando fizemos o funeral do meu pai. Eu não retribui. Continuei olhando minha mãe, chorando em silêncio.

O Dr. saiu, dizendo que logo traria algo para eu comer. Me sentei ao lado de minha mãe apertando sua mão com força.

Passei a noite ao seu lado. Chorando. Não percebi a enfermeira trazendo biscoitos. Não percebi o sol amanhecendo e só percebi o gato quando ele miou para mim.  Um gato preto de olhos cinza escuro estava sentado na janela, miando tristemente para mim, observando minha mãe e nossas mãos dadas. Gatos eram espertos assim?

— Vai embora... - Sussurrei, virando o rosto de volta para minha mãe.

— Tem certeza?

Eu pulei da cadeira, olhando para a janela. O gato não estava mais lá.

— Ikki? É melhor você ir para casa. Eu fico com Marta agora. Descanse.

Pulei de susto novamente, dessa vez era nossa vizinha, Sue.

— Sue... Eu...

— Descanse. Nós já contamos ao seu padrasto. Ele... Também precisará de apoio.

— Obrigada.

Eu sai do quarto da minha mãe. Sue pegou ser terço da bolsa, começando a rezar em silêncio. Eu voltei pra casa, passando pela ponte. O gato estava lá. Deitado despreocupado no muro. Passei por ele, lembrando da voz que tinha escutado no hospital.

— Sinto muito pela sua mãe.

Me virei com um grito, eu estava ficando louco! A garota estava lá. Apoiada despreocupadamente no muro, olhando o rio.

— Onde... Onde está aquele gato?

— Gato?

Eu estava vendo coisas. Era demais para mim. Eu me virei para o muro, vomitando no rio.

— Você está bem? - Ela passou a mão nas minhas costas.

— Todos perguntam a mesma coisa... Como eu poderia estar?!

Recomecei a chorar. Abaixando atrás do muro. Ela se ajoelhou ao meu lado, colocando a mão no meu ombro.

Enquanto eu chorava, engasgava e tossia, ela ficou ali, em silêncio comigo.

Mais uma vez, os minutos foram se tornando horas, e quando me dei conta, o sol estava se pondo novamente.

— Eu... Obrigada.

Ela sorriu para mim, me ajudando a levantar. Pude finalmente perceber suas feições, seu corpo e seus roupas. Ela tinha os olhos grandes e alegres, as bochechas altas e rosadas, e os lábios mais perfeitos que eu já tinha visto. Seu corpo era de uma modelo,seios grandes e cintura fina, mas suas roupas eram como se estivesse presa em outro mundo, tinha meia- calça (agora rasgadas por ficar ajoelha ao meu lado) e um vestido rodado e largo, tudo preto, combinando com o cabelo. A garota mais linda do universo.

— Eu te vejo depois. Tenho que voltar ao trabalho.

Ela se virou, indo ao distrito comercial de novo. Eu queria perguntar seu nome. Elogiar seus olhos e saber para onde ela iria. Mas, eu sou um babaca.

Segui para a casa, entrando no hall escutei uma conversa na sala, segui em direção a sala, passando pelo corredor mal iluminado.

— Aahn... Como você é malvado!

Malvado? Parei na entrada da sala. O coração gelado na boca do estômago. Serrei os punhos, com a respiração ofegante. Soquei a parede com força.

Os pombinhos pararam com sua ceninha para olhar o som.

Uma mulher ruiva, de uns 20 anos estava sentada no colo do meu padrasto. Ele riu para mim.

— Eu disse que a situação iria piorar, não disse? Ha ha ha!


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