A Morte Também Salva escrita por TiaSebastiana


Capítulo 14
A história da Lua




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“Lunna Thyrog. A segunda filha de Hulda e Thyrog.“ Ela entoava cada palavra parecendo uma canção, sem demonstrar sentimentos, como se estivesse falando de uma dor muito grande de muito tempo atrás. A dor não existia mais, mas a cicatriz ainda estava ali. Ela suspirou e continuou.

“Colocávamos como sobrenome o nome de nossos pais, assim não confundiríamos quem era filho de quem. Ganhei o nome de Lunna, por nascer na lua cheia. Lunna significa Lua. Essa é a história de Lunna, a Lua. Minha mãe cuidava da casa e eu do gado. Meu pai trabalhava na lavoura e meu irmão em uma destilaria. Era difícil, mas, sustentava. Nossa vila era grande e ficava perto de uma estrada que ia para uma cidade relativamente grande da época, assim o lugar vivia cheio de forasteiros. Meu irmão ficou bem empolgado quando soube que viria um monge morar perto da nossa vila. Ele sempre quis buscar por iluminação... Eu tinha visto o sujeito por uma ou duas vezes na destilaria. Até o dia que o meu irmão o chamou para a ceia na em nossa casa. Quando se sentou a mesa, se mostrou uma pessoa maravilhosa. Todos ficaram encantados com o seu caráter, com suas histórias e seu jeito simples de pensar. Eu já tinha 15 anos, estava mais do que em tempo de casar. Naquela época era difícil ter alguém mais velho do que 30 ou 35 anos. Sendo assim, fui prometida em casamento ao monge. Ele não perdeu tempo, fez os preparativos e me levou com ele. Aqui, entra a memória que você viu. O monge não era um monge de verdade. Ele me torturou por três dias seguidos, e ao final do terceiro resolveu que iria me estuprar e me mandar de volta à vila. Mas, eu era uma menina forte... Eu lutei contra ele, perdendo feio. Ele me espancou até que eu desmaiasse e me jogou num rio. Eu ainda não estava morta. Um forasteiro me achou jogada na margem do rio... Estava há dias sem comer nada e completamente abalada. O forasteiro me salvou. Lembro de ter visto ele uma ou duas vezes na vila, sempre de passagem. Você consegue imaginar quem ele era Ikki?“

Eu só conseguia balançar a cabeça, estava vidrado na história da Lua, imaginando cada detalhe seu.

“Seu nome era Reo, ele era um ceifador. Quando ia a vila, ia para fazer a passagem de alguém. Ficamos muito tempo juntos... Tempo o suficiente para que eu soubesse de tudo, tempo suficiente para que nós apaixonássemos. Ele era quase tão velho quanto o mundo, estava cansado. Eu o amava de coração, e como já estava morta... Não entenda errado, todos da vila pensavam que eu tinha me afogado depois de uma briga com o meu marido. Aquela vila era meu mundo, meu mundo antes de Reo. Ele me explicou como eu faria para dar a ele seu descanso. Era impossível, até para mim, que era uma menina forte. Reo teria de me matar, e no último segundo trocar de corpo comigo. Assim eu assumiria seu corpo e ele morreria no meu lugar. Era impossível para ambos.“

Lunna secou uma lágrima enquanto acendia a última vela do altar.

— Ikki, quando sonhamos, eu digo para que você troque de lugar comigo. Essas foram as últimas palavras de Reo.

Eu não respondi. Encarei o altar com Lunna, enquanto ela voltava a sua história.

“Muito tempo tinha se passado, nosso amor só aumentava e nossa confiança também. Até um dia muito chuvoso, do qual eu me lembro bem. Eu estava voltando para a nossa casa, tinha ido colher frutas... Eu escorreguei em uma pedra lisa do rio e cai. Eu fui levada pela correnteza por vários metros, estava quase desistindo de lutar quando vi Reo correndo para mim. Eu me agarrei em uma pedra, enquanto ele tentava a todo custo chegar até mim. “Troque Lunna! Troque e se salve!”Eu não queria morrer... Não queria acabar assim. Eu fechei meus olhos e concentrei meus pensamentos nele. Eu via meu espírito deixando meu corpo, cruzando com o espírito de Reo e entrando em seu corpo. Era estranho trocar, parecia que trocávamos de lugar. Não de corpos. Reo sorriu para mim uma última vez, e se soltou da pedra que eu segurei segundos antes. Nunca achei seu corpo... Sei que ele descansa em paz agora, pois eu herdei todo o seu serviço. Eu me tornei Reo, o ceifador. Reo se tornou a Lua.“

Toquei o rosto frio de Lunna com a ponta dos dedos, pegando uma lágrima.

Passei o braço livre pela sua cintura e abracei forte. Me vi perdido em seus olhos cinza, colado em seu corpo frio. Eu iria beijá-la dessa vez.

Atrás de nós, uma porta se abriu rangendo.


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