Lá estava eu novamente, sentando naquele mesmo sofá sujo e fedido... Não só o sofá fedia, mas o ambiente todo. Uma mistura de mofo, sujeira e sangue, tantas vezes já estivera ali que tinha me acostumado a “apreciar“ o lugar. Livros e todos os outros apetrechos esquisitos preenchiam as paredes até o teto, não havia nenhuma lâmpada ou vela acessa. A única luz que eu poderia ver era aquela que se acenderia ao fundo, trazendo três figuras das sombras...

Sonhos geralmente são rápidos. Mas esse não. Era demorado até demais. Eu me via por horas sentado ali, sem conseguir me mexer. Quando contei ao meu psiquiatra sobre, ele disse que era apenas um reflexo da minha mente perturbada pelas brigas constantes dos meus pais.
Um reflexo todos os dias. Por mais de uma semana. Eu já havia decorado o sonho todo... Logo que a luz fosse acessa ao fundo, uma garota começaria a gritar algo para mim e...
Dessa vez o sonho foi interrompido.

Eu acordei com o som de batidas na porta, respirei fundo. Sabia o que viria a seguir. Me vesti rapidamente com a primeira roupa que consegui encontrar na escuridão do meu quarto e puxei o celular debaixo do travesseiro, sábado, 03:34 da manhã, meu padrasto tinha chegado em casa. Desci as escadas em silêncio, observando minha mãe indo até a porta deixar o maldito entrar. Mal conseguindo abrir a porta ele entra derrubando o cabide de roupas no chão, minha mãe tão submissa, se limita a olhar a cena sem nenhum som. Ele reclama alguma merda sobre deixarmos a porta trancada e vai para a sala, ordenando por mais uma cerveja.

— Isso aqui não é a porcaria de um bar. Você deveria ter voltado do trabalho às seis. - Eu vou descendo as escadas enquanto ralho com ele.
Se mamãe não vai falar nada, falarei por ela. Não adiantava gastar mais dinheiro com terapia de casal e remédios para mim, alguém precisava fazer alguma coisa.

— Querido, você sabe que não precisa...

— Eu não vou mais deixar que a senhora seja tratada assim! Eu estou cansado disso!

— Aha Ha Ha ... Quem é o casal problemático agora? - Meu pai diz rindo entre dentes.

— Você é o único problemático aqui! Se você acha que as coisas vão continuar assim está enganado!
Ele se levantou e ainda meio cambaleando tirou o cinto enquanto lançava um olhar de ódio para minha mãe.

— Você tem razão, agora as coisas vão mudar... Pra pior.

Eu senti a dor primeiro. O golpe esticado na lateral do rosto. Automaticamente coloquei a mão no rosto e o resto veio muito rápido, minha mãe gritou e eu senti o corpo caindo para o lado, uma falta de ar e uma dor enorme no estômago. Ele tinha me dado um soco.

Mamãe veio ao meu socorro, mas apenas apanhou também. Ela gritava, chorava e pedia por ajuda. Eu tentei gritar, mas tudo estava turvo. Eu não conseguia respirar mais. O som dos gritos e das batidas foram ficando cada vez mais baixos e tudo virou escuridão.