Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 22
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Notas iniciais do capítulo

Olá aos sobreviventes de 2019. Ok, eu SEI que dessa vez eu demorei demais, mas olha só, eu já disse que nunca desistiria de escrever essa fanfic, né? Cá estou eu atualizando esta digníssima depois de três anos.
Sobre o porquê de ter demorado tanto… Colocando de forma sucinta, é difícil escrever uma história sobre superação do luto - etc - quando você mesmo está passando por esse processo. É, foi foda, é foda, mas aqui estou.
Quero dedicar esse capítulo, ou melhor, a publicação dele aos meus amores que, agora, só podem me acompanhar no coração. Eu consegui, eu postei!

Lembrando que esse capítulo era pra ser a segunda metade do anterior, mas que cortei porque ficou tudo imenso e minha escrita está indomável e tudo junto teria dado umas, hm, vinte mil palavras.



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— Hoje vamos decidir o que vai ser feito com o dinheiro que a turma arrecadou no festival. – Ouvi um aluno comentar próximo a mim logo que me sentei na minha carteira. Não dei muito importância àquela informação, afinal, era óbvio que iriam escolher gastar o dinheiro em um passeio em turma para alguma região oceânica durante as férias de verão. Voltei meu olhar para a porta por onde acabara de passar, Neji ainda estava lá, olhando-me com um sentimento que me pareceu ser de preocupação em uma mescla com hesitação.

E tudo porque eu era, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais azarada do planeta! Como era possível, entre tantos dias e horários, justamente na manhã do dia em que decidir agir, o carro do diretor Mirose ser danificado por algum delinquente e ele ter que gastar seus primeiros momentos do dia numa delegacia prestando queixa e tendo que se atrasar por causa disso? Mal pude acreditar nos meus ouvidos quando a secretária dele nos informou da notícia quando tentamos entrar no gabinete. Graças a esse empecilho, Neji, mesmo convencido de que, agora, mais do que nunca, denunciar Toya era necessário, não demorou em sugerir para desistirmos daquilo por hora e irmos para nossas respectivas salas, para que depois planejássemos com mais calma nosso movimento.

Ao ir para minha sala, quase me arrependi de ter explanado o infeliz episódio de Naruto, pois passamos pelo corredor onde fica o laboratório de química e Toya e o resto dos seus cheira-rabos entravam lá, o que deixou Neji um tanto perturbado (não o culpava, minha reação ao vê-lo depois do que ele fez ao Naruto foi pior), e ele, sem pestanejar, passou direto pela sua própria sala quando descemos para o nosso andar e me acompanhou até a entrada da minha e, como se não fosse o bastante, ficou a me observar do lado de fora daquele modo que já estava me incomodando. Ótimo, agora tinha deixado Neji paranóico de novo, e provavelmente pior do que da primeira vez, no início dos meus estudos no Seika. 

— Ei, Sasuke! – A voz de Naruto veio por trás de mim, tirando minha atenção de Neji, que já se virava para ir embora. Provavelmente, ele viu a aproximação de Naruto e, sabendo o que estaria por vir, deixou o abacaxi para mim. Justo, eu era o responsável por aquilo tudo, mesmo. – Você e Neji sumiram, tavam aonde? – Ele finalmente entrou em meu campo de visão, sentando-se na cadeira à minha frente, ainda vazia. Não pude deixar de notar o modo que ele abaixou o tom de voz para fazer a pergunta e como seus olhos estavam sérios, até um pouco acusatórios.

Ele já sabia.

Não havia mais motivo para tentar esconder dele, então fui franco:

— Neji e eu fomos falar com o diretor Mirose sobre o Toya.

Naruto arrastou rapidamente sua cadeira para ficar mais próximo de mim, chegando a bater com o encosto em minha mesa, como se ficar inclinado daquele jeito que estava já não fosse o suficiente para termos certeza de que a nossa conversa não seria ouvida por terceiros.

— Você ficou maluco??! – Ele sussurrou urgente. O fato de Naruto ter se controlado para não fazer um escândalo gritando comigo deixou claro para mim que Naruto tinha mais medo de Toya do que gostaria de admitir.

Levantei minha mão, pedindo para que ele se acalmasse, e respirei fundo, explicando meu ponto a ele da forma mais clara. Além disso, conseguia ser compreensivo com Naruto a respeito dessa dificuldade dele de enfrentar seus medos. Afinal, eu também não era um bom exemplo de como lidar com seus próprios fantasmas... Não me referindo à Sakura, claro.

— Eu contei a Neji o que aconteceu com você porque eu precisava dele para denunciar o Toya. – Naruto chegou a abrir a boca para me interromper, mas ergui minha mão novamente, pedindo-lhe silêncio por enquanto. Surpreendentemente, ele acatou. – Você pode não ligar de ser feito de saco de pancada, mas eu ligo. Não vou deixar que isso aconteça novamente com você, ou com qualquer outro.

Naruto ficou um tempo quieto ainda, não é como se eu dissesse uma coisa dessas todo dia, afinal.

— Mas, Sasuke, se você se expuser assim, o próximo vai ser é você!

— Farei uma denúncia anônima, não se preocupe, vai ser dentro do gabinete do diretor, apenas ele, eu e alguém para me apoiar, no caso, Neji. Tenho direito ao anonimato, o diretor não pode me negar isso.

Pode até parecer piada, mas o Naruto calou a boca para refletir, e de verdade. A única pessoa que precisávamos convencer era o próprio diretor, bastava entregar-lhe testemunhas e provas – o próprio corpo de Naruto já era mais do que suficiente – que o universo de Toya cairia como um castelo de cartas atingido por uma ventania, e essa ventania seria eu.

Antes que Naruto se posicionasse verbalmente a respeito de tudo aquilo, o professor entrou em sala, e ele se viu obrigado a voltar logo para o seu lugar sem me dar uma resposta definitiva, mas eu tinha certeza de que ele toparia, pois no lugar do medo, pude ver um brilho de esperança em seus olhos.

Confirmando a informação dada por um colega de classe, o professor iniciou a aula dizendo que a turma faturou bem no Festival de Inverno, e que deveríamos escolher hoje o que fazer com a quantia. Foi aberto um debate e viagem em turma ganhou por unanimidade (ah, não me diga!). Quando começaram a discutir o destino e as opções já estavam entre duas áreas no campo e cinco em praias, decidi que era hora de dar um tempo naquela baboseira clichê sem sentido. Pedi permissão ao professor para que fosse ao banheiro.

— Daqui a pouco, sim? Senão vai perder a votação. – O professor podia não ter entendido o quão trivial aquilo era, mas eu, sim.

— O Naruto vota por mim. – Disse simplesmente, ignorando o olhar indignado de Naruto.

— Tudo bem, se precisa tanto, vá logo. – O professor logo cedeu, não mais me dando muita atenção.

Não que eu estivesse matando aula, só estava resguardando minha mente de assuntos inúteis.

Até Sakura já havia andado para fora da sala, então certamente estar farto daquilo tudo não era cisma minha, já que a garota viciada em estudos estava escapando junto comigo.

— Nem você aguentou essa reunião, hein? Quem diria... – Comentei casualmente com ela após fechar porta da sala, mas Sakura não pareceu me dar muita atenção. Seus olhos estavam fixos em algum ponto do corredor e sua feição era séria, segui a trajetória de seus olhos para o vazio daquele corredor. – O que foi?

— Quando passamos pelo Toya, ele escondia alguma coisa embaixo da roupa... – Aquela pequena fala me fez mudar de postura imediatamente. Então, ela não saiu de sala porque estava entediada como eu, era muito além disso. Sakura voltou-se para mim, e foi a vez dela ter um profundo de medo no olhar. – Sasuke-kun, acho que ele está planejando algo.

Eu não perdi a fala com a confirmação do que eu presumi que ela estivesse para dizer, mas o espaço de tempo até a minha resposta pareceu muito maior do que ele realmente foi. Ficamos apreensivos com as possibilidades que brotavam sem parar em nossas cabeças e o clima ficou consideravelmente pesado. Mas, antes que ficássemos histéricos com meras suposições, pronunciei-me:

— Vamos lá no laboratório ver o que eles estão fazendo.

Ela apenas balançou a cabeça positivamente e nos pusemos a andar para a escadaria que dava acesso ao andar superior, onde ficava o laboratório de química. Andei com cautela para que não fosse descoberto ali e Sakura, mesmo que não precisasse de tal precaução, permaneceu ao meu lado.

Tal como as outras salas de aula, o laboratório também possuía janelas internas, então precisei andar agachado até chegar a um ponto que pudesse erguer um pouco a cabeça para ver melhor o que acontecia lá dentro. Nesse caso, ter uma companheira fantasma se mostrou muito útil.

— Pode olhar, estão todos de costas. – Sakura me avisou enquanto transpassava a parede para dentro da dependência.

Levantei minha cabeça o mínimo, apenas até a linha dos olhos, para que, então, eu pudesse atestar o que raios estava acontecendo ali. Como Sakura havia me informado, não dava para nenhum dos presentes ali me verem, a atenção de todos estava para a ministração de Toya em uma das mesas de alumínio. Mas eu não conseguia ver o que ele estava fazendo, seu corpo e os dos outros impediam que meu trabalho de espionagem fosse eficaz.

Mas que merda!

— Ele apenas está... juntando líquidos em balões volumétricos. – Sakura, já ombro a ombro com Toya, começou a descrever o que via.

Senti-me imensamente feliz por tê-la comigo naquele momento, não importava que minha visibilidade estivesse estupidamente limitada, Sakura podia ser os meus olhos.

Mas como assim misturando líquidos em um recipiente de laboratório? Era de meu conhecimento que Toya era do Clube de Ciências da escola, estaria ele apenas fazendo um experimento ali, e Sakura e eu estaríamos iludidos, movidos pela força da repulsa por aquela figura?

— No mínimo, são dois líquidos de cor amarela. – Sakura retomou sua descrição, chamando minha atenção novamente. – Um é algum tipo de óleo, não está se misturando com o outro líquido, e esse eu tenho quase certeza de que é gasolina.

Gasolina? Não seria estranho, poderia ser um teste de nível de álcool presente na amostra, mas se este fosse o caso, não haveria nenhum óleo na mistura, e sim, água. Afinal, no que Toya estava trabalhando?

— Será que a proporção está boa? – Uma das companhias de Toya quebrou o silêncio no grupo.

— Claro que sim, desta forma que fiz, vai pegar muito melhor. – Ele ergueu o recipiente de vidro no ar, exibindo orgulhosamente seu conteúdo amarelo. – Podem ir já pegando os outros frascos.

Com um aceno, eles se viraram para fazer o que lhe foi dito e abaixei rápido de volta ao meu esconderijo para não ser avistado. Sakura, notando minha incapacidade de continuar espionando, veio ao meu resgate mais uma vez.

— Eles estão pegando frascos reagentes e um balão de Erlenmeyer. – Ela descreveu, sua voz vindo junto ao barulho suave de vidro sendo manuseado. – Eles já voltaram, pode olhar de novo.

A situação apresentava um certo nível de tensão, mas não era o bastante para me fazer deixar de notar a mestria de Sakura com os equipamentos laboratoriais, principalmente o último que, devo admitir, nem eu conseguiria lembrar da pronúncia.

— O maior é meu. - Ouvi a voz de Toya se destacar em meio aos murmúrios de orientação para o que parecia ser uma distribuição do líquido feito entre os outros frascos recém-coletados. “O maior” no caso deveria ser o balão de Erlenmeyer, imaginei.

— O Toya passou o líquido para os frascos reagentes e o balão de Erlenmeyer. - Sem saber que já havia entendido o que se passava, Sakura continuou sua descrição. - Agora estão guardando o bastão de vidro e o ba…

Pude ver, mesmo de longe, como os orbes verdes de Sakura se abriram mais e suas sobrancelhas se ergueram quando ela interrompeu a própria fala. Aquilo não parecia ser um bom sinal. Ela se virou rápido, olhos já fixos em mim.

         - Eles vão sair agora, sai daí rápido!

         Antes mesmo que eu pudesse processar completamente o que ela havia dito, o grupo já se virava para o lado onde mantinha-me escondido. Meu coração parecia pular uma batida enquanto praticamente me jogava contra o chão. Olhei logo para trás, para a direção da porta do laboratório, checando se ninguém havia me visto e corrido em meu encalço, mas a sorte pareceu estar do meu lado, ao menos dessa vez, pois a única pessoa que estava correndo até mim era Sakura. Seus cabelos róseos balançavam contra as laterais de seu rosto na parada brusca que ela fez após ultrapassar a parede.

         Por um breve momento, nos encaramos para um curto diálogo mudo. Ela olhou para o lado, verificando a posição do grupo delinquente, e voltou-se novamente para mim, acenando com a cabeça.

— Eles já vão chegar aqui, vamos logo!

E foi assim, abaixado, com as mãos apoiadas no chão que me aligeirei por debaixo daquela longa janela interna, me apressando ao máximo para, pelo menos, alcançar a esquina do corredor e me esconder da vista da matilha de Toya.

O clique da maçaneta sendo destrancada soou pelo corredor logo que apoiei uma mão na parede da passagem transversal em busca de apoio. Sentia meu coração bater forte contra minha caixa toráxica, a adrenalina correndo forte no corpo só pelo risco de ser pego sozinho. A imagem de Naruto inconsciente na neve tomou minha mente de assalto, o sangue ferveu pela memória do motivo de eu estar ali.

Mas não era o momento de acertar as contas, eu precisava sair dali antes, garantir minha segurança para então agir e assegurar que Toya pagasse pelo que fez. Um passo de cada vez.

Tentei correr em passadas leves, os passos do grupo estavam se aproximando. Eles vinham na mesma direção que a minha, merda, merda!

A sala de música estava logo à minha frente e abracei a chance dada. A porta ruiu baixo quando a abri ao mesmo tempo em que já me jogava para dentro do cômodo para deslizá-la de volta, os músculos dos braços contraindo de antecipação para não bater a madeira contra o portal. Eles não podiam sequer suspeitar que alguém os havia visto.

Permaneci ali, de cara com a porta, tentando ouvir o movimento do lado de fora. As mãos continuavam firmes na peça de madeira, prontas para impedirem a movimentação da mesma caso alguém tentasse entrar.

Para o meu alívio, os passos seguiram normalmente, sem nem alteração de ritmo, até o final do corredor e se perderem na distância.

Soltei a respiração que sequer tinha notado que havia prendido. O corpo pendeu para cima do portal com a sensação de alívio que lhe tomava. O orgulho doía por aquela situação patética, mas a autopreservação estava grata demais para eu me importar muito.

— Uh… Sasuke-kun? - A voz de Sakura veio do meu lado, e algo no tom dela me dizia que alguma coisa não estava certa.

Virei-me mais devagar do que admitiria naquele instante, e me deparei com uma pequena orquestra em posição. Mas claro, eles não estavam praticando cada um com seus respectivos instrumentos ou a organização conjunta, pois estavam ocupados demais me encarando como se, na verdade, Sakura tivesse acabado de se materializar ali.

Engoli um pouco em seco, tentando levar junto o desembaraço de ter meu momento de fuga testemunhado.

— Pois então…

 

— Está aprendendo a lidar melhor com as pessoas, Sasuke-kun. - Por algum motivo absolutamente desconhecido, o tom da fala de Sakura denunciava que ela estava com os lábios repuxados para cima e, de alguma forma, ela estava feliz com o fato de eu ter tido que me virar para explicar aquela situação embaraçosa a um grupo de desconhecidos.

Limitei-me a levantar uma das sobrancelhas e olhá-la de lado. De fato, ela estava sorrindo.

Mas se perguntasse a minha opinião, eu diria que o mérito era mais do Toya do que meu. Foi apenas mencionar o nome dele que conquistei o compadecimento e entendimento de todos os presentes. Era no mínimo perturbador ver a normalização da associação do ato do fuga ao nome de uma pessoa, como se fosse tão normal quanto a conexão óbvia de incêndio e fuga. Era isso, todos daquela escola tinham medo daquele canalha, ele precisava cair.

 

Quando voltei à sala de aula, a votação já havia se encerrado e todos já abriam seus cadernos. Ao me sentar, Suigetsu não perdeu tempo para inclinar a cadeira para trás para chegar mais perto de mim.

— Vamos ficar em um resort em Wakayama! - Ele sussurrou, com uma das mãos ao lado da boca numa tentativa de manter o som entre nós e não alertar o professor da conversa paralela.

Um resort numa das poucas praias ainda próprias para o banho no Japão, por que eu não estava surpreso? 

         Ao invés de voltar a olhar para frente, Suigetsu continuava inclinado me olhando. Ele parecia animado e esperando por alguma resposta da qual eu não fazia ideia da qual seria. Apenas levantei uma sobrancelha em uma pergunta silenciosa, o que fez boa parte da euforia abandonar o semblante dele imediatamente.

— Cruzes, sua felicidade me ofusca a visão. - O sarcasmo veio já quando ele começava a se virar para a frente novamente. - É uma fodenda viagem, você deveria ao menos se animar um pouco com isso.

— E voltamos à estaca zero com a sua comunicação. - Rolei os olhos em direção à única voz feminina que poderia ouvir naquele lugar.

Minha intenção era de censurá-la com o olhar, mas imediatamente esqueci de meu propósito quando vi que Sakura estava sentada em cima da mesa do aluno ao meu lado - cujo nome não fazia ideia -, olhando para frente como fosse muito interessante o que o professor começava a escrever no quadro negro. Em algum momento, ela notou meu olhar nela e rolou a cabeça para o ombro.

— Que foi? - Ela questionou, como se nem suspeitasse do motivo de eu encará-la tanto.

Dei de ombros, voltando finalmente minha atenção para o professor. Não era como se ela fosse atrapalhar alguém, mesmo.

 

— Há uma nevasca a caminho, deve chegar por aqui em menos de duas horas. Foi decidido que os alunos serão dispensados por hoje para que todos possam ir para casa em segurança então, por favor, façam um caminho de volta direto e sem desvios. - O professor voltou para a sala apenas para confirmar o que todos já sabiam que o diretor estava falando com ele do lado de fora; não é como se ninguém estivesse vendo o céu carregado de nuvens e a forma cada vez mais violenta das copas das árvores se comportarem do lado de fora. E não era como se minhas cicatrizes já não anunciassem a mudança de clima, irritando a pele e a carne em incômodo com a umidade crescente.

Pequenos sussurros de comemoração e preocupação foram trocados ao meu redor, disputando a desatenção do professor, que parecia estar para exigir ordem na turma.

Aproveitei para procurar Naruto com o olhar enquanto guardava meu material na pasta, e me deparei com a atípica visão do garoto apático, também guardando suas coisas.

— Ele está até parecendo o seu reflexo desse jeito. - A voz de Sakura veio ao meu lado e, apesar de algum cinismo estar ali, a preocupação era mais evidente. - Não vai deixar ele voltar sozinho, né?

Revirei os olhos para ela, mas era claro que eu iria arrastá-lo comigo para o metrô, eu não era um amigo tão ruim assim - apesar dessa palavra associada a Naruto ou qualquer pessoa ainda causasse alguma estranheza, havia algum certo conforto nisso.

Como se já esperasse alguma atitude de minha parte, Naruto também olhou em minha direção quando os estudantes já começavam a caminhar em direção à saída. Chamei-o com um leve movimento da cabeça, sabia que ele não queria ficar tempo o suficiente no meio dos outros para que alguém notasse o corte no lábio ou a forma que ele favorece levemente o lado direito às vezes. Ele sorriu, grato, e prontamente veio para mais perto, sempre jogando o lado machucado do rosto para o meu lado, a fim de escondê-lo dos demais.

— Logo antes da aula de Matemática! É o meu aniversário e não avisaram? - Suigetsu, por sentar logo na minha frente, foi o primeiro a se juntar a nós, sendo logo seguido por Kiba e Shikamaru.

— Como pode estar animado com isso? Neve é irritante, deixa tudo escorregadio e molhado, um saco. - Shikamaru não perdeu a chance de reclamar enquanto bocejava forte.

— Olha o lado bom, você vai poder ficar em casa dormindo. - Kiba o deu um leve tapa nas costas, tentando animá-lo.

— Qual é a diferença se ele já dorme durante a aula? - Suigetsu riu.

— … Sono mais confortável? - Naruto tentou, entrando um pouco no clima animado do resto do grupo.

— Ok, ok… - O de rabo de cavalo abanou a mão para os outros, tentando dispersar o assunto

— Meninos, por favor, temos pressa hoje. - Acabou sendo o professor quem deu fim à brincadeira com Shikamaru, e fomos logo andando para a saída.

 

— É estranho te ver com um cachecol escuro. É do Jiraiya? - Kiba perguntou sem qualquer maldade após ver Naruto segurando alto o cachecol logo que uma ventania particularmente forte nos atingiu na entrada do metrô.

Os olhos de Naruto piscaram devagar, como se ele estivesse lutando contra eles para não olhar para mim.

— Pois é, eu perdi o meu. - Ele respondeu com um sorriso sem graça, tomando cuidado para que o lado machucado da boca permanecesse por detrás do tecido.

Aquilo não de total mentira, percebi logo de cara. O cachecol laranja-berrante de Naruto estava largado no beco, fadado a ser pisoteado até que a neve derreta e ele seja finalmente jogado no lixo, perdido para sempre, a não ser que… eu mesmo o buscasse. Checando no relógio do celular, vi que ainda tinha um bom tempo de sobra, e aquele fatídico beco não era distante do apartamento de Itachi, ainda mais se aproveitasse o  metrô: era apenas a uma integração e uma estação de distância.

Com plano e rota já estipulados, vi que a minha estação já se aproximava, mas que ainda tinha que me livrar dos outros, que provavelmente iriam querer andar comigo até próximo do meu quarteirão.

         - Parece que liberaram as turmas por ordem crescente. - Comecei a dizer, tentando soar o mais despretensioso possível. - O que quer dizer que saímos antes do Toya e dos seguidores dele, então estamos seguros para cada um andar diretamente para sua própria casa. Não queremos ninguém pego pelo nevasca no meio da rua porque ficou andando por aí sem necessidade.

         Vi um ou outro abrindo a boca imediatamente para se manifestar, mas tão rápido quanto abriram, também se fecharam, porque é, fazia sentido.

         - Acho que tá tudo bem, se todos irem logo pra casa. - Suigetsu constatou, coçando levemente o queixo.

— Uhum, faz sentido. - Kiba falou também. - Até ganhamos um tempo extra assim.

— Certo. - Concordei ao me levantar do assento, o metrô já estava diminuindo a velocidade para o meu ponto. - Vejo vocês amanhã, então. - Balancei a mão de leve para ninguém em específico, mas Naruto ganhou uma olhada especial.

Houve um pequeno diálogo mudo entre nós naquele momento, e pude constatar que ele estava ok para ir para casa sozinho, o que me deixou de consciência um pouco menos pesada.

— Sasuke-kun… - Sakura já veio acusatória logo que pisei fora do vagão. É claro que ela havia notado. - No que está pensando em fazer?

Sujeitei-me a apenas rolar o olhos para ela pela quinquagésima vez naquele dia, não era como se eu planejasse alguma ação kamikaze toda vez que me via livre dos outros.

— Um dia você ainda vai ficar vesgo de tanto revirar o olho pra mim. - Ela cruzou os braços, agora além de desconfiada, descontente também.

Uma leve risada escapou de mim com aquela visão, e aproveitei o momento que lia as placas de direção para respondê-la:

— Eu só vou buscar o cachecol do Naruto, calma.

Ela pareceu demorar um pouco para processar a informação, os orbes aumentando um pouco em surpresa. Mas, ao final, ela sorriu, genuinamente contente.

— Você é um bom amigo, sabia disso? - E se pôs a andar mais ao meu lado. - Vamos buscar o cachecol do menino-raposa! - Ela jogou o punho para o alto como se estivesse embarcando numa grande aventura.

Mas não era possível, eu estava ainda digerindo o fato de considero Naruto um amigo e Sakura já está afirmando isso com toda a certeza do mundo… E, ainda por cima, bom amigo? Nem sabia o que pensar daquilo, parecia tão distante do meu alcance.

 

Como esperado, o pequeno desvio dentro do metrô mais a curta caminhada até o beco me custou apenas um pouco mais do que cinco minutos, nada que deva ser considerável “perigoso” por um dos garotos.

A única parte ruim era a maior exposição ao clima, que dificultava mais a circulação sanguínea e, por conseguinte, piorava a dor nas minhas cicatrizes. Parece que teria que depender de adesivos térmicos e usar sempre gorro no inverno se  quisesse tentar evitar a dor na cabeça que me punctuava sem mínima dó naquele momento.

Apesar de ter lutado contra isso com todas as forças pelo meu orgulho, precisei de um tempo parado na entrada daquela viela, esperando que o frio que percorria o meu corpo - frio este que não tinha nada a ver com o da pré-nevasca - dar uma trégua. Não, eu não iria encontrar Naruto estirado naquele chão gelado se entrasse novamente naquele lugar. O Naruto está perfeitamente bem, apenas com umas dores aqui e ali, mas ele está bem e…

— Sasuke-kun. - A voz de Sakura, calma e doce, penetrou meus pensamentos ensandecidos, me tirando daquele turbilhão desnorteador. Meus olhos descolaram daquele mar branco à minha frente para encontrar os olhos verdes dela, seu sorriso tranquilizando as batidas do meu coração quase que imediatamente. - Dá pra ver a ponta do cachecol ali. - Ela apontou para um pequeno ponto laranja já abaixo da caçamba de lixo, lá já mais protegido da queda da neve, por isso ainda visível.

Juntei uma boa quantidade do ar fresco do inverno em meus pulmões e os soltei de uma vez, agora pronto para entrar na pequena área que deveria significar apenas entrada de condimentos e saída de alimentos prontos de um restaurante. Deveria.

Forcei-me a andar naturalmente até aquele ponto avistado, nem muito receoso, nem muito afobado. Peguei e levantei devagar, tomando cuidado caso houvesse resistência de algo pesando no pedaço de pano por debaixo da neve, mas ele emergiu sem problemas. Sacudi a neve de volta para o chão e inspecionei se o cachecol havia sido danificado em algum momento da briga - covarde— mas não, estava em perfeito estado. Que bom.

— Sasuke-kun, pra trás da caçamba, rápido! - Ouvi Sakura praticamente gritar atrás de mim, tão urgente, que não pensei fazer mais nada além de segui-lá.

Com a mão apoiada na borda de metal para dar mais impulso e a adrenalina já correndo forte nas veias, corri para o outro lado da caçamba, segurando forte na curva fechada que fiz para me jogar de costas contra a lataria, as pernas arrastando na neve enquanto se nivelavam a ela ainda. O ombro já cobrava pela movimentação brusca e reprimi qualquer expressão de dor. O que Sakura chamou de “trás” da caçamba, na verdade era sua lateral esquerda, que era o ponto cego para a rua.

— Mas esse timing realmente foi uma merda, que azar! - A voz absolutamente irritada de Toya fez o ar parar em meus pulmões. O que ele estava fazendo ali novamente?

Ele estava perto, dava para ouvir vários passos amassando a neve, chegando cada vez mais próximos.

— Talvez já deva ser a hora de você ir se purificar em algum templo. Deve ser mal-olhado de alguém! - Um capanga falou meio risonho, talvez tentando amenizar o clima ruim no grupo.

O que deu certo, pois a risada que Toya soltou veio logo depois, travando meus músculos de tensão, pois era óbvio que, agora ele estava exatamente em frente ao beco.

— Deve ser mesmo! Vamos no Senso-Ji quando essa porra de tempo colaborar com a gente. - A voz dele perturbadoramente foi de divertida para enfurecida nessa única fala. A cara é psicótico, não é possível.

— Não se preocupe, eles não te notaram. - A voz de Sakura veio como um bote em meio a um naufrágio.

Ela devia ter notado que eu já esperava terminar que nem o Naruto ontem, e me permiti respirar em alívio.

         - Mas vamos ter que jogar tudo fora mesmo? - Outra pessoa perguntou, provavelmente aumentando a tensão na conversa, pois houve um breve momento de silêncio.

— É, até a última gota. Não queremos ninguém esbarrando naquilo tudo e descobrindo o que queríamos fazer, né, imbecil? - A voz dele já ia desaparecendo na distância enquanto todos continuavam a andar pela rua, alheios à minha presença logo ali. Toya parecia irritado e frustrado, combinação perigosa para alguém que acha que tem poder sobre quem bem entender.

Pus o mínimo da cabeça para fora de meu esconderijo só para verificar: todos já haviam passado.

Aquilo foi uma coincidência e tanto, e podia ter terminado muito, muito mal. Ser espancado e largado como Naruto, porém logo antes de uma nevasca chegar… Aquilo não seria nada, nada bom.

Para o Toya estar passando novamente ali, e com o tempo tão apertado para estar abrigado, isso só poderia significar que ele morava ali perto.

Por isso ele encontrou Naruto quando ele havia se perdido, não havia sido planejado, apenas uma oportunidade aproveitada.

E aquela conversa sobre terem que se livrar de algo, só poderia ser a respeito do que estavam no laboratório de química, certo? Eles estavam tramando algo errado lá e, pelo visto, não conseguiram pôr o plano em ação, provavelmente por causa do tempo, visto o estresse de Toya ao falar dele.
         - Ufa! Ainda bem que você conseguiu se esconder a tempo… ei! - Sakura não teve tempo para comemorar a minha escapelada, pois eu já estava me levantando e indo rápido para o início do beco, me esgueirando atrás da coluna deste para olhar a tempo o grupo reduzido de Toya prestes a virar uma esquina. Agradeceria Sakura depois, agora precisava escutar mais daquela conversa.

— Sério mesmo que você vai atrás deles? - Sakura parecia abismada, mas me acompanhava ao lado.

— É importante, você ouviu a conversa deles também. - Respondi enquanto andava para o próximo ponto mais seguro e próximo ao grupo.

Ela deve ter chegado à mesma conclusão que eu, pois ficou quieta, apenas assentindo com a cabeça.

— Apenas tenha cautela, tá? - Mas é claro que ela não iria dar o braço a torcer sem pedir por algo, mesmo que fosse o mínimo que ela pudesse querer de mim.

— Ok.

O ambiente rapidamente mudou de prédios comerciais para casas, e algumas maiores do que eu esperaria ver em Tokyo. Senka não era uma escola barata, fazia sentido o diretor viver em uma casa bacana como uma daquelas - também fazia sentido o Toya ter tanto dinheiro para jogar fora em apostas idiotas.

O grupo parou em frente a um portão específico e continuou a conversar, como se estivessem terminando de falar o que precisavam para se dispersarem. Devia ser ali, bastava eu ser mais cuidadoso e me aproximar estrategicamente que...

         - Ogyaku-san, venha conhecer nossa nova loja! (N/A: Ogyaku-san significa cliente. Não soube fazer isso soar natural em português, então usei o termo em japonês) - Uma voz repentina e alta quase me fez alcançar o mesmo plano de Sakura. Estava tão concentrado no grupo de Toya que não vi uma moça parada na frente do que aparentava ser uma loja de souvenirs recém-inaugurada.

         Ela estendia um lenço repleto de bordados que acompanhavam o logo da loja, uma espécie de souvenir gratuito para atrair clientes.

         - Garanto que vai gostar muito do que vai encontrar por aqui! - Ela voltou a falar quando não peguei o lenço de sua mão. Falou simpaticamente, porém alto.

         Olhei de relance para o grupo à frente. Sakura já havia se adiantado e alcançado Toya. Era questão dele se ajeitar alguns centímetros para o lado para que a cabeça do garoto que estava à sua frente parasse de me cobrir. Sem contar aquela funcionária que parecia estar disposta a conquistar minha carteira: naquela rua fria e quase sem uma viva alma passando, ela acabaria chamando a atenção deles para mim. Sakura notou o meu olhar e voltou sua atenção a mim, seus olhos estavam bem abertos e suas sobrancelhas saltaram rápido, como se quisesse me avisar para agir logo. Eles iam se virar a qualquer momento para saber o que era aquela insistência toda, era o que aqueles olhos verdes estavam me dizendo.

Não havia outro jeito de fazer aquela mulher parar de falar, peguei o lenço sem muita cerimônia e o enfiei no bolso do uniforme enquanto ia para a entrada da loja.

Sakura deu uma leve risada, já ao meu lado novamente.

— Ela deve ser uma ótima vendedora, o grupo do Toya também estava com esse lencinho com eles.

Ah, mas eu não duvido em nada da capacidade dela de encher o saco até conseguir o que quer.

 

Acabou que a única informação útil havia sido a que ouvimos no beco, segundo o que Sakura me contou no caminho de volta para casa (na verdade, outra informação “útil” que ela fez questão de falar foi do imenso cachorro “fofo” que esperava Toya no portão). Quando ela conseguiu ouvir mais do que o grupo falava, a conversa já tinha mudado para eles combinando de jogar alguma partida online. Ou seja, tudo aquilo havia sido um estresse desnecessário e me custou algumas centenas de yenes, já que aquela vendedora praticamente não me deixou sair da loja até que comprasse algum presente para a minha “namorada”, mesmo após eu ter dito que não tinha nenhuma. Ou seja, agora meu quarto ganhava a sua primeira decoração, e era um daruma que Sakura escolheu “porque sim”. Não que eu planejasse pintar um olho do boneco e fazer um pedido.

— Mas eu acho que foi o próprio Toya que danificou o carro do pai dele. - Sakura concluía já o seu relato quando me bombardeou com sua dedução. - Lembra que você não pôde falar com o diretor mais cedo porque ele se atrasou por terem mexido no carro dele? Eu vi que eles tinham garagem, então o carro não fica na rua ou num estacionamento durante a noite. Além disso, o cachorro não deixaria algum estranho pular o muro, teria que ser alguém conhecido da casa chegar ao carro… E hoje de manhã, o Toya estava misturando gasolina e óleo.

Eu tive que parar de andar no meio do corredor quando ouvi aquilo. Seja lá o que Toya planejava fazer, ele não se importou em mandar o carro do pai para o mecânico, o que já mostrava um pouco do quanto de consideração o moleque tinha pelo próprio progenitor.

— Enquanto o tempo estiver ruim, o Toya não deve agir. Temos algum tempo de vantagem para descobrir o que é que ele está tramando.

— Certo.

Com nós dois entendidos, abri a porta do apartamento, apenas para me deparar com Itachi sentado no sofá, assistindo o noticiário.

— Chegou cedo, que bom.

Ajustei a alça da pasta escolar no ombro, um pouco sem jeito em encarar Itachi enquanto a discussão de manhã com Sakura ainda borbulhava na minha cabeça. Depois daquilo, não queria ser ignorante com ele, mas… sentia que não sabia mais como me relacionar nem ao menos como agir perto dele. Tentei transformá-lo num estranho, agora tinha que fazê-lo meu irmão novamente e aquilo parecia impossível. Além disso, Itachi me odiava por tudo que o fiz passar.

— Hm, você mais ainda. - Não dava, não dava. Não fazia mínima ideia do que falar com Itachi. Eu era só um peso na vida dele, no que estava pensando?

A única atitude natural que me veio à cabeça foi de ir para o meu quarto, era só o que eu fazia ali, era um lugar - quase - livre de perguntas interações desconfortáveis. Então, logo depois de tirar os sapatos, pus-me a andar para ele.

— Preferi fazer home office hoje, não teria muito tempo para outras coisas além de papelada, de qualquer jeito. - Mas não é só disso mesmo que ele cuida da Fan's, afinal?

— É, faz sentido. - A resposta saiu de mim um tanto baixo, provavelmente porque eu estava por algum motivo encarando o chão ao pé da porta. Já podia quase alcançar a maçaneta.

— Sasuke. - Minhas pernas pararam onde estavam. Aquele tom que Itachi usou estava longe de ser o apaziguador que ele tinha adotado desde quando me mudei para cá. - Eu liguei para o seu colégio hoje. - Senti meu sangue gelar como se estivesse do lado de fora sem proteção. Aquela antiga sensação infantil de ser pego durante uma artimanha. - Queria apenas garantir que iam liberar vocês a tempo de voltarem para casa em segurança. A surpresa foi quando me contaram que já estavam ligando para cá desde ontem para me perguntar o porquê de você ter faltado dois dias de aula. - Ele fez menção de pausar a fala para cruzar os braços, sinal de que não estava nem um pouco contente. - Tive que mentir e dizer que você foi fazer check-ups para que você não fosse suspenso ou algo do tipo.

         Um pouco de gratidão se misturou ao meu nervosismo. Itachi podia ser meu responsável legal mas, pelo visto, ainda tínhamos algo semelhante à nossa antiga camaradagem fraterna. Mas isso não me pediu de engolir em seco e tentar lutar contra o suor que queria escorrer atrás do meu pescoço.

         - Eu… - Minha voz falhou e precisei limpar a garganta para continuar falando. - Eu precisei ajudar uma amiga.

— Amiga? - A sobrancelha de Itachi quase bateu na linha do cabelo. Não sabia se a estranheza vinha do sexo ou simplesmente da titulação de amizade. Ou se eram as duas coisas juntas.

— Sim, de Nakai. - Não era mentira. Sakura era de Nakai. E eu tinha amigas lá, então esperava que Itachi juntasse os pontos e esquecesse dessa terceira.

E eu… a considerava uma amiga? Ok, não passaria uma crise com ela também. Já passamos por mais coisas juntos em alguns meses do que outros passaram na vida toda. Se eu cheguei à conclusão de que Naruto era meu amigo, Sakura definitivamente também era.

Itachi ficou me encarando, provavelmente ponderando o que eu havia dito. Aquela desculpa parecia fora da realidade, mas como eu estava falando a verdade, Itachi não encontraria em mim nenhum sinal de que estava falando algo além dela, certo?

Esperava que sim, e que Itachi não me precionasse para falar mais, porque a verdade além dessa seria “não fizemos amizade quando eu morava lá, mas aí ela morreu e fica me seguindo por todos os lados porque só eu consigo ver o espírito dela. Então estamos tentando dar um jeito nessa situação de alguma forma. Ah, já mencionei que ela tem o cabelo rosa?” e isso estava completamente fora de cogitação.

— Ajudar um amigo em necessidade é uma atitude nobre, mas não precisa negligenciar seus estudos para isso. - Itachi voltou a falar e eu não acredito que ele comprou essa.

Sem contar que, quanto à divisa de tempo com alguém importante e os estudos, já tinha uma resposta guardada há muito tempo, originária do próprio Itachi:

— Eu já estou com a matéria toda adiantada, aprendo muito mais rápido lendo os livros sozinho. - Foi hora das duas sobrancelhas de Itachi saltarem. Ele lembrava daquela desculpa que ele deu para o nosso pai no dia do meu aniversário de doze anos. - Se eu quisesse, poderia faltar o resto do mês que não faria diferença nas minhas notas, mas só fiz questão de faltar esses dias porque essa… minha amiga não podia esperar.

— Ah, essa parte é mentira. - Sakura também cruzou os braços. - Eu lembro de ter te falado que podíamos esperar um dia livre seu para caçar pistas em Nakai.

Ok, um pouco de mentira misturada com a verdade pode muito bem passar despercebida.

Meus ouvidos voltaram a Itachi quando ele riu. Fazia tempo, muito tempo, que não escutava aquilo, tanto que achei estar imaginando coisas.

— Não tem como argumentar contra isso. - A curvatura do sorriso diminuiu um pouco, deixando só um fantasma dele ali. - Só evite faltar aula, ou esconder isso de mim. Não queremos a escola dizendo ao Conselho Tutelar que estou te negligenciando. - Camaradagem fraterna uma ova.

E… tinha esse detalhe também. Eu estava ainda muito longe de ser maior de idade - e Itachi apenas tinha acabado de chegar lá -, algum deslize, e minha guarda poderia ser passada para o governo e Itachi teria seríssimos problemas. Mesmo que ele desse sempre o seu melhor para cuidar de mim, isso não faria diferença porque eu atrapalho: caio nos trilhos do metrô, me envolvo em confusão com gângsters mirins, mato aula… Apenas um estorvo para o Itachi, sempre.

— Vou me comportar. - Foi tudo que consegui dizer antes de rapidamente alcançar a maçaneta e entrar no meu quarto.

— O que foi isso agora? - Sakura parecia preocupada e confusa ao meu lado. - Vocês estavam num clima tão bom e de repente você ficou pra baixo.

— É complicado. - Num baixo suspiro, a respondi, retirando o caderno de dentro da pasta. Poderíamos ter nos livrado da aula, mas não do dever de casa.

 

Eu, aparentemente, nunca aprendo, pois achava que Sakura já tinha dado o assunto por encerrado, uma vez que eu já me encontrava no meio da incumbência escolar quando ela subitamente voltou a falar do assunto de quase meia hora antes.

— Seu irmão se importa muito com você, sabia? Ele falou aquilo porque não quer te perder, não porque te acha um fardo.

O grunhido veio do fundo do meu peito, e minha cabeça desceu até ser enlaçado pelo braço direito; o esquerdo permaneceu grudado ao tronco, já incomodado com aquela dor ondular. Ah, não, lá vai ela se meter em assuntos pessoais meus, ela nunca se cansava, como que isso era possível?

E a última coisa que eu queria era brigar com Sakura - porque o que desandaria a partir dali não seria um discussão, como a de manhã cedo, seria uma briga, como a da vez que ela resolveu desaparecer, e eu me recusava veementemente a chegar a esse ponto de novo.

— Não vou discutir com você. - Falei sem a mínima vontade e com o rosto enfiado enfiado na dobra do braço, mas esperava que Sakura conseguisse me ouvir mesmo assim.

Como se já não bastasse, a chegada cada vez mais próxima da nevasca se fazia saber com o crescente latejar no meu ombro e cabeça. Mudança de tempo é um saco. A posição das cicatrizes era desfavorável para serem massageadas conjuntamente para tentar diminuir um pouco as dores; precisaria erguer a mão esquerda se quisesse fazê-lo, mas com um incômodo daquele no topo do braço, a movimentação estava mais restrita do que eu gostaria. Sempre havia algo para acrescentar a essa penitência.

Teria que aumentar a temperatura do aquecedor, e lembrar de comprar adesivos térmicos na próxima vez que saísse.

De alguma forma, eu pareci convincente o bastante para que Sakura não emendasse em mais um discurso motivacional. Ao invés disso, ela preferiu mudar para um assunto totalmente trivial:

— E já decidiu onde vai colocar o seu daruma?

Ok, com isso eu conseguia lidar. Era só arrumar qualquer canto para largar a inofensiva cabeça de madeira de um monge e Sakura ficaria feliz e me deixaria em paz pelo resto da noite.

 

Acabou que a simples tarefa de escolher onde botar uma simples peça de madeira se tornou surpreendentemente longa, terminando só quando nos tocamos do horário avançado. Isso porque fomos de um debate sobre eu “ter que dar mais vida” ao meu quarto até Sakura decidindo que eu precisava logo fazer um pedido e pintar o olho do boneco, e eu recusando veementemente a proposta dela. A noite veio a fim com nós dois competindo quem imitava melhor a careta irritada que estava pintada no daruma, e eu me segurando para não rir das tentativas falhas de Sakura.

E foi isso, depois de um dia totalmente estressante, depois de todo o problema com Naruto e o clima tenso com Itachi, Sakura foi capaz de me fazer sorrir - e até rir — ao final da noite.

Aquela garota não era normal, o modo como ela conseguia chegar a camadas minhas que ninguém mais conseguia… Era como se ela fosse a forma humana de uma luz que serve tanto para iluminar como guiar.

Um estalo me bateu. Ali, no escuro, deitado na cama, já sem Sakura por perto, apanhei meu celular no criado-mudo - ao lado do daruma. Fiquei encarando a tela por um tempo, os dedos sobrevoando os botões na incerteza do que fazer a partir dali. Eu queria saber mais sobre aquela alma que estava ligada a mim de alguma forma, queria entender como foi sua a vida e como ela conseguia ser assim.

Queria entender mais sobre Sakura.

Mais uma vez, acessei minha conta no Mixi, minha página inicial me saudando com a última atualização feita por mim meses atrás: uma simples localização de GPS em Tóquio. Na página de Sakura, reprimindo a culpa por estar olhando sua conta social sem ela, encontrei nada além de mensagens de conhecidos lamentando pela sua prematura partida. Nada além do que já havia visto.

Fui então para o site de pesquisa, talvez encontrasse algo que me mostrasse como a vida terrena de Sakura se deu. Essa garota certamente devia ter ganhado algum prêmio, vencido alguma competição ou algo do tipo. Se durante esses poucos meses de convívio eu ainda me surpreendia com a capacidade cognitiva dela, ela deve ter se destacado grandemente ainda em vida, mesmo que tenha vivido só até os treze anos.

Após digitar sobrenome e nome, permitir o navegador iniciar uma nova pesquisa. Os resultados foram em quantidade, e claramente eram notícias. Não pude conter uma pontada de animação naquele momento porque, sim, tinha chegado a algum lugar. Pus-me logo a ler o primeiro título oferecido pela pesquisa:

Corpo de adolescente desaparecida há seis dias é encontrado no Rio Sumida

Laudo preliminar aponta como causa da morte afogamento. Polícia suspeita de suicídio

O que… era isso?

Continua...


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Notas finais do capítulo

Eu fiquei um bom tempo me convencendo de não colocar o nome desse capítulo de “stealth”, porque, né, isso é basicamente o que o Sasuke faz nele todo haha
Vocês provavelmente conhecem um daruma, se não de nome, de cara *ba dum tss*. Uma rápida jogada no Google (se vocês já não fizeram isso ou já reconheceram de nome) vai ajudar vocês a saberem o que raios é esse bonequinho.
E uma coisa que devia ter explicado desde o início, o nome da empresa da família do Sasuke, Fan’s Electronic, não se refere à palavra em português “fã”, e sim “leque”. A referência é ao nome Uchiha em inglês.
Vocês me perdoam pelo trocadilho da Sakura ter sido encontrada no rio Sumida? huhauhau Ele é real, é um dos rios mais famosos de Tokyo, eu simplesmente precisei fazer isso.
… Vocês também me perdoam pela revelação de como ela morreu? Lalalalalala



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