Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 12
Três almas e dois corpos


Notas iniciais do capítulo

Houve uma pequena precipitação na hora de colocar o nome do festival (ops!). Na revisão, percebi que era inviável mantê-lo como sendo de outono, então mudei para inverno. Isso não altera em nada a história, apenas na coerência quanto ao clima japonês.



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Em meio a passos penosos e próximos ao cômico, continuei levando a dança, mas meus pés ainda formavam movimentos descompassados e “assassinos”.  Estava extremamente ansioso para que dessem um tempo para descanso e, quando este foi anunciado, andei rapidamente para a saída da sala. Sakura me seguiu, claro. Ela já havia entendido que eu queria falar com ela.

— Ok, isso foi realmente estranho. – Sakura começou logo que encontrei uma sala de aula já desocupada.

— Nem me fala... – Disse, já cansado.

— Vamos pensar... Se você conseguiu dançar até mesmo comigo, o problema pode estar na garota.

— Impossível, ela dança bem.

— Mas você agiu estranho com ela no início, certo? Qual foi o motivo?

Hesitei em responder aquela pergunta, já que a resposta me perturbava.

— Nenhum específico. - Disse com a cara fechada.

— Afe... Você não sabe mentir, Sasuke-kun. Mas deixa pra lá. Se você não quer falar, tudo bem. O problema deve realmente estar em você... – Ergui uma das sobrancelhas enquanto ela parava pensativa. – Ah, já sei. – Ela levantou o dedo indicador. – Volte para o ensaio, já sei como fazer você dançar como ontem.

— Qual foi a sua ideia? – Perguntei-a, curioso.

— Apenas volte para o ensaio. Você vai ver.

Mesmo contrariado, tive que ir logo para a sala de dança, afinal, o horário de descanso já estava quase esgotando.

Fui direto ao encontro de Maya, os pares já estavam se juntando. Tomamos nossas posições iniciais, estava ansioso para saber que solução Sakura imaginara. Quando a vi se aproximando de mim, segui-a atentamente com os olhos e, para a minha surpresa, Sakura não estava andando até mim mas, sim, para Maya.

De modo inusitado e, próximo ao assustador, Sakura andou até além de Maya, mais especificamente, para dentro do corpo dela. Meus olhos se arregalaram com a ação inesperada da garota, ela colocou-se um pouco mais para frente, deixando que eu visualizasse a silhueta dela acima do corpo de Maya.

Não podendo dirigir nenhuma palavra a Sakura naquele momento, lancei-a um olhar interrogativo, perguntando-a o que diabos ela achava que estava fazendo. Sakura apenas colocou o rosto um pouco mais para fora do de Maya, destacando-o, e deu apenas um sorriso.

— Esta é a minha tática. Você vai dançar comigo, mas no corpo dessa garota aqui.

Então era isso? Já que eu apenas conseguia dançar com Sakura, ela ficaria parcialmente dentro do corpo de Maya, para que eu soubesse que estava dançando com Sakura também, assim, conseguindo executar passos descentes. Ótimo modo de enganar minha mente.

É, Sakura se superou nessa.

— Vamos ver se minha teoria está certa, ok? – Ela disse ainda sorrindo e piscou para mim antes de recuar um pouco, sem que eu a perdesse de vista.

A música começou suave e demos o primeiro passo para o lado, e foi perfeito. Demos mais alguns passos. Impecáveis. Mal conseguia acreditar que aquilo tinha dado certo.

— Nossa, o que você fez? Está bem melhor agora. – Maya disse baixo para mim enquanto ainda dançávamos.

Sakura soltou uma risada vitoriosa alta e um pouco maléfica.

— Apenas precisava me esquentar para pegar o ritmo. – Dei a desculpa mais óbvia que veio à minha cabeça naquele momento.

Ela não esboçou nenhuma reação de início, apenas encarou os meus olhos para, depois, dar um belo sorriso. Não sabia se aquele gesto tão semelhante ao da minha mãe me incomodava ou me confortava.

Continuamos a dançar, e do jeito que ninguém jamais dançou: Dois corpos e três almas, unidos pela melodia calma e comovente dos instrumentos rústicos e pelos passos harmônicos e ritmados.

Estava tudo indo bem, até começarmos a dar passos que eu ainda não conhecia. Ai desandou tudo. Quando Maya deu um passo diferente, - um no qual ela se inclinava para trás e eu devia segurá-la e deslizá-la para o lado. – Sakura, sem saber essa parte da música, “desencaixou” do corpo de Maya.

— Opa!– Ela disse quando o corpo de Maya a deixou.

Já eu, quase não consegui segurar o corpo da garota a tempo, distraído com o erro de Sakura e desavisado do movimento. Senti os dedos de Maya apertarem automaticamente meu ombro e minha mão forte quando não a segurei com firmeza logo de início.

— Por favor, só não me deixa cair. – Ela disse nervosa, quando voltou do movimento quase malsucedido.

Assenti para ela, um pouco nervoso por quase tê-la machucado de novo.

— Hm... Temos que treinar até, pelo menos, a metade dessa dança, Sasuke-kun. – Sakura disse na minha frente, com um braço cruzado sobre o corpo e uma das mãos apoiadas no queixo. Logo em seguida, ela voltou para dentro do Maya para eu continuar dançando com alguma decência.

Eu não gostava de pensar naquilo, mas, no final do ensaio, eu estava me sentindo muito grato por Sakura estar sendo tão atenciosa e paciente comigo, que não possuía nenhum talento para dança.

Ei, Sasuke, o que você está pensando dessa garota agora? Acorda para a vida e trate-a como sempre a tratou, esse é o certo a se fazer e ponto final!

 

— Pronto para mais uma aula particular com a Sakura-sensei? – Sakura me chamou para o nosso ensaio anormal... De um jeito também não muito normal do que eu estava acostumado a ouvir.

— “Sakura-sensei”? Agora você é uma professora, também?

— Claro! – Ela respondeu, simplesmente.

— Rá. – Dei uma risada forçada, debochando dela.

— Hunf, você não seria nada na dança sem mim, lembre-se disso! – Ela falou com uma falsa presunção. – Ponha aquela música que você colocou ontem para tocar... Qual o nome, mesmo?

Enquanto eu, pacientemente, direcionava-me ao computador para pôr a música para rodar, respondi a pergunta.

— Voices of Spring.

— Ah! Isso mesmo! Voices of... – Ela parou de falar subitamente, algo preocupante, principalmente para alguém tagarela como ela.

Virei-me logo para Sakura, ela estava paralisada, com o olhar perdido em algo muito distante.

— Sakura? – Chamei-a, mas ela continuou imóvel. Andei até ela e analisei de perto aquela expressão perdida, acenei em frente ao rosto dela para chamar-lhe a atenção. – Sakura. Sakura! – Disse seu nome novamente, mas, dessa vez, mais alto, já estava ficando... preocupado?

— Haruno... – Ela sussurrou tão baixo que, se eu não estivesse tão perto dela, não conseguiria entender.

Então, Sakura levantou o olhar bruscamente, como se acordasse de um sonho. O foco voltou aos seus olhos.

— É Haruno! – Ela disse para mim, abrindo um sorriso alegre demais para eu entender o seu motivo.

— O que é Haruno? – Perguntei a ela, erguendo uma sobrancelha.

— Meu sobrenome! Acabei e lembrar por causa da música! (N/A: Esclarecendo, Haruno quer dizer primavera, que é spring em inglês).

Fiquei meio incrédulo com aquilo. Tão fácil assim? Ela se lembrou do nome de família com algo tão banal? Eu já disse isso antes, mas não canso de reafirmar: essa garota é estranha.

Minha cabeça estalou com uma memória que a preencheu: Sakura já havia dito o seu sobrenome para mim antes, no dia em que nos conhecemos quando joguei com o Ouija, e eu tinha me esquecido disso completamente. Não entendi como ela teria esquecido e se lembrado do próprio sobrenome.

— Agora eu me lembrei... Você sabia o seu sobrenome antes, quando nos conhecemos. Você disse que se chamava Haruno Sakura.

Ela se sobressaltou, parecia que também não se lembrava daquele detalhe. Olhos para um canto no chão, pensativa.

— É verdade, né, eu disse... Minha mente ainda está uma bagunça e às vezes não sei distinguir o real do imaginário. De vez em quando, algumas imagens surgem na minha cabeça, mas não sei dizer se realmente aquilo aconteceu comigo. – Ela começou a explicar com algum tom de vergonha e abatimento. – Até outro dia, eu podia jurar que conhecia uma certa garota, mas então descobri que ela era personagem de um dorama!

— Então como pode ter certeza de que Haruno é o seu verdadeiro sobrenome? – Indaguei-a, temendo que aquela nova pista se esvaísse por entre meus dedos.

— Não sei como, mas tenho certeza de que é. É como se uma parte da minha vida estivesse se desembaçando e, aos poucos, as coisas estão se organizando aqui dentro. Até há pouco, eu poderia ter dar uma lista com, no mínimo, dez sobrenomes que eu consideraria poderem ser o meu.

Éramos dois com amnésia e mente confusa, pelo visto. Tal como eu, Sakura também parecia ter perdido parte de sua memória – sendo a perda dela bem maior que a minha – e, para tentar preencher esse vazio, buscávamos, inconscientemente, qualquer possibilidade embasada no real, e o resultado disso eram fantasias confusas criadas por nós mesmos, vide meu último sonho, uma releitura do assassinato de meus pais.

Então, me toquei que já possuía o resto da palavra-chave para saber algo sobre a vida de Sakura e fazê-la desaparecer da minha vida de vez.

— Ensaio adiado. Vamos pesquisar. – Disse, dando meia-volta e me direcionando ao computador.

Diferente do que eu esperava, Sakura não protestou e ficou dizendo que eu devia ensaiar logo, apenas me seguiu em silêncio. Ela queria saber logo quem era.

Sentei na cadeira giratória e abri logo a página do primeiro site de relacionamento famoso que me veio à cabeça, Mixi. Loguei a minha conta do site, já abandonada há alguns meses, e digitei na barra de procura “Haruno Sakura”. O site entrou em procura e logo exibiu os resultados, o que me satisfez muito, já que a primeira conta que apareceu possuía a foto de uma garota sorridente de cabelos róseos. Cliquei imediatamente no perfil dela. A página inicial de Sakura possuía uma pequena lista de informações sobre ela, mas a única que me chamou a atenção foi o endereço residencial, de onde eu podia tirar informações valiosas.

— Você morava em Shiroi. Isso te lembra de alguma coisa? – Perguntei para Sakura, que olhava atentamente o próprio perfil.

Quando ela desviou um pouco da atenção do monitor, seu olhar parecia desanimado e, cabisbaixa, ela balançou a cabeça negativamente.

Não gostei muito daquela resposta, portanto, voltei a minha atenção para a página, procurando qualquer coisa ainda não vista que fizesse Sakura se lembrar de algo. Enquanto isso, anotava em um pedaço de papel o nome da rua de Sakura. Rolei o scroll para baixo, revelando os recados enviados recentemente à conta de Sakura. Os recados surpreenderam a garota e a mim também, mas em uma proporção menor.

“Estamos morrendo de saudade de você!”, “Amiga, ainda não entendo por que logo você morreu... Ainda dói lembrar de você.”, “O céu deve estar bem mais divertido com você, te amo, minha flor!”, “Ainda vamos achar aqueles infelizes, não se preocupe!”. Li as primeiras de tantas daquelas mensagens um pouco incomodado. Aquilo era um método adotado pelos conhecidos de Sakura para amenizar a dor da perda? As pessoas mandavam recados para o Mixi de Sakura como se ela ainda checasse sua conta. Por uma tremenda ironia do destino, ela acabou por ler as mensagens, mesmo. Conseguia até sentir a tristeza que os autores delas guardavam. Desviei o olhar para Sakura sem que ela percebesse. Se eu captei os sentimentos daquelas mensagens, Sakura, então...

Ela possuía um olhar triste, dolorido, como se cada uma daquelas mensagens fincava uma estaca em seu coração. Assim, ela não aguentaria ler as dezenas de outras mensagens que existiam ali. Não só por seu emocional ser bastante afetado mas, se ela continuasse a ler, não ficaria apenas com os olhos marejados, como estavam naquele momento.

— Certo, já conseguimos o que precisávamos. – Disse, fechando logo a página, acordando Sakura de seu pequeno pesadelo. – Você não deve ler mais essas coisas, não te fazem bem. – Falei com sinceridade, mas, logo depois, esse foi o ponto que me incomodou. Sinceridade? Se eu disse aquilo daquele jeito, significava que eu estaria tomando conta dela ou me preocupava com ela, algo que não fazia mais o meu estilo.

— Tá... – Sakura concordou, tirando o excesso de líquido dos olhos e mansa como um gatinho. Ler aquelas coisas a fez ficar triste de verdade. Nada que me agradou.

— Já temos o endereço de onde você morava, podemos ir lá qualquer dia desses. Não fica longe daqui. – Falei, tentando distrair Sakura com um pouco de otimismo.

Ela sorriu para mim, mas aquele ato não me convenceu. Estava pequeno demais para o que ela costumava dar, forçado demais.

Logo depois, Sakura olhou para o outro lado, tentando fazer com que eu não visse o rosto dela.

— Ei. – Chamei-a enquanto levantava da cadeira. A garota virou para mim devagar. – Melhora essa cara. – Levantei a mão em frente o rosto dela, pressionei a ponta do dedo médio no polegar e o soltei, dando um peteleco na testa dela, ou melhor, no ar, já que meu dedo passou por dentro dela. Sakura me encarou sem entender nada.

— O que foi isso?

— “Use a imaginação”, lembra? Eu te dei um peteleco na testa. Finja que sentiu.

Sakura estreitou os olhos e, após piscar algumas vezes, finalmente entendeu o significado do que eu fizera. E, então, sorriu, mas, dessa vez, de verdade. E começou a rir com suavidade, ainda se recuperando.

— Você é realmente incrível, Sasuke-kun. Obrigada.

— Hunf. – Dei um sorrido de canto para ela inconscientemente. Agora, sim, era a Sakura que eu conhecia.

— E então, pronta para dançar? – Disse para a garota de cabelos róseos na minha frente.

— Sempre. – Ela respondeu, sorrindo para mim novamente.

Dançamos boa parte daquela noite, passando e repassando o vídeo que a Kurenai deu para os alunos com a dança que apresentaríamos. Consegui, naquela parte da noite, pegar bem mais que a metade da coreografia, quase toda ela, até. Ok, eu sempre fui bom em aprender as coisas bem rápido, mas não sabia que isso se aplicava também a dança.

Ensaiamos tanto que, no final, estava tão cansado que dormi logo que bati na cama.

 

O barulho incessante da campainha me acordou depois de uma batalha para conferir quem desistiria primeiro. Perdi e, já de mau humor, levantei da cama. Esperava que Itachi atendesse logo a porta, mas como ele não o fazia, resolvi dar logo um basta naquele som extremamente irritante e inconveniente.

Caminhei até a outra extremidade do meu quarto, não sem antes notar, pela janela, que a luz do sol nem surgira ainda.

Mas quem diabos seria a essa hora?, pensei, abrindo a porta do cômodo.

Ao olhar para fora do meu quarto, para a sala, onde estava a porta de entrada do apartamento, já não tocavam a campainha e, sim, batiam na porta. Eram batidas fortes e constantes. Alguém estava impaciente ou com muita pressa.

Ouvi uma maçaneta ser virada e dobradiças soltarem um rangido bem leve. Olhei para a esquerda e vi um Itachi sonolento abrir a porta de seu quarto.

— Ô merda... – Ele falou baixo, resmungando consigo mesmo e esfregando uma das mãos nos olhos cansados. – Já vai! – Disse alto, com a voz rouca por ter acabado de acordar.

De um modo pedante, Itachi cruzou a sala, arrastando os pés no início. Quando ele alcançou a porta e tirou a chave de cima ma mesinha de canto, uma imagem inquietante assombrou minha mente. Eram os dois homens mascarados, responsáveis pela maior tragédia da minha vida.

Aquele era um terrível pressentimento, nítido demais para ser algo que eu apenas iamginei.

O som da chave sendo encaixada na fechadura me acordou de meus devaneios, olhei logo para Itachi, na outra ponta da sala. Ele já estava rodando a pequena peça de metal. Um forte arrepio correu pela minha espinha, seguido de um singelo sentimento de puro medo. Dei um passo para frente, largando a maçaneta do meu quarto que ainda segurava.

— Espere! Itachi, não abra... – Mas já era tarde. Logo que a tranca fora destravada, a porta foi empurrada com rapidez e brutalidade. Itachi deu dois passos para trás por reflexo, para que não fosse atingido em cheio pela porta.

— Mas o que...?! – Ele disse quando os dois homens de máscaras desfiguradas passaram pelo umbral.

O homem que entrou primeiro nem se deu ao trabalho de responder. Levantou o braço direito na altura do rosto de Itachi, em sua mão, havia uma arma, e, antes mesmo que ele pudesse esboçar qualquer reação, o homem a sua frente apertou o gatilho.

Ouviu-se nitidamente o som do disparo ecoar pela sala, mesmo ele tendo sido abafado por um silenciador. Senti meu corpo estremecer, e o corpo de Itachi caiu molhe no chão, formando logo uma possa de sangue ao redor de sua cabeça.

— Um já foi. – O homem disse, encarando o corpo estendido a sua frente.

Estava paralisado, em choque. Como assim... Itachi estava morto? Ele foi assassinado... bem na minha frente... Como os nossos pais foram. Eu tinha acabado de perder o meu irmão, meu único irmão... Tudo o que sobrara da minha família. Estava tudo acabado. Senti minha garganta e meu peito se apertarem. Senti as cicatrizes na minha cabeça e no meu ombro latejarem.

O homem a frente ergueu a cabeça e me encarou.

— ... Agora só falta o garoto escorregadio. – E deu um passo a frente, mirando a arma que tinha acabado de usar para matar Itachi em mim. Meu corpo ainda não se mexia e não fazia nada além de tremer.

Mesmo estando do lado oposto da sala, tinha certeza de que ele conseguiria me acertar. Era o fim da linha para mim.

A arma foi disparada, e minha mente mergulhou na mais profunda escuridão.

 

Abri meus olhos e me senti um tanto atordoado. Olhei a minha volta, estava escuro, mas não tanto quanto o lugar que estava antes, sem contar que este me parecia familiar. Ah, um momento... Já sabia de onde conhecia aquele lugar, seu relevo já estava milimetricamente gravado em minha mente. Ali era o meu próprio quarto.

Então, aquilo não passava de um sonho, né? Itachi continuava vivo e eu também. Senti-me mais do que aliviado, mas depois me indignei. Por que tantos pesadelos sobre exatamente isso? E em tão pouco tempo?

— Aaargh! Não acredito nisso! – Praguejei, batendo minhas mãos no rosto e arrastando-as pelo mesmo. Maldito subconsciente! Não aguentava mais aquela tortura.

Estava revoltado com minha própria mente. Passei meus dedos por entre meus fios de cabelo e agarrei as mexas que ficaram entre eles, puxando-os com um pouco de força. Estava com tanta raiva de mim mesmo...

Girei na cama, colocando-me de bruços, e enterrei meu rosto no travesseiro. Agarrei as laterais da peça recheada de penas de ganso e a puxei mais para o encontro de minha cabeça, como se quisesse encontrar em algum canto de lá um portal que me levasse para qualquer lugar ou dimensão que me escondesse da parte mais profunda de minha cabeça.

Permaneci naquela tentativa improvável até ser vencido pelo cansaço e dormir novamente. Mas dessa vez, em paz, sem nenhuma outra tormenta.

— Bom dia, Sasuke. – Itachi disse quando eu abri a porta do meu “lugar de descanso” e vi o correndo da cozinha para o seu quarto. – Tô atrasado, mas o seu café da manhã já está na mesa! – Ele gritou de dentro do cômodo.

Na verdade, ele não estava atrasado. Estava só perdendo o tempo antes da aula que usava para ir à biblioteca.

— Hunf. – Andei até a cozinha logo, para que não terminasse igual Itachi, mas parei no meio do caminho para ter alguma visão de dentro do quarto dele.

Xinguei-me internamente por estar fazendo aquilo. Um sonho é a penas um sonho e nada a mais, então, por que eu estava checando se Itachi estava realmente bem? Por que eu estava me importando tanto? Aah, como sou retardado...! Eu podia enxergar Itachi lá dentro, podia ter quase certeza de que ele estava bem, então por que e não me mexia? Ah, ótimo, Itachi notou que eu não parava de olhar para ele e pôs a cabeça em direção à porta, enquanto escovava os dentes.

— Que foi? – Perguntou, alheio a tudo que se passava em minha cabeça.

— Hm. – Soltei, balançando a cabeça negativamente em resposta e, finalmente, fui para a cozinha comer o café da manhã.

Indo direto para a parte que mais interessa, já que a escola e o ensaio não tiveram nenhum acontecimento relevante o suficiente para que eu precisasse relatá-lo... Ah, sim. Conseguimos terminar a dança, mas isso não passa de mero detalhe.

Eu já estava prestes a me retirar da sala de dança, quando fui parado por Maya.

— Sasuke-san, já vai?

— Vou.

— Ah... – Ela juntou as pontas dos dedos indicadores, um tanto envergonhada. – É que o pessoal aqui estava planejando ir a um karaoke, não gostaria de ir conosco?

Não me agradei com aquela proposta. A última vez que tinha ido a um karaoke, me dei muito mal. Estava fora de cogitação totalmente eu ir a um lugar daqueles novamente. E, além do mais, já tinha planejado o que fazer depois dali.

— Não, obrigado. Já tenho compromisso.

— Ah... Então tá. Até amanhã. – Maya disse, toda constrangida, e voltou para o grupo que a esperava. Apenas não entendi por que ela falou comigo tão sem jeito assim.

— Você fez bem em rejeitar o convite dela, Sasuke-kun. Eu não confio nela! – Sakura disse enquanto caminhava ao eu lado. Ela mantinha os braços cruzados enquanto falava.

— Por que você não confia nela? – Perguntei-a em um tom baixo, enquanto descia as escadas do metrô.

Sakura ficou vermelha imediatamente, mas tentou disfarçar.

— Ora, apenas não confio! D- deve ser o instinto feminino.

— Hunf. – Ri dela internamente. Mas que motivo bobo para não se confiar em alguém.

Já estava comprando a passagem guando Sakura prestou mais atenção no que eu estava fazendo e notou que eu estava comprando passagem para um lugar mais distante, e interveio.

— Ei, você não vai para casa agora?

— Ah, não te contei? – Perguntei para ela, dando um pequeno sorriso sarcástico. – Hoje vamos para a sua casa.

Sakura ergueu as sobrancelhas, surpresa.

— Hã? Mas já vamos hoje?

— Claro, não tem por que esperar. – Na verdade, tem por que fazer isso o mais rápido possível.

— Verdade. – Sakura sorriu para mim. Pareceu estar grata pelo que eu estava fazendo.

O metrô chegou logo depois e entrei rápido nele para que conseguisse um lugar para sentar. A viagem foi curta, apenas alguns minutos que nem tive noção de quantos foram. Só sei que a única coisa que prestei atenção foi na voz no alto-falante anunciando que a próxima parada seria em Shiroi.

Saí do metrô e da estação. Tirei o meu celular do bolso sem demora, era hora da tecnologia me ajudar novamente. Liguei o GPS do aparelho e digitei, na barra de buscas, o nome da rua onde Sakura morava. O local logo foi localizado... Bem, eu teria que andar alguns quarteirões até chegar lá.

— Enquanto andamos, preste atenção nos lugares para ver se você lembra de alguma coisa. – Disse para Sakura no único momento em que desgrudei meus olhos do celular, que ainda nos guiava pelo percurso.

— Já estou fazendo isso. – Ela me comunicou.

Adorei ter ouvido aquilo, afinal, esse era o único motivo de estar indo a pé, a casa de Sakura era distante o suficiente para eu precisar pegar um ônibus. Acabou que demorei mais tempo andando do que no metrô, vindo para Shiroi.

— Chegamos. – Disse para Sakura finalmente.

Por sorte, a rua não era extensa. Na verdade, era até um tanto curta para uma rua comum. Deviam ter umas vinte casas ali. Isso me soou muito bem. Em um lugar pequeno, todos se conhecem, bastava eu pedir informações a algum morador de lá e estava feito.

Aquele devia ser o meu dia. Uma senhora estava saindo de sua residência naquele exato momento. Aproximei-me dela, e quando ela notou minha ação, deu um inesperado sorriso simpático. Já era noite, qualquer um suspeitaria da aproximação de um estranho a essa hora.

— Com li... – Não consegui nem terminar de falar, a tal “senhora de sorriso simpático” tirou de seu bolso um spray, um algo muito parecido com isso, e espirrou o seu conteúdo nos meus olhos. – Aaaaargh! – Gritei com a grande ardência que senti. Ela tinha usado spray de pimenta nos meus olhos! Aquilo ardia mais do que aquela água oxigenada que usei. Aquilo, sim, devia ser a ardência do inferno. Deus, que dor!

Estava já há um tempo com as mãos nos olhos, pareciam eu eles iriam cair a qualquer momento. Era como se aquele líquido espirrado os corroia.

— Sasuke-kun! – Sakura me chamou, assustada com a atitude da mulher.

— Seu malcriado! Nunca mais tente se aproveitar de uma senhora desacompanhada! – A infeliz da velhinha disse, como se desse bronca em um neto ou em uma criança levada qualquer.

— Sua maluca! Eu não ia te assaltar! – Estava exaltado, tentando abrir os olhos para ver aquela doente, mas eles ainda ardiam muito. Eu os esfregava, mas parecia não surtir nenhum efeito.

— Okaa-san, de novo, não! – Ouvi os passos rápidos e a voz de alguém que se aproximava de nós.

Consegui abrir os meus olhos, mas apenas deixando-os semi-serrados, estavam lacrimejando tanto, que parecia até que eu estava chorando. Um homem por volta dos trinta anos estava entre a mulher e eu.

— Okaa-san, você não pode usar spray de pimenta em todos os desconhecidos que vê! – Então, ele se virou para mim, juntou as mãos e abaixou a cabeça. – Por favor, perdoe minha mãe, ela não é muito boa da cabeça. Ai! – Quando ele disse essa última parte, a senhora acertou o topo da cabeça do cara com a mão fechada.

— Isso são modos de falar da sua mãe?! Esse garoto ia me assaltar! – A velhinha disse.

— Okaa-san, você disse a mesma coisa nas três últimas vezes! Olha, ele é só um estudante. – Ele virou para mim novamente. – Desculpa, por favor, venha a nossa casa, ao menos para lavar os olhos e dar um tempo para que eles parem de arder.

— Você vai levar agora um ladrão para dentro de casa? Você só pode estar louco, Shou! – A mulher protestou quando o cara, Shou, começou a me conduzir para a casa a nossa frente.

— Okaa-san, ele é um estudante, e não um ladrão. Olhe direito para ele, ainda está até de uniforme!

A senhora parou de reclamar e voltou-se para mim, seus olhos comicamente aumentados pelas lentes dos óculos me encararam analisadoramente por alguns segundos, antes de seu rosto voltar àquele primeiro sorriso simpático que ela me deu.

— É, você está certo, Shou. Seja bem-vindo a nossa casa, garotinho.

Eu achava Sakura louca, mas essa mulher... Ela era muito além disso, era completamente pirada.

O homem me mostrou onde ficava o banheiro, e logo saiu correndo atrás da mãe pirada, que devia estar fazendo algo não muito normal.

Liguei a torneira e joguei água no rosto e esfreguei minhas pálpebras, senti um ótimo alívio, mas ainda não o suficiente. Com a lavagem, já conseguia abrir totalmente meus olhos, mas ficava piscando demais e, pelo que vi no espelho, eles estavam totalmente vermelhos pela irritação que a pimenta causou. É... Enganei-me amargamente sobre aquele ser um bom dia.

Sakura mantinha-se ao meu lado todo o momento e, quando constatou que eu estava bem, sorriu, mas depois começou a rir.

— O que foi? – Perguntei-a emburrado.

— A cara que você fez quando aquela senhora usou o spray contra você foi impagável! Sua cara de raiva é muito engraçada, e a sua expressão de dor é muito fofa. – Ela acrescentou a última parte com as bochechas coradas.

— Você ri porque não foi com você.

— Ah, isso é verdade! – Ela disse implicante.

— Urgh, nem vale a pena discutir com você. – Falei enquanto enxugava o meu rosto com uma toalha.

— Está falando com alguém? – Ouvi Shou dizer atrás de mim.

— Ah... Ninguém. Estava apenas pensando alto.

— Ah, sim. Gostaria de tomar alguma coisa? – Ele perguntou, sorrindo.

— Obrigado, mas estou com pressa.

— Claro... Você não é daqui, precisa de alguma ajuda?

­- Eu estava procurando a casa de... um conhecido. Você sabe onde é a casa da família Haruno?

— Ah, os Haruno? É a primeira casa da rua, não tem como se enganar, tem um jardim na frente da casa.

— Ok, obrigado. – Agradeci, indo para a saída.

— Ué? Já vai? – Ele me perguntou, um tanto decepcionado.

— Estou com pressa. – Odeio ter que repetir o que já disse, mas contive um tom mais pesado na voz, por questão de educação. E saí logo daquele pequeno hospício, antes que fosse contaminado.

Voltei para o início da rua e parei em frente à casa de esquina, mas me surpreendi. O tal “jardim” não parecia mais como um. Ele devia estar abandonado há vários meses. Sem cuidados, plantas parasitas invadiram o jardim e cobriram quase totalmente o que já deveriam ter sido plantas típicas de jardinagem.

— Você não vai encontrar ninguém ai. – Segui a voz desconhecida que havia dito aquilo, e encontrei, na casa vizinha, uma garota, talvez da minha idade, debruçada sobre um muro de, talvez, um metro de altura. – Os donos deixaram essa casa há meses. – Ergui uma das sobrancelhas, e vi Sakura assumir uma expressão frustrada.

Mais alguma coisa surgia para atrapalhar... Por que diabos os pais, parentes, ou seja lá quem morasse com Sakura tinha que se mudar? Mas que inferno!

— Sabe para onde eles foram? – Perguntei-a, não dando espaço para formalidades.

A garota de aparência simples, mas ainda bonita, entortou a cabeça, olhando perdida para um ponto acima e fez um bico, enquanto pensava. As pontas de seus dedos batiam consecutivamente e incessantemente no topo do muro.

— Hmm... Acho que eles disseram algo sobre Nakai... É! Isso aí! Eles foram pra Nakai. – Gelei ao ouvir o nome do lugar. Nakai era uma das palavras que eu evitava falar ou ouvir, devido às lembranças – agora impossíveis de se repetir – que me trazia.

— Tem certeza? – Perguntei-a, torcendo para que estivesse errada.

— Sim, sim. Tenho certeza. – Ela afirmou, não notando minha expressão um tanto alterada.

Eu mal sabia como reagir com toda aquela peça que o destino estava me pregando. Por que justo Nakai? Pretendia não colocar meus pés lá nunca mais. Queria esquecer de tudo lá, e, para conseguir ajudar Sakura, eu teria que ir justamente para lá? Logo o lugar onde eu cresci e morei com meus pais?

Sim, são “lembranças bonitas”, mas elas não me traziam nada além de dor e melancolia.

— Sabe onde fica a casa que eles foram? – Dessa vez, torci para que fosse em um lugar bem longe de onde eu morava.

— Ah, sei mais ou menos. Lembro que, uma vez, a Mebuki-oba-san comentou que a casa dela em Nakai tem uma vista muito bonita, que dá até para ver um lago e um templo, que fica perto dele. – Ao menos uma coisa veio ao meu favor, aquele lugar eu conhecia, e era bastante longe de onde eu costumava morar.

— Sei onde é esse lago. Obrigado.

— De nada. – A garota, que já estava com a cabeça apoiada nas mãos, sorriu enquanto eu andava para fora daquela rua e, finalmente, ia para casa.

Caminhei devagar naquela noite fria. Parecia que o inverno tinha chegado mais cedo esse ano, e tinha a impressão que o seu clima havia desanimado mais ainda Sakura e eu. Ela, incrivelmente, andava de cabeça baixa, fitando o chão. Devia ter nutrido muitas esperanças ao irmos à sua antiga casa.

— Eu sou muito inconveniente, né? Peço para você me ajudar, mas eu mesma não ajudo em nada... Desculpa, prometo que vou fazer alguma coisa. – A garota cortou o silêncio entre nós, dizendo algo que eu realmente jamais imaginaria que ela dissesse.

Não sei por que, mas fiquei com a impressão de Sakura estava se culpando de sua amnésia e os problemas que ela estava me causado. Bem, isso é verdade, mas vê-la assim, se afligindo, triste, e tentando disfarçar tudo com um sorriso falso. Realmente não sei por que isso me incomodou, mas Sakura desanimada me soava tão triste quanto uma estrela morrendo.

— Sakura. – Como eu sou uma mula, por que não consigo me segurar?

— Oi? – Sasuke, cale a boca enquanto ainda dá tempo!

— Eu acho até bom que não tenhamos conseguido muita coisa hoje. – Ah, droga, falei.— Você ainda tem uma dívida comigo, lembra? O festival é só daqui a duas semanas, e preciso que você esteja dançando comigo na hora da apresentação, então, nada de alcançar o Nirvana ou sei lá o que você precisar antes disso, entendeu bem? – Disse a ela, tentando parecer egoísta.

É, mais uma vez, não consegui resistir a tentar fazer Sakura sorrir.

— Ah, é verdade... – Sakura disse baixo, surpresa consigo mesma por ter esquecido daquilo, e sorriu para mim. – Ainda bem que você lembrou, Sasuke-kun.

E foi a minha vez de ficar surpreso. Ela tinha levado o que eu disse mais a sério do que eu pensei que levaria. Só tinha arranjado uma desculpa boba para justificar uma parte do “horário extra” que ela estava fazendo neste mundo, ou, ao menos, para descontraí-la, mas parece que ela levava aquela ajuda que estava me dando com severidade.

— Você acha que vale a pena ficar mais tempo neste mundo só para me ajudar a fazer uma dança idiota da escola? – Indaguei-a, ainda querendo decifrar o jeito de pensar daquela garota.

— Mas é claro. Desde que encontrei você, não tem sido ruim permanecer aqui. Na verdade, foi divertido passar esses dias com você. – Ela disse aquilo com tanta sinceridade, com um sorriso tão verdadeiro, que cheguei a me sentir um tanto encabulado. Ah, mas foi apenas por um instante. Consegui voltar a minha postura normal, ou algo próximo a isso.

— Ah... Que bom então pra você, né? – Falei um pouco nervoso.

Mas por que diabos eu tinha ficado nervoso? Mas que palhaçada! Era o frio! Isso! Minhas bochechas estavam vermelhas por causa do frio... Mas o quê? Minhas bochechas estavam vermelhas? E meu rosto estava formigando? Aah... Sabia que devia ter levado um cachecol. É, um cachecol, para manter o meu corpo quente... e fazer ele parar de ter essas sensações estranhas.

Continua...


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