Dragões Dourados escrita por Gwen Sweetlux


Capítulo 2
Capítulo 2- Espadas do Oriente


Notas iniciais do capítulo

Conheceremos uma nova e intrigante personagem: Selene. Sua chegada trará novas e inesperadas consequências.



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Shiryu observou enquanto centenas de homens, trajando armaduras simples de soldados do Santuário desciam as vertiginosas trilhas que levavam até a Grande Cachoeira de Rozan. Alguns tinham um semblante maravilhado, admiravam cada pedra, cada queda d’água com respeito e fascínio. Outros aparentavam tristeza e um profundo cansaço. E havia aqueles cuja expressão era enigmática, e eram estes que faziam todos os sentidos do novo guardião dos Cinco Picos entrarem em alerta. Porém, o Dragão não atacaria antes de saber quem eram aquelas pessoas e o que faziam ali. Já vira muita morte e derramar sangue era o último de seus desejos naquele momento.

Quando o último soldado chegou ao pequeno vale, logo abaixo da Pedra do Mestre Ancião, onde Shiryu ainda se postava rígido, um deles, aparentemente um soldado já experiente, com os cabelos grisalhos e uma barba rala marcada por fios prateados, se pronunciou:

— Cavaleiro, viemos procurar por uma luz. Sabemos que o Mestre se foi e já não há quem conduza o Santuário. Precisamos de um lugar para nos recuperar da terrível Guerra e, principalmente, de um mentor íntegro e valoroso. Por favor, acolha-nos! Somos apenas soldados, guardas e serviçais do Santuário. Jamais ansiamos nos tornarmos Cavaleiros, pois não recebemos a proteção de uma constelação. Porém, nosso espírito é justo e queremos continuar a lutar pela terra e pela esperança. – sua voz falhou em alguns pontos, embora não fosse possível saber se por causa de sua emoção ou de seus ferimentos. A maioria dos homens apresentava algum ferimento ou sequela de batalha.

Shiryu abriu sua boca para responder imediatamente, pois sua inclinação natural era proteger e acolher qualquer um que lhe pedisse ajuda. Entretanto, engoliu suas palavras por alguns instantes. Como poderia acomodar todo aquele povo, quando ele mesmo possuía apenas um humilde chalé? E mais, teria Atena permitido essa retirada de seu Santuário? Aquilo poderia ser visto como um ato de traição.

— Ouçam, soldados! Jamais me neguei a estender a mão a nenhum necessitado e todos já devem saber disso, se procuram ouvir a verdade por onde passam. Todavia, por mais que meu coração esteja aberto a recebe-los, preciso deliberar sobre isso. Como sabem, perdi meu Mestre e ainda não sei qual será o destino de Rozan. Por fim, preciso consultar Atena sobre a saída de todos de seus antigos postos e a sua permanência nos Cinco Picos. Por ora, recolham madeira e procurem se abrigar. Logo após o vale onde estamos – ele apontou para a direção leste – há uma clareira onde podem ficar até haver uma decisão. Peço que tenham respeito por este lugar sagrado. – declarou o Dragão e os homens começaram a dispersar, fazendo o que ele pedira.

Muitas coisas para pensar e decidir. E o momento não poderia ser mais importuno. Shiryu imaginava que Dohko não teria qualquer problema em assumir a responsabilidade por qualquer atitude tomada. Jamais seria como seu Mestre, impetuoso e sábio, o equilíbrio perfeito para um guerreiro, requisitos imprescindíveis para um Cavaleiro de verdade. Sentia-se fraco e esgotado. Porém, em seu rosto, os olhos permaneciam verdes e serenos, apesar do turbilhão que se agitava em seu interior.

Retirando-se para seu refúgio, Shiryu gostaria que Shunrei estivesse ali para recebe-lo, seja com suas costumeiras repreensões por seu esforço demasiado em batalha ou treinamento, ou apenas com seu sorriso meigo. Contudo, ela não estava ali. Ninguém mais estava. Seu mundo já não era mais o mesmo.

— Mestre – falou, ansiando alguma resposta, seja de onde quer que pudesse vir. – O que devo fazer? O senhor sempre via além das aparências, agia rapidamente para sanar qualquer problema antes que se espalhasse. Diga-me, o que tenho aqui são necessitados por ajuda ou possíveis traidores? Acho que falta ao Dragão a garra do Tigre, Dohko. – ele recostou a cabeça na parede do pequeno quarto. Observou seus poucos objetos pessoais, já que desde a infância sabia que sua vida poderia não durar muito, não acumulava coisas para si. Ainda vestia sua armadura, olhou seu tão precioso escudo e a mão que carregava a Excalibur de Shura. Precisava honrar aqueles legados ou não seria nada.

Atena.— falou, projetando seu Cosmo até encontrar o de Saori. – Atena, por favor, responda-me. — pediu, ansioso por qual seria a resposta.

— Shiryu. Esperava falar contigo. — a familiar voz da deusa ressoou pela mente do Cavaleiro.

No meio do dormitório, uma luz a princípio fraca, começou a tomar forma e aumentar em tamanho e brilho. Shiryu levantou-se alarmado e assumiu sua posição de defesa.

Mas os contornos desformes revelaram ser a imagem de Saori. Ela não estava ali de fato, apenas sua imagem aparecia para o Dragão.

— Atena! Perdoe-me, não a reconheci de imediato. Não imaginava que poderia vê-la tão cedo, depois de tudo que houve. – Shiryu comunicava-se com ela através dos Cosmos de ambos.

— Shiryu, é uma hora obscura para todos nós. Seiya, ele... – Saori interrompeu-se. Não deveria deixar que seu amor por Seiya atrapalhasse o que tinha a tratar nos Cinco Picos. – Bem, isso não importa agora. O que precisa saber, Shiryu, é que enviei estes soldados e homens até você. Todos estavam perdidos e sem motivação, o Santuário está em ruínas e as dozes Casas, vazias. Preciso de alguém que os guie e torne-os homens valorosos, prontos para proteger novamente este lugar. E não há ninguém mais apto para tal tarefa do que o discípulo de Dohko, aquele que tanto se feriu por amor à terra e aos amigos. Shiryu, preciso que treine meu exército.

— Mas, Saori.... Ainda nem localizei Shunrei. Não sei o que houve com ela e, sinto decepciona-la, mas não tenho o dom de discipular que... – as palavras sumiram de sua boca naquele momento.

— Compreendo, Shiryu. Contudo, precisamos prosseguir apesar da dor que cada um carrega. Pode fazer isso? – ­Shiryu ouviu o pedido e algo dentro de si pareceu despertar.

— Atena, mais uma vez peço perdão. Não deveria precisar me pedir, apenas ordenar. Será feito conforme sua vontade. Farei com que as memórias de nossos queridos seja exaltada dentre os soldados devastados que me enviou.

­- Obrigada, bravo Cavaleiro. Adeus. – disse Saori, sua imagem começando a evanescer lentamente.

— Adeus. – Shiryu respondeu, mas olhava para a janela. Não era somente de Atena quem se despedia.

***

Aquela noite não foi fácil para o mais recente nomeado Mestre dos Cinco Picos Antigos. O sono demorou a vir, e, quando por vim o derrubou devido à exaustão, os pesadelos agitaram o seu já atribulado descanso. Rostos se sobrepunham, gritando, pedindo sua ajuda, enquanto Shiryu sentia seus pés e mãos atados por algo que não conseguia ver. Estava impotente, indefeso e forçado a ver a morte daqueles a quem mais estimava. Vira Shunrei, Dohko, Shura, gritando por ele. Revivera diversas batalhas, mas em seus sonhos, não podia lutar e assistia enquanto Seiya, Hyoga, Shun e Ikki pereciam por sua culpa. Se via como espectador enquanto matava Máscara da Morte, o próprio Shura, Algol e tantos outros. As poucas horas em que o Dragão dormira foram como anos em sua mente.

A aurora o encontrou banhado em suor, os cabelos grudados no rosto, costas e braços. Os lençóis simples da cama estavam destruídos, rasgados por suas próprias mãos. Até mesmo as paredes tinham marcas de unhas e o chão ensopado com sua transpiração e marcas de pés.

Seu despertar foi como um soco no estômago, lhe faltou o ar e foi preciso erguer-se de súbito em busca de algum ar. Ao olhar seu quarto arruinado, Shiryu pôs as mãos sobre o rosto. Não poderia permitir que suas inseguranças o dominassem daquela maneira, mesmo que fosse durante o sono.

Arrancou os lençóis da cama, aproveitando para secar-se um pouco. Após joga-los fora, tratou de ajeitar os móveis e fez o possível para não deixar resquícios da terrível noite anterior. Seguiu para a pequena queda d’água que ficava atrás da casa para se banhar.

Já limpo, achou melhor apresentar-se aos homens como o Cavaleiro que era e, expor a eles o mesmo pedido, ou melhor, ordem de Atena. Vestiu sua tão amada Armadura de Dragão, mirando-se por alguns instantes no espelho antes de sair pela porta. Com a mão na maçaneta, lembrou-se que Shunrei havia deixado um desenho pintado por ela pregado do lado de dentro, para que todo aquele que saísse pudesse vê-lo. Eram algumas flores de Yuzuriha flutuando plácidas sobre águas tranquilas. Dohko havia contado a história daquela árvore à ele e de como fora feito o rosário de Shaka. Shunrei sabia que o dia em que os espectros e Hades voltassem à vida, nada seria como antes.

Shiryu tocou com carinho a delicada pintura e saiu. Ao examinar o horizonte, podia ver algumas cabanas improvisadas sendo erguidas e pessoas que passavam por todas as partes, carregando provisões e madeira. O Dragão foi até a Pedra do Mestre.

— Soldados! – chamou, sua voz fazendo toda atividade cessar.

Ferramentas foram largadas, armas abaixadas, olhos erguidos e ouvidos aguçados. Todos esperavam pelo que o destino que os aguardava fosse proferido pelo Cavaleiro.

— Não negarei que a chegada de todos me surpreendeu, jamais imaginava que uma quantidade tão grande de pessoas pudesse deslocar-se até aqui e menos ainda que me fosse atribuída a tarefa que esperam de mim. Porém, Atena me visitou esta manhã. Ele deseja que um exército revigorado e fiel erga-se dos Picos de Rozan. E, cabe a mim treina-los. Sou apenas um mero Cavaleiro de Bronze, mas estive diante de Hades e ainda vivo. Fui treinado pelo mestre dos Cavaleiros de Ouro: Dohko de Libra, presente não apenas em uma, mas em duas Guerras Santas. Jamais serei hábil ou sábio como ele, contudo, se quiserem minha ajuda, deverão ser disciplinados e perseverantes, algo que aprendi com o Mestre e com meus companheiros de Bronze.

Shiryu fez uma pausa, respirando fundo e esquadrinhando os rostos abaixo dele. Queria absorver a reação da massa de soldados ao ouvir seu veredicto. A maioria sorria, alguns emocionados por lembrarem da Guerra como uma ferida ainda aberta.

— Aqueles que estão de acordo, deem um passo a frente e depositem suas armas no chão em sinal de total submissão à Atena e suas ordens. – declarou.

Um a um, espadas, maças, arcos, escudos e toda sorte de armamentos foram tocando o chão úmido do vale abaixo da Grande Cachoeira.

Shiryu sorriu. “Estaria feliz em ver nossa Pedra tão repleta de discípulos, Mestre?” Fechando os olhos, começou a concentrar seu Cosmo e uma aura esverdeada envolveu seu corpo, revolvendo seus cabelos e a água que o cercava. A multidão começou a gritar, extasiada pelo que veriam a seguir. Com os movimentos característicos e milenares, as mãos de Shiryu preparavam-se para repetir o golpe que tantas vezes salvaram o próprio Cavaleiro e a tantos outros. “Pelo senhor, Mestre.”

Rozan Hyaku Ryu Ha! (Cólera dos Cem Dragões)

A água de todas as cachoeiras ao derredor reverteu imediatamente seu curso, fazendo com que todos ovacionassem ainda mais aquele momento que para Shiryu tinha um imenso significado, pois o Cólera dos Cem Dragões havia sido o último golpe que Dohko lhe ensinara.

— Agora, vamos. Ajudarei a terminarem suas acomodações e, amanhã iniciaremos o treinamento. – Shiryu desceu sob aplausos e gritos de aclamação da Pedra do Mestre, passando por dentre os soldados que lhe cumprimentavam com os ombros ou tapas nas costas. Ele ria-se daquilo, que lhe parecia uma situação tão improvável, mas se alegrava por poder ajudar aquela gente.

***

Foi um dia longo e exaustivo de trabalho, porém a maioria dos casebres para os novos aprendizes estava prontos. Shiryu sabia que a maioria ali sempre seria de soldados, destinados a lutar com espadas e lanças, pois não seriam escolhidos por nenhuma constelação. Porém, no fundo, esperava que algum Cavaleiro pudesse imergir dentre aqueles homens. Faria todo o possível para isso.

Alguns homens caçaram o jantar e um grande quiosque de madeira fora montado para que as refeições fossem feitas em comum. Ali, assaram e prepararam a comida. O Dragão se alimentava alegremente depois de tantas refeições melancólicas após a Guerra Santa. O som de gargalhadas e gracejos enchia o céu noturno com as quedas d’agua complementando a feliz sinfonia ao fundo.

Satisfeito, Shiryu despediu-se dos companheiros e partiu rumo à casa do Mestre. Conforme se afastava do quiosque, o som das risadas diminuía e os sons noturnos tomavam conta de tudo, fazendo-o relaxar e ficar sonolento. Ansiava demais por uma boa noite de descanso.

Caminhando um pouco, no entanto, algo começou a perturbá-lo. Escutou com atenção e, gritos vinham de uma certa distância, tinha quase certeza serem oriundos de algumas formações rochosas a alguns quilômetros dali. Seu primeiro pensamento: Shunrei. Deveria ser ela, afinal, eram gritos femininos. Estaria voltando para casa e encontrou algum inimigo à espreita? Não poderia esperar para descobrir. Ele saiu em seu encalço, e seus passos superavam em muito a velocidade de um homem normal. A fúria tomou conta do guerreiro, seu Cosmo já tomando conta de seu corpo e acendendo seus olhos em verde vívido. Como estivera trabalhando, não trajava sua armadura, porém despedaçaria com as próprias mãos qualquer um que intentasse o mal contra Shunrei.

Chegando ao local de onde os pedidos de socorro vinham, pode ver que alguns dos soldados, os mesmo que lhe pediram acolhida, estavam torturando e agredindo uma jovem moça. Seus rostos eram cruéis e eles se divertiam ao machucar a garota, que não tinha qualquer condição de defender-se.

Ela parecia não querer oferecer qualquer fonte para divertimento daqueles homens, porém a dor dos golpes fazia lágrimas jorrarem de seus olhos, mesmo que tentasse impedi-las. Sua boca sangrava, um dos olhos já estava roxo e inchado, tanto que não se abria mais. Suas roupas estavam em frangalhos e ensopadas de sangue. Um dos homens segurava seus pulsos e outro tentava agarrar suas pernas, enquanto ela o chutava, repelindo suas mãos repugnantes. A moça gritava e, quando um deles tentou tapar sua boca, cravou seus dentes, tirando sangue do covarde.

Shiryu assistiu à cena grotesca de um rochedo mais alto, mas não deixaria que aquilo prosseguisse por um segundo a mais. Caindo como um raio sobre eles, saltou no meio do grupo de malfeitores:

— Vou perguntar só uma vez: O que. Está. Acontecendo. Aqui? E sejam sábios, podem ser suas últimas palavras. – arfava com a raiva fervendo dentro de si, o brilho do Cosmo mais alto que as rochas que os cercavam.

Nenhum deles ousou responder. Apenas deram alguns passos para trás, expondo a moça, que jazia no chão. Shiryu a viu, porém queria acabar com seus agressores antes de qualquer coisa. Olhou ao redor, pensando em qual deles atacaria primeiro, ou se lançaria todos de uma só vez no Inferno com um Cólera do Dragão. Prevendo sua possível execução, um dos homens, tremendo tentou explicar o que acontecia:

— S-senhor Shiryu. Esta... mulher. Ela quer fazer parte do nosso exército. A expulsamos diversas vezes no caminho para cá, mas de alguma maneira, conseguiu chegar até aqui. Achamos que o senhor não iria querer ter que lidar com ela. Veja, estávamos ajudando. – o homem vil sorriu, um sorriso amarelo de covarde.

— Estavam me ajudando? Foi o que disse? – gritou Shiryu, explodindo tanto seu Cosmo que todos foram ao chão.

— Vou lhe dizer o que acontecerá agora. Infringirei em todos vocês os mesmos ferimentos que causaram a ela. E, em meu exército, esta moça começará uma patente acima de cada um de vocês. Além disso, se não forem homens ou fortes o suficiente durante o treinamento, se ousarem pensar em desertar ou se cometerem o menor dos erros, serão mortos. Atena não se oporá, tenham certeza disso. Fui claro? – vociferou o Dragão.

Cambaleando e atordoados pelo golpe que acabaram de receber, os homens tentavam ficar de pé. Shiryu foi até a moça caída.

— Está bem? Consegue ficar de pé? – perguntou, pegando gentilmente sua mão.

— Sim. Consigo. – a garota tinha os cabelos claros, próximos da cor do trigo e os olhos eram como um dia chuvoso, cinzentos e escuros. O Cavaleiro a ajudou a se erguer. – Preciso que vá até aquela rocha, acha que pode? – apontou para uma pedra grande que formava uma passagem escura próxima a uma montanha. – Irei leva-la de volta ao acampamento, espere por mim lá. E tape os ouvidos, senhorita.

Tropeçando e assustada, a garota seguiu as instruções de Shiryu, que logo em seguida voltou-se aos homens. A morte não seria uma punição suficiente para eles. Aqueles que apreciam humilhar os mais fracos tem sua maior punição sendo rebaixados e igualados aos que julgavam inferiores.

— De pé! – ordenou – Em fila, procurem abafar seus gritos ou terão a punição dobrada. – Shiryu não tinha misericórdia com quem ousava desprezar a vida humana. Ele sabia o alto preço que cada alma custava e o quanto o próprio lutara para manter a vida na terra intacta. Naquele momento, lembrou-se mais uma vez de Máscara da Morte caindo nos braços das almas que ele matara e colecionava como troféus. Sua fúria naquele momento mal chagava perto da que sentira na batalha contra o Cavaleiro de Câncer.

Distante dali, a garota deixou o corpo cair recostado à rocha. Havia esquecido de tapar os ouvidos, mas quando Shiryu começou a aplicar a punição que prometera, a moça não conseguiu ouvir. Os gritos eram agonizantes, mesmo que viessem dos homens que a agrediram e talvez até pudessem tê-la matado.

Passado algum tempo, uma fila vagarosa começou a vir em sua direção. Ela tirou as mãos dos ouvidos. Eram os soldados maldosos. Sangrando, mancando e com as cabeças baixas, marchavam de volta ao acampamento. A garota tremeu, com medo de que fossem feri-la novamente, porém eles não olhavam para mais nada além do solo.

Quando todos desapareceram pela passagem, ele veio. Shiryu estava arfando, a luz do Cosmo se apagando devagar. Tinha os lábios apertados com força. Será que iria puni-la? Ou a expulsaria como os demais disseram que faria? Mesmo com tantos receios desorganizando seus pensamentos, ela não poderia deixar de admirar a imponência do Cavaleiro. Mesmo sem armadura, era impossível não perceber que um grande guerreiro se aproximava. As faixas nos antebraços de Shiryu estavam ensanguentadas, mas ela sabia que não era sangue dele. Seus cabelos o seguiam balançando como uma sombra na noite clara e o resquício de seu Cosmo recém utilizado faziam seus olhos brilharem como um grande felino. Ele não era assim tão diferente do que diziam de Mestre Dohko, afinal.

Tomando cuidado para não a assustar, Shiryu aproximou-se e sentou ao seu lado.

— Perdoe-me, senhorita. O que eles fizeram é imperdoável. Tem minha palavra de que pagarão por isso pelo resto de suas vidas. Meu exército a receberá muito bem, esteja certa. Garantirei sua segurança e a ensinarei como fazê-lo por si mesma. – ele sorriu de forma singela. – Poderia me dizer seu nome?

A garota estava paralisada. Jamais imaginou ficar tão perto do Cavaleiro Lendário de Dragão. Ainda menos ainda que ele um dia fosse querer saber seu nome. Piscou por alguns instantes, tentando se lembrar de como usar a habilidade da fala.

— Meu nome é Selene, senhor. Vim da Grécia até aqui, procurando... – ela parou, envergonhada e passando os braços machucados em volta do próprio corpo.

— Diga-me, não poderei treina-la se não souber o que há em seu coração. – ele sussurrou, encorajando-a.

— Sempre tive um sonho. Era um sonho estranho, mas quando contava a alguém sempre era repreendida. Porém, tudo mudou depois da Guerra Santa. Perdi minha família, meu lar e o Santuário estava destruído. O sonho passou a fazer algum sentido, então, segui para cá. Me perdoe, fui uma tola, senhor. – ela baixou os olhos, agora dando vazão às lágrimas reprimidas.

— Fale-me sobre o sonho, Selene. Está uma linda noite, uma noite boa para sonhos e não mais pesadelos. – pediu Shiryu, olhando-a com ternura.

— Não deveria... Mas não devo ignorar um pedido de um Cavaleiro, ainda mais de um como o senhor. – ela engoliu, procurando as melhores palavras para relatar o que marcava suas memórias desde a infância. – Em meus sonhos, Atena chamava meu nome. Ela colocava sobre mim uma armadura, dizia que não usaria uma máscara e que ainda assim seria sua Amazona. Não sei como, mas podia ver a armadura, com riqueza de detalhes. Às vezes sentia o peso dela em meu corpo, como se de fato a trajasse. Devo estar enlouquecendo, esta guerra deixou todos desnorteados, senhor Shiryu. Foi por isso que vim, mas foi um erro...

— O único erro será o de partir, Selene. Sinto uma pequena chama de Cosmo dentro de você. O modo como resistiu, mesmo não tendo chances de vencer é próprio de uma Amazona. Se tem este sonho, algum dia, uma constelação a escolherá. Tenho certeza. – Shiryu estava maravilhado. Seria assim que Dohko o vira pela primeira vez? Um pequeno Cosmo, pronto para ser liberado. Um guerreiro encubado, aguardando por sua armadura? Era revigorante.

— Farei o que me ordenar, Mestre. – Selene fez uma pequena reverência, mas a dor fez com que trincasse os dentes.

— Não deve se esforçar. Está muito ferida. Venha, a levarei de volta. Se aceitar, será minha pupila. Me permite? – Shiryu fez menção de carrega-la, mas não queria ser rude ou assustar a garota. Ela se afastou de início, mas o cansaço fez seu corpo deixar-se levar. Quando estava próxima ao peito de Shiryu, Selene ficou rígida, tensa e com medo daquela situação. O que pensariam quando a vissem chegando nos braços do Mestre? E, mais, deveria estar ali, causando a ele o inconveniente de precisar cuidar dela?

— Selene, precisa relaxar. Feche os olhos, a levarei por um atalho que conheço desde criança. Não irão vê-la. Pense apenas em se curar, está bem?

Como Shiryu sabia o que ela estava pensando? Não importava, pois naquele momento um sono avassalador tomou conta da moça que deixou-se ir entre sonhos com estrelas, armaduras e deuses.


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Notas finais do capítulo

O que acharam da personagem feminina recém-chegada à Rozan?



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