Acorrentados escrita por Ray Shimizu


Capítulo 2
Harume K. Mizume




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O sol ainda não havia aparecido, o relógio marcando quase cinco horas começou a tocar alto, rapidamente a jovem que estava na cama o desligou, não era sono, mas não tinha ânimo para se levantar.

Harume, uma jovem de vinte um anos, pele branca, boca vermelha, olhos ‘puxados’, cabelos pretos longos e lisos, com uma longa franja alta, dividida ao meio, uma típica oriental, muito bonita e atraente. Silhueta fina, um corpo escultural, a moça possuía um pouco mais que um metro e sessenta . Era taxada como a boneca de porcelana da ópera, ela queria morrer com esses apelidos, aliás, queria desaparecer daquele mundo.

Tratou de parar de ficar olhando em direção ao teto e levantou, não queria sequer imaginar sua mãe indo até o quarto dela para ter de acordá-la. Assim que acendeu a luz do quarto, viu a zona que tinha feito na noite anterior, como estava com pressa e precisava de um maldito acessório de cabelo que não achava, bagunçou o quarto inteiro, tudo estava no chão: roupas, sapatos, cobertor. Precisava arrumar aquela bagunça ou ia enfrentar a ira da senhora Layla, a mãe de Harume.

Se às seis horas ela não estivesse à mesa junto com a família tomando o café da manhã, sabia que iria ficar de castigo, o que era um absurdo uma mulher de sua idade ter esse tipo de punição, na realidade ela achava a vida dela inteira um absurdo.

Arrumou o quarto o mais rápido que pôde, em dez minutos ao menos as coisas pareciam arrumadas, era só não olhar para dentro dos armários e debaixo da cama. Tomou um banho rápido e se trocou, colocou uma jeans preta, com uma regata da mesma cor, um tênis qualquer, e desceu, nisso ainda eram cinco e meia. Encontrou seu irmão, Kenji, sentado no sofá.

— Bom dia. – Harume deu um beijo na bochecha do irmão e sentou ao seu lado.

— Bom dia. – Kenji o irmão mais velho, alto como o pai, exatamente trinta centímetros mais alto que Harume. Olhos azuis claros, como os de sua mãe, mas o cabelo negro e liso e como o do pai. Para um jovem de vinte e seis anos, se vestia bem formal, como se acostumou a se vestir de maneira elegante por causa das apresentações e entrevistas, acabou ficando como o estilo dele, cabelo levemente arrepiado, o físico no lugar, sempre se exercitava, era bem popular com as mulheres, e até saía pra se divertir de vez em quando, sabia que era só uma tentativa nada bem sucedida de esquecer quem ele gostava de verdade. Procurando algum conforto, Kenji encostou a cabeça no ombro da irmã.

— Não vou ao concerto hoje. – a jovem disse desanimada.

— Melhor você ir, senão a mãe vai descontar depois, e você sabe como ela fica.

— Mas... – suspirou, ponderando a própria situação.

— Vai, faz um esforço, sei que está cansada, mas as pessoas vão nesse evento só pra ouvir a sua voz, e eu também amo ouvir você cantar. - os olhos azuis, encaravam os castanhos dela, e sem poder contradizer, resolveu ir.

Sentia-se uma tonta, queria sair daquela vida sufocante, cheia de regras, mas não conseguia ir contra, sabia que nada ia mudar, se as atitudes continuassem as mesmas.

Os dois ficaram conversando até dar seis horas, os pais desceram para tomar café da manhã, como sempre a mesa era silenciosa, até que Layla resolvesse abrir a boca.

— Harume, as sete você tem ensaio, não vá esquecer! Hoje é um dia muito importante. Kenji, vocês dois vão entrar juntos, e vão juntos para a prova de roupa também. – lançou seu olhar autoritário para os dois, como se intimasse a cumprir tudo exatamente como havia dito.

A jovem cantora, mordeu os lábios, como se prendesse as palavras dentro da boca para não escaparem, não podia dizer que não iria, sabia das consequências e não queria chatear seu irmão e os convidados. O coração ia explodir, engoliu tudo o que queria dizer, e tentou comer o seu café da manhã, que era meio pão integral e um copo de suco.

Ela não era a única que guardava sentimentos dentro de si, desejos e vontades. Também havia desejos e sonhos de Kenji, porém ele jamais disse nada a respeito.

O dia foi corrido pra todos. Harume ficou ensaiando até depois das dez da manhã, depois tinha que provar o vestido que iria se apresentar, além da entrevista que tinha marcada para tarde, iria junto com seu irmão.

Pior disso era que Layla a acompanhava em todos os passos, ainda mais que ela pensava em se aposentar, mesmo ainda na meia idade, cantava como ninguém, além continuar bonita. Segundo Layla, pare enquanto ainda se está no topo, termine com glória. Olhos azuis como o oceano mais límpido, cabelos dourados com corte chanel, um pouco mais baixa que a filha, apesar de não ter mais o corpo de uma garota de vinte anos, ainda botava muitas garotas da idade com inveja. A verdade era que toda a família tinha a aparência impecável, claro que as cirurgias plásticas ajudaram muito, não só ela como Harume, mesmo que ambas não precisassem, a neurose com a aparência não permitia relaxar, só não obrigou o filho a fazer plástica, porque achava ele perfeito, segundo Layla, Kenji era o exemplo da perfeição, inteligente, carismático, bonito e talentoso. O que achava totalmente o oposto de Harume, por esse motivo sempre ficava em cima dela, pressionando, a filha que se mostrava sempre sentimental, embora nos últimos anos parecesse que tivesse tomado jeito.

Para sorte da morena, naquele dia, Layla estava ocupada com os preparativos do evento, que era especial, como se fosse o primeiro grande espetáculo que seria protagonizado por Harume, tudo estava saindo como o planejado.

Assim que terminou o ensaio, seria a prova de roupas, como Kenji adorava dirigir, dispensou o chofer e foi dirigindo, mesmo porque isso dava mais liberdade para ir a algum outro lugar sem que a mãe desnaturada ficasse sabendo. A prova de roupa foi rápida, nenhum deles tinha mudado o físico, então não tinha muitos ajustes a serem feitos.

— Mana, quer ir na sorveteria? – Kenji dizia tranquilamente enquanto dirigia.

— Podemos?! - os olhos castanhos que pareciam desanimados, ganharam um brilho. – Eu quero!

— Então, vamos ter que andar um pouco e dar uma disfarçada. Se a mãe descobre... Ela nos degola! – o rapaz dizia sorrindo, olhando de relance para a feição alegre da irmã.

Alguns meses atrás, Kenji e Harume saíam bastante, porém era às escondidas, mas como Layla descobriu, depois daquilo só faltou trancar os dois em um calabouço escuro.

Dentro do carro mesmo, ele pegou o óculos escuro do motorista e um boné, como naquele dia estava com roupas comuns, ficou bem disfarçado. Como normalmente Harume andava sem maquiagem e toda desleixada quando não estava em concertos e longe dos olhos da mãe, já estava diferente, mas também colocou óculos escuros e pegou uma peruca jogada no banco de trás, só para garantir que ninguém associasse os dois juntos na rua.

Kenji apenas ria como a irmã era completamente desligada com sua aparência, já que ele a conhecia como ninguém, sabia de todos os seus lados, compreendia perfeitamente e era exatamente por isso que sempre a levava para se distrair, protegendo-a sempre.

Quando chegaram a sorveteria, ninguém pareceu reconhecer os dois, mesmo porque, eles eram artistas mais direcionados a elite, embora fossem conhecidos por pessoas de outras classes sociais também. Assim que se sentaram a mesa veio uma garçonete atendê-los e para não perder muito tempo Kenji já fez o pedido de duas bananas splits.

A garçonete ficou “babando” olhando pro Kenji, que não pareceu se importar com esse fato, de certa forma já estava acostumado a conviver com esse tipo de situação.

Harume se deliciava com o sorvete como se fosse uma criança, nem lembrava mais a última vez que comeu um doce, adorava comê-los, mas como a mãe controlava a dieta de todos da casa, era difícil conseguir esse tipo de coisa, na verdade era um grande milagre quando acontecia... Apesar das madrugadas em que assaltava a geladeira e comia escondido. Sempre achou que era o cúmulo ter de chegar ao ponto de não poder comer o que gostava, e nem tinha problemas de saúde que pudesse restringir alimentos, exceto sua alergia a frutos do mar. A sorte era que Kenji quando saía, sempre trazia alguma coisa que ela gostasse, pensava que devia sua vida a seu irmão.

Depois de saborearem o sorvete, correram para pegar as roupas que haviam provado, deviam estar exatamente como iriam se apresentar no evento. Quando prontos, foram direto para a entrevista, Harume respirou fundo se preparando quando sentiu sua mão sendo acolhida, carinhosamente, pelo irmão. Ele sorriu e a conduziu para o pequeno sofá que os aguardava.

Assim que começaram, eles sentaram lado a lado e foram bombardeados de perguntas. Ambos responderam de modo cortês e de maneira simpática, como haviam sido instruídos pela mãe, porém, por dentro, queriam sair correndo de lá, não gostavam do modo em que invadiam a intimidade deles, dos questionamentos sobre cada detalhe do que faziam, se gostavam de entrar de pé direito no palco ou se tinham algum tipo de ritual antes das apresentações. Era tudo muito sufocante.

Após a correria com fotógrafos e um pequeno bate papo de improviso com a revista de famosos, finalmente havia chegado a hora do tão aguardado evento. Harume tremia, nunca sentiu aquela sensação antes, seria medo? Não sabia responder. Pensou na mãe e percebeu que ela ficou ausente durante o dia todo, o que era estranho, geralmente ficava no pé da filha, porque achava ela desajeitada e irresponsável, porém naquele dia, nem um único telefonema. Tudo estava estranho demais.

Kenji notou o nervosismo da irmã, se aproximou e percebeu que ela não havia nem notado a sua presença. Parou na frente dela e viu os pequenos olhos castanhos completamente indecisos.

— Vai ficar tudo bem… - disse abraçando-a forte, afagando os longos cabelos negros da irmã.

Nunca pensou que um dia fosse fazer isso, de precisar acalmá-la antes de algum espetáculo. Ela era uma profissional, usava técnica, decorando cada nota, cada palavra, ritmo. Não sabia o motivo do nervosismo, no ensaio ela fora perfeita.

— Sinto como se eu não devesse cantar. – se afundou nos braços do irmão.

— Hey! – a afastou o suficiente para poder encará-la novamente. – Eu estou aqui, seja forte… - beijou a testa de Harume e deu um ultimo abraço, aquilo a confortou um pouco.

Assim que as cortinas se abriram, o concerto começou. A cantora se sentia muito esquisita, desconfortável. Talvez fosse pelo evento marcado de última hora, não conseguia se concentrar. Errou algumas notas, desafinou em alguns momentos, nada que alguém percebesse, além de Layla, que estava com a veia saltando da testa.

Assim que a apresentação chegou ao fim, outros músicos tomaram o lugar, ficando agora apenas uma música de fundo no salão, em breve seria servido o jantar segundo o orientador do castelo. Ouviu que o jantar estava sendo comandado pela família Winter, uma família muito conhecida pelo ramo culinário e que sempre prestigiavam seus clientes com pratos bonitos e saborosos.

Harume estava sentada em uma mesa, apenas tomando vinho e às vezes comia alguma coisa quando sua mãe não estava por perto. Observava a filha dos Winters, Juliet, passando de mesa em mesa, conversando com os convidados com um sorriso elegante. A postura de chef e seu modo cortês de se dirigir as pessoas, transmitia liberdade, o que causou um sentimento que a cantora não gostava, mas que admitia ser inveja.

Não demorou muito para que os convidados fossem até ela para cumprimentarem e elogiarem o espetáculo. Os príncipes a parabenizaram, Harume apenas sorria e respondia algumas perguntas.

Por um momento percebeu que, mesmo um pouco distante, Juliet a encarava com uma expressão séria. Pensou se havia algo de errado, mas logo a ruiva virou com tudo para outra direção e sem perceber acabou colidindo com um dos garçons e para tentar impedir o acidente, Juliet se ensopou de vinho ao amparar a bandeja. Naquela hora como em câmera lenta, Harume assistiu tudo e ficou sem ação, ela viu bem? Uma Winter se sujar por outra pessoa? Estaria sonhando, pensou.

Quando notou que aquilo havia sido real, pediu licença para os príncipes e foi atrás de Juliet. Ela poderia ter se machucado com os vidros, com isto em mente seguiu pelo mesmo corredor por onde a chef havia saído e então viu que a última porta era o vestiário dos “Winter”, ela devia estar lá.


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Notas finais do capítulo

E ai o que acharam? Bom, vocês já devem imaginar o que vai ter no próximo capítulo!
:3
Ficamos por aqui, até a próxima ^_^v



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