Odisseia do Zodíaco escrita por SEPTACORE


Capítulo 9
Desenvolvidos




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O pico do cristal nunca esteve tão motivado. Também estavam protegidos de qualquer ameaça – graças às inúmeras invenções capricornianas, como a nova muralha em torno das entradas das montanhas e os alarmes toda vez que alguém estiver entrando ou saindo.

Mas ainda faltava alguma coisa. De certa forma, Americo sentia. Um simples ato gerou toda essa reviravolta entre os eremitas: Amara caiu no meio de um discurso, deixando claro que tinha respostas para todas as questões e ao mesmo tempo falou pouco sobre qualquer uma delas. Alguns acreditavam que ela está morta. Alguns virginianos a examinaram e concluíram que ela está...

— Em coma, já disse – diz Jake, que visitava todas as manhãs o quarto onde Amara “repousava”. Suas habilidades haviam melhorado muito nas últimas semanas, principalmente na parte de detectar qualquer sinal de perigo ou anormalidade em seus amigos. – Está em algum tipo de sono profundo, não é nenhuma doença nem nada.

— A solução pra esse “coma” seria ela estar com a alma dentro do corpo, o que não é o caso! – diz Pedro, um pisciano muito bom em detectar as almas das pessoas. – Já reviramos todas as montanhas vagando por projeção astral, não achamos nada.

Jake, sem querer, deixa escapar uma risada. Os dois eremitas estavam conversando do lado de fora do quarto de Amara, que era pouco iluminado e frequentado.

— Desculpe falar, mas não consigo acreditar nessa história de vocês sobre a alma da Amara – comenta o virginiano, fazendo anotações sobre o status da velha eremita. – Deve haver uma explicação que vocês não são capazes de compreender. Mas, até lá, a única certeza que eu tenho é que ela está em coma mesmo.

Pedro fechou a cara enquanto Jake deu as costas. Depois, o pisciano prosseguiu até um quarto não muito longe dali, onde novas pessoas se reuniam para tentar desvendar tudo o que estava acontecendo.

— Toc toc! – diz ele, ao entrar no escritório da Amara.

A enorme mesa de reuniões estava coberta de livros, papeis, pergaminhos, cadernos e uma série de outros objetos. Pertences de piscianos também ocupavam o local – já que os proprietários passavam agora a maior parte do tempo ali. Juntos, usavam seus atributos para tentar achar respostas para todos os enigmas que Amara deixou.

— Gente, isso está uma bagunça – diz Yngrid, ignorando a entrada de Pedro. – Super-André, você sabe onde está um diário marrom e velho que deixei em cima da poltrona?

— Não sei, não faço ideia – responde, de boca cheia, mastigando um saboroso hambúrguer em plena sexta-feira de manhã.

Yngrid começa a revirar tudo, embaralhando livros e amassando sem querer algumas observações de Susana.

— Desculpa – diz Yngrid, tentando desamassar os papeis.

Depois, retorna a girar pela mesa, tentando achar qualquer vestígio do diário que procurava. Porém, não estava em lugar nenhum dali, nem na estante, nem na escrivaninha e nem no chão. Pedro começou a ajudar a garota, porém jamais iriam achar.

— Gente, lá fora está bem frio para o verão – Vanessa anuncia sua chegada, segurando alguns livros na mão. Dentre eles, estava o diário que Yngrid tanto procurava.

— AÍ ESTÁ! – grita Yngrid, pegando o diário. – Estava igual uma louca, aqui, procurando o diário, pra ele estar na sua mão?

— Não foi por querer, desculpa. É que fui tirar da poltrona pra poder dormir e deixei junto com os meus, depois me esqueci de tirar.

— Também fui um pouco descuidada, mas enfim, vou voltar ao trabalho.

Yngrid deita-se na poltrona e começa a ler o diário que pertencera a algum eremita antigo. Enquanto isso, Vanessa se aproxima do quadro de informações importantes e começa a analisá-lo. Algumas palavras foram destacadas, como “profecia”, “sombra” e “estrelas”. Seriam palavras chaves usadas na leitura de todos os artigos pertencentes a Amara.

— Acharam alguma coisa? – pergunta ela.

Julia, uma garota que pouco se socializava com os demais, levanta-se e vai até Vanessa, carregando um livro de símbolos.

— Aqui fala que sombras são sinais de mau presságio, como Amara é bem intuitiva, acredito que possa ser algo.

— Ainda assim é uma informação muito abrangente – comenta André. – Pode ser qualquer coisa.

— Se tiver a mais remota chance de nos ajudar a descobrir, devemos relevar – responde ela.

Vanessa assente e começam a folhear o livro.

Do lado de fora do escritório de Amara, a produtividade só aumentava. Havia se passado algumas semanas e além das invenções de defesa dos capricornianos, também projetaram novas salas de treinamento – com grande ajuda dos leoninos, mais fortes do que nunca. Procuravam trazer melhoria para cada um dos signos.

— Quando o andar do arsenal vai ser construído? – pergunta Americo, que assumira o lugar de Amara, no centro do Pico.

— Já está pronto – responde Erica, que estava ao lado dele. – Eles até já estão colocando as armas.

— Isso explica o porquê dos leoninos e sagitarianos estarem lá em cima.

— Temos uma novidade também. Siga-me.

Americo seguiu a pequena garota de olhos puxados até um corredor e, depois, ficou impressionado ao ver uma porta de metal dupla e enorme no final.

— Isso é...

— Um elevador, sim – completa Gabriela, com uma chave de fenda na mão. – Teria terminado antes, mas a Letícia não me ajuda.

— Eu estou aqui, para de reclamar, mulher! – responde Letícia, quando as portas do elevador se abrem. – E então, vocês querem dar uma volta é?

— Todos os andares já estão disponíveis? – pergunta Erica.

Gabriela e Letícia riem.

— Todos, exceto o quinto porque ele ainda não existe – responde Letícia. – Enfim, queremos subir, vocês vão entrar ou não?

Os dois veteranos entram no elevador. Americo se sente inseguro por sentir a cabine balançar, mas não teria como dar errado, já que fora projetado por duas capricornianas.

— Segure-se, Traverico – ri Gabriela.

— Vamos inaugurar essa coisa, tomara que não caia – comenta Letícia.

Letícia aperta no botão que indicava o quarto andar e as portas se fecham.

— Espera, isso nunca foi testado? – pergunta Americo.

— Estamos testando agora.

Isso deixa o eremita preocupado e, quando o elevador praticamente decola, sente a adrenalina com aquele frio na barriga. Quando as portas se abrem no quarto andar, o primeiro a sair é ele.

— Funciona, vocês são demais! – comenta Erica.

— Umas mais que outras, né? – diz Gabriela.

As duas capricornianas retornam até o primeiro andar, deixando os veteranos sozinhos. Eles seguem por um corredor enorme, cheio de portas, até encontrar duas delas abertas.

Entram na mais próxima, à esquerda, onde encontraram uma série de espelhos. Lá, uma garota de cabelos roxos ajudava Tardelli a usar seus atributos.

— Você está indo bem! – Pela voz, Americo reconheceu ser Dandhara. – Porém essas orelhas de gato estão desproporcionais. Precisa concentrar-se muito para fazê-las iguais. O mesmo pode se dizer dos olhos, porque um está castanho e o outro azul.

O libriano volta-se para um espelho, que cobria a parede por completo, e tenta solucionar os erros que cometera na sua transformação. Com muito esforço, consegue deixar os olhos iguais, mas as orelhas ainda não estavam em cem por cento.

— Quase lá – comenta ele.

— Esqueça as orelhas de gato, vai ver você não possui tanta aptidão para felinos.

— Ok, vou tentar com répteis.

Sem querer atrapalhá-los, Americo e Erica ficaram em silêncio, observando o eremita. Mas, antes que Tardelli pudesse tentar, uma terceira pessoa aparecera no espelho.

— Bom dia! – diz Iago, dando um susto nos presentes. – Poderiam avisar Americo que Ingrid deseja falar com ele? Tentei avisá-lo no espelho do elevador, mas ele não me ouviu.

Dandhara sorri para Americo e Erica, mudando seu cabelo longo e roxo para curto e azul.

— Já estou descendo, obrigado – responde Americo.

Dessa vez, os eremitas resolveram descer pelas longas escadas circulares. Seguindo para o andar de baixo, encontraram um espaço enorme, cheio de aparelhos, armas, alvos e até um enorme taboado de madeira revestido com borracha – que lembrava muito um ringue.

Ignorando a presença dos eremitas que ali treinavam, Americo e Erica seguiram para o andar de baixo. Enquanto isso, os veteranos pegavam pesado – e a consequência caía sobre aqueles que estavam sendo treinados. 

— O treino pode ter um foco diferente dessa vez – Lucas fala, sentado ao lado de seus dois colegas: Alexandre e Natali. – Há meses que usamos métodos que já estão mais ultrapassados que a Amara – ele faz uma pausa. – Ela que me perdoe e descanse em paz...

— Ei, ela não morreu – repreende Natali.

— O que você quer propor, Lucas? – Alexandre fala, segurando a risada do comentário do amigo.

— Que tal fazermos um treino só com pedras? – ele fala, animado.

— Pedras? – Natali debocha. – Fala sério?!

— Meu amor, são pedras de 100kg pra cima – ele sorri. – Faríamos um treino coletivo com todo o pessoal do nosso signo e os fazer arrastar a cara no chão. O que acham?

— Adorei, viado! – Alexandre concorda e Natali logo em seguida concorda também, os três se separam, seguindo para seus determinados grupos, para que mais tarde se juntassem no Centro de Treinamento.

A grande sala estava vazia, mas foi se enchendo com o passar do tempo por todos os leoninos, depois pelos aquarianos e, por fim, pelos sagitarianos.

— Já vai ter outro treino? Vocês não cansam de cansar a minha beleza? – Jovana brinca.

— Que beleza? – Ellen questiona, parecendo séria.

— Ridícula.

— É o seguinte, galera... – Lucas começa, e a atenção é dada a ele. – Nós vamos nos dividir em grupos, peço que todos os leoninos se dirijam para aquele canto ali, onde tem aquelas bolas médias, aquarianos, para as bolas maiores e sagitarianos, para as menores.

Todos se posicionaram em seus devidos lugares e cada veterano, de cada signo, tomou o centro de seu grupo, para começar as instruções. Antes de Lucas tomar a frente dos aquarianos, foi até o rádio e colocou uma música para tocar e animar os eremitas.

— Bom, vamos começar – ao som de Cheerleader, Alexandre começou a dar as instruções para os sagitarianos, que eram poucos comparados ao número de leoninos. – ali na frente tem um alvo, vocês conseguem ver? Espero que sim, porque eu não consigo ver. Os alvos estão no chão, a cada 40m tem um alvo, quem acertar mais perto de um alvo e mais longe não ganha nada, mas ganha meu parabéns e um sentimento bom de dever cumprido. Quem começa?

Giuliana vai até o cesto das bolas e a analisa.

— Quanto pesa essas bolas, Alexandre? – ela pergunta.

— Em torno de 100 a 200 kg, depende da bola que você pegar – diz ele, naturalmente, e todos arregalam os olhos. – Querem que eu demonstre?

— Por obséquio – diz Jhordan, debochando.

Alexandre se posiciona na frente dos alvos e pega uma das bolas, todos olham atentamente o veterano pegar uma bola com mais de 150kg parecendo estar segurando um saco de feijão. Ele era tão bom que sua feição continuava intacta, exceto na parte de arremessar a bola, pois fez uma expressão de dor. A bola saiu da mão de Alexandre e caiu certeiramente em cima de um dos alvos e todos aplaudiram.

Vittoria toma o lugar de Alexandre e respira fundo olhando para uma bola de 100kg, que era praticamente três vezes o seu peso. Ela a encaixa em sua mão com facilidade, de forma que levantar a bola não se torne um trabalho tão ruim. Com um esforço pequeno, levanta a bola, arremessando-a 100m à frente, caindo a uns vinte centímetros do alvo. Ela comemora e ao voltar para a fila, passa por Giu. Seus olhares se encontram e ambas encaram como um “bom trabalho”.

Giu assume o lugar de Vittoria e observa por um bom tempo até escolher uma.

— Essa é 200kg, Giu – Alexandre adverte. A garota ignora o que o veterano fala e se prepara. Ela encaixa a bola em mãos e consegue levantá-la, mas Alexandre sabia que ela não estava pronta para 200kg, ainda mais sendo tão pequena e magra daquela forma. Não que ela não conseguisse, mas era necessária uma grande preparação antes que ela tentasse fazer isso.

— Giu, tem certeza? – Jhordan pergunta, preocupado.

— T-tenho – ela fala, com a bola ainda em mãos. Ela cambaleou e, então, se preparou para arremessar, mas algo deu errado e a bola escorregou de sua mão fazendo com que seu braço se torcesse. A garota cai aos gritos no chão, Vittoria se adianta e Jhordan a ajuda a se levantar.

— Você está bem? - pergunta Vittoria.

— Sim, só torci o meu braço – respondeu ela deixando-se ser ajudada, ignorando Alexandre, que a chamava de teimosa. Elas voltaram para o fim da fila sem trocar mais outras palavras e observaram Jhordan e os outros em suas performances.

O treino de Leão, como sempre, estava indo um sucesso. Eles estavam bem mais avançados que os demais, pois conseguiam ter uma resistência de 200kg.

Como o número de leoninos era muito maior, Natali decidiu fazer uma eliminatória, onde quem conseguisse ficar mais tempo equilibrando a bola nas costas ganhava e ia para o treino final. De todos os leoninos que ali se encontravam, apenas Maiara, Tonioli, Clara, Evelin, Stefani e Jovana conseguiram passar para o treino final. Enquanto Gorran, Gabriel e Triza treinavam com bolas menores.

— Vocês, que passaram para a final - Natali começa a falar -, foi moleza pegar 200kg nas costas, né? Mas agora vou propor algo diferente, porque sei que vocês são fodas o suficiente para conseguir. Estamos em tempos difíceis e não sabemos o que nos espera daqui pra frente e precisamos de uma resistência muito maior do que já temos. Vamos fazer duplas agora... Evelin e Toni, vocês vão juntos.

— Ah não, pelo amor de Deus – Evelin fala. – Eu prefiro a morte.

— Pode dupla de um? – pergunta Tonioli, ignorando a existência de Evelin.

— Não, vocês vão juntos – ela repete. – Jovana vai com Stefani. Clara com Maiara.

Os dois bufam e ficam lado a lado, mantendo uma distância considerável.

— A dupla formada é pra ser uma parceria, não uma disputa – Natali para na frente de Jovana. – Deite de bruços.

A garota obedece.

— Eu tenho aqui os aquarianos, eles vão usar a telecinese deles e levitar a bola de 400kg e colocar em cima de cada um de vocês, a resistência é algo indispensável pra nós, você pode fazer o que quiser, pular, dançar e cantar, desde que a bola fique nas suas costas por um bom tempo. Vocês não serão castigados caso não consigam ficar muito tempo, afinal, isso é um treino. E estão em dupla, porque podem se ajudar, equilibrando os pesos juntos. Preparada?

Jovana assente e Natali faz um sinal para Ellen, que se prepara e a bola começa a levitar indo até Jovana e ficando em cima de suas costas, perto do quadril.

Jovana levanta como se fosse uma prancha e a bola fica em equilíbrio. Sua feição era de desespero. Ela manteve o foco e ficou um bom tempo, mas logo em seguida pediu um intervalo.

— Sejam como a Jovana caso não aguentem mais e peçam um tempo, não queiram bancar os melhores, porque estamos lidando com algo sobre-humano, já que ninguém normal consegue equilibrar uma bola de 400kg nas costas. Podem começar. - Natali dá lugar a Stefani para deixá-la treinar com Jovana.

Todos assentem e, então, se deitam.

Os aquarianos se preparam e colocam a bola em cada um enquanto Natali observa os erros e os corrige.

— Eu vou ficar mais tempo que você – Tonioli diz à Evelin, que estava bem concentrada.

— Não vai - ela sorri, enquanto faz umas flexões com a bola em cima de suas costas. Tonioli fica boquiaberto, mas mantém o foco.

Clara era muito pequena e magra, mas acabou sendo a que ficou mais tempo, junto com Jovana. Visto que Maiara desistiu por ter um problema na coluna.

— Parece que tamanho não é documento, não é mesmo? – Clara fala apontando pra si mesma e Jovana começa a rir, junto com Maiara. Os aquarianos estavam cansados, mas treinaram bastante, levitando a bola para colocar e para tirar de cima dos leoninos.

Um pouco ali do lado, ainda acontecia a briga de Toni e Evelin. Toni estava tão vermelho quanto o cabelo de Evelin e mesmo assim não desistia, mas, se Eduardo não tivesse levitado a bola, Toni acabaria esmagado. Ele cai no chão, ofegante e totalmente vermelho, e Evelin levanta, dançando e comemorando sua vitória.

— Ah, lá, a que ganhou uma vez e fica se achando – ele fala, irônico.

— O que é uma beliche perto de fazer flexão com uma bola de 400kg em cima de mim? – ela diz, debochada, e ele se emburra, indo para o outro lado.

— Jovana e Clara, vocês foram ótimas! Pra mim, as melhores. Evelin, você também foi maravilhosa, mas peço mais foco e menos competitividade, o mesmo para você, Toni. Vocês estão dispensados, foram todos ótimos hoje.

***

No andar de baixo, para onde Americo havia rumado, as coisas estavam um pouco mais quente.

— Qual é a utilidade dessa sala mesmo? – pergunta ele, para Erica, ao se deparar com um enorme espaço cheio de tubos espalhados. As paredes eram revestidas metade de espelho e de azulejos.

— É pra controlar melhor os atributos, de acordo com o Victor – explica Erica. – Veja!

Erica aponta para Yasmim, que se encontrava no meio do salão. A garota esfrega as palmas das mãos, se concentrando, e bruscamente lança labaredas através das mãos, que dançam para dentro dos tubos. Após alguns segundos, Americo vê no outro lado da sala uma das labaredas saindo e atingindo Auster, que desvia as chamas para os lados.

— Essa foi por pouco – diz Yasmim, sorrindo. – Na próxima, você frita.

— Isso se ela vier pra mim – responde Auster.

Porém, para a infelicidade dos arianos, o jato de fogo saiu por outro caminho, tão próximo de Americo e Erica, que poderia fritá-los de verdade. A super-visão do sagitariano vê a luz sair pelo tubo, e isso dá a chance de ele jogar a amiga no chão, onde ambos se esquivam das chamas.

— Aí está você! – Ingrid aparece, pegando a chama que saiu do tubo e girando no ar.

A veterana de Áries reduz o fogo que saiu do tubo, até que caiba em sua mão. Depois, o engole como se fosse um doce, cuspindo de volta chamas azuis que se apagam no ar.

— Muito bom o truque, né? – ri Didi. – Enfim, chamei você porque queria saber a utilidade dessa sala, mas parece que já descobrimos. Gostei.

— Que bom, porque os canos custaram caro – comenta Erica e, ao se dar conta que havia esquecido algo, começa a se dirigir para a saída. – Agora que lembrei, tenho que fazer o orçamento do material do último andar. Bom treino.

— Preciso ir também – diz Americo. – Até mais e cuidado pra não queimar ninguém.

Ingrid solta um riso irônico.

— Pode deixar.

***

Em meio a tantos conflitos e, certas vezes, felicidade compartilhada entre alguns, os eremitas tiraram uma noite do ano para se unirem e comemorar o feriado mais esperado por todo grupo ou família. O que, no caso, apesar de não terem laços de sangue, eram com toda a certeza um grupo, mas também uma família de coração, indo contra quaisquer tipos de definições idiotas sobre amor e família ditados pela nação.

De manhã, enquanto a maioria dos eremitas continuava suas atividades, equipes de quatro pessoas saíram em busca de enfeites, galhos de pinheiros e muita iluminação artificial. Já outros optaram pelos animais e vegetais. Uma enorme colheita foi feita, e nem sábado — dia de supervisar e colher os plantios por perto da montanha — era.

— Para que toda essa correria? — Augusto, que estava entrando na Copa, provavelmente acabara de acordar. Passou ignorado pelas pessoas e mesas, que eram retiradas do local flutuando no ar, com aquarianos as guiando. — Hoje é aniversario de alguém?

Uma voz, vindo de perto das janelas, soou ríspida para qualquer ouvido.

— Não, né?!

Augusto, ainda bocejando, ao se aproximar viu que a voz era de ninguém menos que Gabriel, que carregava uma caixa de papelão barulhenta.

— Sei lá, né? Talvez fosse o milionésimo centésimo décimo primeiro aniversário da Amara — ele disse e riu, mas logo vendo que os outros ao redor não acharam graça, fez uma careta. — Vocês são chatos, eu hein.

Ele pegou uma maçã das mãos de Triza e a mordeu. Logo em seguida, saiu correndo.

— Que garoto doido — ela diz, e com um entusiasmo voltando, espalha, sem querer, confetes verdes e vermelhos no piso da Copa. — É NATAL, IDIOTA!

Enquanto as mesas pequenas saíam, uma grande e vermelha entrava, cadeiras novas também, e a raiva dos arianos que varriam novamente os confetes derrubados por Triza no piso era descontada — nesse dia tão especial, pacífico e simbólico — na forma de pequenos palavrões.

Os virginianos rodeavam a montanha inteira, ditando o que os outros deveriam fazer. E mesmo as pessoas de signos mais calmos se sentiram usados ao extremo e tentados a reclamar de alguma forma, já que verbalmente não adiantava muito.

Carregavam caixas enormes, ouvindo gritos de direção (tais como, “PEDRO, ESSA COROA É AO LADO DOS QUADROS” ou “MONIQUE, OS GALHOS DA DIREITA ESTÃO AMASSADOS”) e montavam nas paredes e chão todos os objetos, ficando como trabalho prático para a maioria dos taurinos que voltaram da colheita, obtendo ajuda de dezenas de pássaros, que carregavam pelo bico e ajeitavam, sobre pequenas pregas das paredes, extensos e coloridos pisca-piscas natalinos. Minutos depois, Vivaldo dá a ordem para os pássaros se dispersarem.

Voltando das salas – que ficavam acima da Copa –, Americo dá de cara com a paisagem de eremitas fazendo todo aquele trabalho. Após ser a milésima pessoa a perguntar o que era aquilo, o jovem e veterano eremita correu pela montanha, avisando a todos que mais tarde teriam uma senhora ceia de natal.

E, ao falar da ceia, a noite veio tão rápido quanto uma pedra atirada por um sagitariano. Os primeiros flocos de neve começaram a cair na copa, vindas de uma nuvem que pairava acima deles.

— Como isso é possível? – questiona Brenda, que estava vestia de mamãe Noel, olhando para a nuvem.

— Uma máquina de esfriar muito potente e ar umedecido – responde Augusto. – Deu muito trabalho pra fazer esse troço.

— Está de parabéns, porque funciona.

As mesas, que ficavam espalhadas pelo local, foram organizadas de forma que formassem uma só, cheia de doces, travessas, pratos e milhares de alimentos. Através de Bruna, Brenda recomendou receitas exóticas para os Globinos, que prepararam com muito entusiasmo.

A decoração havia sido elogiada pelos virginianos, enquanto os taurinos avançavam nas sobremesas. Geminianos e cancerianos formaram um coral de última hora. Librianos arrasavam nas roupas de natal – e até teve papai Noel, muito bem elaborado por Paulo. Porém, a “diversão” da noite era dos sagitarianos, que contavam as piadas de sempre, mas só os mesmos pareciam rir.

— É pavê ou pacumê? – pergunta Alexandre.

— É pra tacar na sua cara – diz Gabriela, servindo-se do doce.

— Percebe, Ivair, a petulância do cavalo? – comenta Jake.

De alguma maneira, naquele momento, os problemas que enfrentavam haviam sido deixados de lado. Pela primeira vez, os piscianos se reuniram fora da sala de Amara. Há tempos não se viam os escorpianos sem suas garras ou os virginianos sem suas pranchetas. Aquela noite especial fazia bem pra todos, e acreditavam que nada ali poderiam abalar.

— Finalmente te deram alta – comenta Triza, ao ver sua amiga, Daniela, servindo-se de pudim. – Está se sentindo bem?

— Melhor impossível – responde Daniela. – Principalmente com essa comida. Pelo meu mapa astral, isso está ótimo!

— É, você está bem mesmo.

Gabriel se aproximara do outro lado da mesa, servindo-se de uma noz.

— Alguém viu o quebra-nozes? – pergunta ele, mas ao não obter resposta, resolve quebrar com as mãos. – Deixa, já consegui.

— BOLSA! – grita Daniela, se aproximando. – Ainda não agradeci por você ter me salvo, obrigada.

O garoto mastiga a noz, contente. Depois, enquanto a neve caia em seus cabelos, disse:

— Não aceito desculpas, só aceito um beijo mesmo.

— Ridículo.

Nesse momento, Daniela o deixa, aproximando-se de Augusto e Paulo. A garota fica feliz ao receber o presente do papai Noel libriano, mas não escapa das piadas de mal gosto de Augusto.

— O que vem do saco que não te alegra, né, Daniela?

— Você, talvez – responde ela.

— BERRO! UAAAAAAAAH – ironiza Paulo.

— Você não pode falar nada, está segurando um saco vermelho e enorme desde que a noite começou e não larga – Augusto diz. – São uma dupla de piranhas mesmo.

Daniela começa a ter um ataque de riso enquanto Paulo faz uma imitação perfeita de Augusto. Em seguida, a taurina começa a agir de forma estranha. Deixa seu prato cair no chão e começa a correr, rindo, para a borda do poço. Depois, aponta para cima, onde uma enorme abertura revelava o céu escuro bem lá no topo.

— O que ela está fazendo? – Yngrid se pergunta, parando de comer o tender.

O rosto de Daniela muda de um sorriso para uma cara fechada. Seu braço, que estava apontado para cima, de repente abaixa e agora aponta para a ceia dos eremitas. Nem dois segundos se passaram até uma onda de pássaros negros invadir o Pico do Cristal, atacando todos os eremitas que ali estavam, comemorando.


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