Destinos escrita por lemingau


Capítulo 2
Capítulo 02. Allô! Maman, Bobo


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo!



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1920. Atenas, Grécia.

Algumas semanas haviam se passado desde o acontecido na tenda e a descoberta da carta. Milo já estava começando a se adaptar à ideia de que seu pai se fora e a partir de então teria de se desdobrar para suprir a falta que ele fazia ao sustento da família, que, por sinal, tornou-se uma missão bastante complicada devido à escassez de turistas motivada pela guerra, uma vez que costumavam vender peças tradicionais gregas, coisa que agradava aos estrangeiros, mas tinha-se de sobra entre os cidadãos locais.

De vez em quando se encontrava abatido pela súbita perda, mas logo buscava se recompor e seguir em frente, sabendo que isso só preocuparia desnecessariamente a mãe e mesmo seu pai não gostaria de vê-lo lamentando-se por tanto tempo.

Por outro lado, estava próxima a despedida de Saga. Logo um regimento formado pelos recém recrutados marcharia rumo ao leste, deixando sonhos e esperanças na cidade, para a qual muitos deles saberiam não voltar mais.

Naquele fim de tarde o jovem havia discutido com um grupo que andava a cometer pequenos furtos no bairro durante a noite e, eventualmente, alguns assaltos a transeuntes. Kanon estava certo, sabia que precisava parar de bancar o herói, que cedo ou tarde isso ainda resultaria em desastre. No entanto, o desejo de fazer o certo, de proteger aquelas pessoas com quem convivera a vida toda era bem mais forte que o temor de quaisquer consequências que suas atitudes impensadas poderiam resultar. Além do mais, Saga temia que seu irmão se unisse a eles após sua partida. Compreendia seus sentimentos de impotência de subestimação e temia que isso o levasse a percorrer um mau caminho.

— Mas você tem muita coragem de vir sozinho nos ameaçar não? – Debochava uma moça de longos cachos loiros – Só não sei se é coragem ou estupidez mesmo. Não tem medo do que podemos fazer com você? Afinal, somos três contra um...

— Ele não se atreveria, Thetis – Respondia jovem belo de cabelos curtos, ao lado de um rapaz assustadoramente pálido, cujos dentes mais pareciam presas e aparentava ter um grave problema na coluna.  – Sabe que está em nosso território e aqui nada pode contra nós.

— Aliás, o que o faz vir até nós com toda essa petulância? – O garoto de aparência bizarra perguntava arrogantemente. – Não diga que é apenas para cumprir seu dever moral, sabemos que quando quer você pode ser até mais cruel que nós.

Saga analisava os três. Conhecia-os muito bem, sempre foram um grupo bastante problemático no bairro, apenas jovens em busca de alguma emoção enquanto eram novos demais para serem convocados à guerra. Mas até então nunca haviam cometido nada grave como roubos, talvez por conta da crise cada vez mais eminente causada pelas guerras.

O rapaz de cabelos curtos de chamava Sorrento, junto dele estava Thétis, com quem nutria forte amizade. O rapaz pálido se chamava Caça e era o mais novo do grupo, atrás deles, outro garoto esperava de braços cruzados, sério, sem dizer uma palavra.

— Você me diverte com toda essa prepotência infantil, Caça – Saga ria sarcasticamente. – Até agora não fiz nada que extrapole os limites da lei. Não posso dizer o mesmo de vocês, não? Mas, pelo visto, a agradável conversa que planejava ter com os senhores não será admitida aqui, mas o aviso fica dado. Além do mais, não é do meu feito bater em crianças.

— Não pense que sairá assim após nos intimidar, Saga... – Aproximava-se o outro jovem, cuja presença era certamente mais intimidadora. Julian Solo, o chefe dessa pequena facção, resolvera finalmente se apresentar.

Desde que seus pais morreram, o rapaz passou a liderar esse grupo, sob o pretexto de não abandonar seu antigo modelo de vida e a promessa de estendê-lo a seus aliados. Em suma: era um grande egoísta. Como de costume, usava um fino traje branco, precoce demais para uma criança, porém necessário para sua tão desejada afirmação perante os companheiros.

— Pretende deter-me aqui, senhor Solo? – Inquiriu Saga, remendando o modo de falar do mesmo, atitude que o deixou furioso. – Sinto em dizer-lhe que não poderei alongar-me demasiadamente nesta ocasião, sob a promessa de falar-lhe em um momento mais oportuno.

— Não pense que pode se escusar dessa maneira! Acha que pode nos ameaçar desse modo e sair ileso? – Julian esbravejava enquanto apontava para um de seus cúmplices. – Caça!

Numa fração de segundos, em um movimento que nem Saga pôde prever, o rapaz de dentes afiados lançou-se contra seu corpo, cravando-lhe uma faca em seu abdome, derrubando-o com toda a força contra o chão. Em um gesto desesperado, Saga empurrou o jovem para longe e arrancou a faca do local onde havia sido introduzida, atirando-a contra seu agressor.

— Maldito! – Rosnou Saga enquanto cuspia um coágulo que subia à sua garganta. – S-seu moleque!

Foi quando Caça lhe dera outra investida, dessa vez diretamente em seu pulmão.

— Pare, Caça! – Interveio Sorrento. – Não pretendemos matá-lo!

— Ora, cale a boca! Não vê que ele é quem nos mataria?

— Não Caça, ele nos deu sua palavra! – Julian mostrava-se preocupado. - Não queremos responder pela morte de ninguém...

— Mas o que faremos com ele? – Thétis se apressou enquanto Saga agonizava no solo. – Nesse estado ele morrerá em instantes... Não podemos simplesmente levá-lo a um hospital.

Decidiram, então, deixá-lo ali mesmo, na esperança de que um transeunte o encontrasse, enquanto buscavam algum meio de despistar quaisquer evidências que levassem a eles. Mas, por sorte, os gemidos de Saga não passaram despercebidos por alguém que passava pelo local: Aiolos. O amigo prontamente o socorreu e tratou de levá-lo até sua casa, que ficava relativamente próxima ao local da confusão.

Enquanto isso, em um local afastado, Aiolia estava prestes a cometer um grande engano.

— Tem certeza, Aiolia? – Milo perguntava inquieto ao amigo. – Tudo isso é estranho demais... Pode ser apenas um falastrão, mas e se for alguém com más intenções? Há algo naquele homem me preocupa.

— De fato, esse Lune não é alguém disposto a ajudar os outros sem algo em troca e ele deixou isso bastante evidente – Não havia mais sombras de dúvida no olhar de Aiolia. - Mas eu não quero que ocorra nenhum desastre, entende? Não me importo em fazer alguns sacrifícios para que Aiolos não seja convocado, ainda mais depois de perder tanta gente querida.

— Não foi isso o que quis dizer – O garoto o encarava seriamente. – Você fala que não teria problemas em fazer o que fosse preciso para que o Aiolos não fosse para a guerra e disso eu não duvido. Mas você acha mesmo que o homem do livro vai evitar que isso ocorra? Aliás, ele nem disse ao certo o que era esse “preço a pagar”!

— Eu sei! – Aiolia gritou. – Droga! Eu sei, sei de tudo isso, Milo. Mas tenho medo, muito medo de perder meu irmão e ficar sem ninguém...

Aiolia sentiu os olhos marejarem. Para que o amigo não notasse pôs-se a marchar em direção à tenda do Balron, decidido a fazer um acordo com Lune, tal como Kanon havia feito anteriormente, porém mais pensado.

Milo o seguiu ainda desconfiado, sabia que Lune não planejava nada saudável ao oferecer promessas de mudança, ainda mais a adolescentes do subúrbio. Não havia nada mais sedutor para eles, sobretudo em meio a tantas mudanças provocadas pelas guerras.

Chegando à tenda, os pequenos sentiram calafrios. A aura sombria do ambiente se intensificava sob a luminosidade morta do crepúsculo, porém a presença imponente do anfitrião era o que mais os intimidava.

— Ora, boa noite! – Cumprimentou o Balron com um frio sorriso. – Posso saber o que leva rapazes tão jovens a meu encontro? Creio que não seja para celebrar nenhum contrato, afinal, crianças na sua idade não deveriam ter sérias preocupações que as levassem até a mim, não?

Com aqueles olhos enigmáticos e uma pausa dramática, Lune atingiu o efeito pretendido: após essa provocação, o garoto certamente revidaria.

— Está errado! – Disse Aiolia. – Vim aqui lhe propor um acordo.

— Interessante... – Analisava o homem enquanto declarava pausadamente. Atiçar o ego, transmitir confiança. - Pelo visto você não é como os outros meninos da sua idade. Tem em mente um futuro escrito por você apenas e não se sujeitará ao cruel e injusto mecanismo do destino. Muito bom.

— Na verdade, não é o meu destino – O garoto começava a suar.

— Explique-se.

Aiolia então contou o que desejava a Lune, após narrar todos os recentes acontecimentos que o levaram a tomar tal decisão. Estava com medo e tentava ocultar os tremores causados pelo nervosismo, enquanto Milo observava à cena tanto quanto, ou até mais, assustado que o primo, numa situação de bastante desconforto.

— Fico comovido que o rapazinho tenha acreditado em minhas palavras. De fato, é cada vez mais comum que minha palavra não seja levada a sério ultimamente – O dono da tenda, que demonstrou bastante atenção enquanto ouvia a história, agora sorria amigavelmente para o visitante. – Vejo que está determinado e possui motivações bastante nobres, coisa que não se vê com freqüência na atualidade. Portanto, vamos ao que interessa.

Aiolia engoliu em seco. Os tremores se intensificavam a cada segundo que passava, mas estava não estava disposto a sair dali até obter uma resposta positiva. Por outro lado, Milo desejava com todas as forças sair correndo de lá o mais rápido que suas pernas aguentassem, no entanto, permaneceria ao lado do amigo até julgar que aquilo tudo estaria acabado. Tentava se convencer de que fariam um acordo ordinário e no fim da história Aiolia ficaria apenas algumas moedas mais pobre enquanto Lune partia discretamente do bairro, à procura de novas vítimas para suas falcatruas. Porém, sua intuição lhe dizia para perder esse tipo de esperança.

— Tem certeza, Aiolia? – Indagou Milo uma última vez. A pergunta agora parecia mais um pedido de desistência que uma mera dúvida.

— Por favor, Milo... Eu já tomei minha decisão.

— Muito bem, então – Assentiu Lune com a cabeça enquanto abria o grande livro posto sobre a mesinha. – Vai fazer o mesmo acordo que seu amigo Kanon? Ou gostaria de alterar algo?

— E-eu só quero que meu irmão não seja convocado.

— A troco de quê? – O anfitrião levantou os olhos, já com pena em mãos.

— Qualquer coisa, desde que ele não vá.

Milo notou um sorriso malicioso surgir discretamente nos lábios do homem, que se pôs a escrever primorosamente em seu livro. Pensou que talvez fosse apenas sua imaginação, já que estava deveras impressionado com a situação.

Ao depositar a pena no tinteiro, Lune dirigiu um olhar terno a Aiolia, como se os dois agora fossem cúmplices de um segredo só por eles conhecido.

— Está feito, caro rapaz. Não se preocupe, não exigirei nada seu em troca do favor. Pode partir, vejo que não está muito bem, certo?

— S-sim. Muito obrigado, senhor Lune. Até mais ver – Aiolia despediu-se. Enquanto saíam da tenda, o homem os deteve.

— Ah, meu jovem – Lune proferiu em meio a um falso suspiro. – Creio que o destino por você criado não permitirá que nos encontremos novamente. Mas algo me diz que seu amiguinho e eu nos veremos algumas vezes mais.

Aquela última frase gelou Milo até os ossos e, pelo que pôde notar, Aiolia também estremeceu ao ouvir aquelas palavras.

— Mas onde estou com a cabeça? – Lune prosseguiu com naturalidade. – A essa hora vocês já deveriam estar em suas casas, vejam: o sol já se pôs faz algum tempo. Sugiro que retornem logo antes que surjam problemas.

Disse aquela última palavra com um tom malicioso. Os pequenos voltaram para suas casas, discutindo o ocorrido pelo caminho. Aiolia tentava exibir-se esperançoso enquanto Milo apenas demonstrava incredulidade, buscando falhamente ocultar o medo que os consumia por dentro.

Chegando próximo à casa de Aiolia, viram a mãe deste do lado de fora, transparecendo preocupação e temor. Ao avistá-los, ela correu ao encontro dos dois, jogando de lado um lenço que tinha em uma das mãos para abraçar o filho.

— Por onde estiveram esse tempo todo? Fiquei tão preocupada – Disse com os olhos já cheios d’água.

Confuso, o garoto perguntou à mãe o motivo de tamanha comoção. A mulher, então, respirou profundamente, pensando em uma maneira mais fácil de contar às crianças o ocorrido. Optou por ser o mais direta possível.

— Saga está morto.


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Notas finais do capítulo

"Saga de Gêmeos caiu." (leia com a voz do Mu)

Obrigada por ler até aqui!
Fico grata pela paciência nestes capítulos iniciais, eles são necessários para preparar o terreno para as tretas futuras.
Coloquei uma participação rápida dos marinas, como podem ver. O arco de Poseidon é meu favorito e não podia deixá-los de fora hehe... Mas a participação deles termina aqui (por enquanto).
Aliás, perceberam que esse Lune está mais para TLC que o Lune clássico?

Até o próximo capítulo!



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