Destinos escrita por lemingau


Capítulo 1
Capítulo 01. Des Armes


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitor!
Essa é minha primeira fic!
Tive a ideia de fazê-la há alguns meses enquanto lia "O Príncipe da Névoa" de Záfon, portanto, alguns aspectos da história são baseados em conceitos do livro, mas não está nem um pouco parecido com a obra!
Também me inspirei nos gêneros realismo fantástico e romance histórico.
Divirtam-se.



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1920. Atenas, Grécia.

— Vamos, Milo... – Dizia um menino de pele bronzeada e cabelos loiros escuros bem curtos. - Se você continuar assim... E-eu também vou chorar...

Falava com outro garoto que, curvado sobre um pedaço de papel, tremia e chorava em silêncio. Aparentavam ter a mesma idade, cerca de sete anos, e, apesar de este usar os cachos claros mais longos, nutriam entre si grande semelhança, podendo se passar por primos.

— T-talvez tenham se enganado. Nunca se sabe, não é mesmo? Pode ser que o tio esteja em algum lugar que...

— Ei, moleques! O que estão aprontando aí escondidos? – Perguntava um jovem de aparência esbelta e atitude descolada para os adolescentes da época, do tipo que fazia bastante sucesso na rua e trazia muita dor de cabeça para casa. Era alto e usava longos cabelos loiros. Foi então que se deu conta da situação. – Aiolia, foi você quem fez ele chorar? Francamente, essas crianças de hoje se emocionam por qualquer besteira!

— Não fui eu, Kanon! – Apressou-se o menino que se chamava Aiolia. – É que... Bem, a tia recebeu uma carta ontem e ficou muito estranha e... Bem, aí o Milo a pegou hoje escondido e, bem...

— E? Fala, vai! – O mais velho já estava impaciente. – Não sou vidente.

— Era do exército, o tio morreu.

Naquela época ocorria a Guerra Greco-Turca, que durou até outubro de 1922. Com a queda do Império Otomano, após a primeira Guerra Mundial, a Grécia tentou unificar todos os povos gregos em um único estado, cuja capital seria Istambul. Era o que alguns chamavam de Megáli Idéa, “a grande ideia”. Na prática, de nada servia todo esse nacionalismo para as crianças. Em suas perspicazes mentes infantis, ter a família unida em casa era muito mais significante que uma grande nação unida por sangue e morte.

O pai de Milo não era um soldado, pertencia a uma família de artesões que se dedicava principalmente à tecelagem. Fora convocado pelo exército para suprir a demanda de combatentes que crescia cada vez mais com o andar do conflito.

— Oh não... – A notícia deixara Kanon se abater. Tinha vários conhecidos cujas vidas de seus parentes se perderam nas batalhas, mas aquele era o caso mais próximo de que se dava conta. O rapaz, que era acostumado a sair de situações em que era pego despreparado, ficou sem saber o que fazer enquanto via o pequeno soluçar quieto.

— Meu pai foi convocado junto com o tio, será que ele morreu também? – Perguntava Aiolia com os olhos marejados.

— Não diga besteiras! – Pigarreou o adolescente. - Escutem só: o meu irmão também foi convocado, logo ele irá partir pro campo de batalha também. Eu juro que se ele encontrar o maldito que matou o tio, vai fazer ele pagar na mesma moeda!

— Não, eu não quero – Milo, que até agora estava calado, finalmente resolveu falar. Com a voz embargada pelo choro, o pequeno fazia uma súplica sincera. – Não quero que ninguém mais morra.

Aquelas palavras tocaram Kanon, não tinha parado de pensar no irmão desde que se iniciou o assunto. Foi quando outro rapaz chegou arfando ao local. Era irmão de Aiolia, alto e moreno, usava uma faixa vermelha na testa, sua marca registrada.

— Kanon - O jovem respirava pesadamente como se tivesse ido correndo ao encontro do outro. - Você precisa vir comigo. Saga está prestes a fazer uma besteira.

— Aquele maluco... O que foi dessa vez?

Aiolos, esse era o nome do garoto, conduziu os três até uma tenda numa área não muito movimentada do bairro. Insistiu em levar Aiolia junto, que insistiu em levar Milo. Chegando lá, os quatro se depararam com um rapaz idêntico a Kanon, cuja presença, no entanto, era sóbria e imponente. Sentado por trás de uma mesinha, um homem desconhecido o encarava com mesma intensidade, mantendo uma aura ainda maior de seriedade. Talvez a equiparação de forças de espírito tornasse aquela batalha silenciosa ainda mais apreensiva para os espectadores.

Porém, algo era certo: Saga estava em desvantagem. Talvez por o desconhecido ser bem mais velho que os rapazes, ou mesmo pelo ambiente criado pela tenda, era notável que haviam discutido anteriormente e o gêmeo mais velho se controlava para não perder a compostura perante dos outros.

— Ha. Como se isso fosse o suficiente para me convencer – O jovem quebrava o gelo, na presença dos recém-chegados. – Você não passa de um falastrão, se quisesse já teria feito algo. Se for tão bom como diz por que ainda trabalha nessa tenda mofada? Não me diga que esses trabalhos não funcionam em quem os fez.

O desconhecido deu um sorriso malicioso. Seus cabelos brancos e longos contrastavam com o rosto jovem e sadio do homem. Suas mãos repousavam sobre um grande livro velho e amarelado, desses que só se encontram algumas em bibliotecas.

— Eu gosto da vida que levo – Foi quando lançou um olhar tão intenso que paralisou a todos no local. – A grande questão aqui é: Você está contente com sua vida? Se estivesse não veria motivos para dirigir-se até aqui, não?

Com aquilo, o homem o deixara sem palavras. Foi quando Kanon se apressou.

— Saga, o que esse cara quer?

— Permitam que me apresente. Sou Lune, o Balron. Este livro que tenho comigo chama-se “Destino”. Ele contém os mais ínfimos detalhes de todas as vidas desse mundo, desde a primeira delas – Aquele homem falava com tanta seriedade e persuasão que era impossível pensar que contava uma mentira. Lune tinha extrema convicção do que falava e era capaz de convencer a todos com seu discurso. – Minha missão é guiar as vidas para o caminho certo, um caminho definido pelas próprias escolhas individuais, sem a interferência do destino. Em outras palavras, com a posse deste caderno posso reescrever o futuro de quem a mim o desejar.

Aquelas palavras penetravam todo o ambiente, criando um clima de reverência e apreensão. Só então Milo parou para reparar nos detalhes da tenda. Era feita de um tecido escuro e grosso, sem muitos apetrechos, apenas a mesinha com o livro e algumas poucas velas, posicionadas de modo a não permitir que as chamas queimassem o tecido da barraca. Era diferente de todas as outras tendas de videntes e feiticeiros que já havia visto.

Naquela época era muito comum a chegada e saída de artistas e trupes nas cidades, principalmente em uma tão movimentada como Atenas. Os espetáculos eram bastante variados: haviam desde os malabaristas mais ordinários até ascetas quem passavam semanas sem comer. Lune não era um artista, muito menos um vidente. Esse homem tinha o verdadeiro poder de mudar a vida das pessoas.

— Hahaha! Só você pra bater boca com um cara desses, Saga! – Kanon tentava parecer relaxado, mas era perceptível o quão perturbada e nervosa havia sido aquela risada. – Francamente, quando eu digo que você é maluco ninguém acredita! Vamos embora, já está na hora de você parar de bancar o Senhor Moral pra assustar os oportunistas que encontra por aí... Eu tenho é pena de você, querendo consertar sozinho todos os problemas do mundo.

Pena? Não seria inveja? – Lune lançava seus olhos de serpente sobre o gêmeo mais novo, de modo que ele começou a suar frio. – Você tem inveja de seu irmão que é em tudo melhor que você. Não tente se enganar, esse é o sentimento que você vem reprimindo desde sempre. “Por que as coisas são tão fáceis para o Saga?”. “Por que tudo de bom só acontece com o Saga?”. Nem para morrer na guerra você serve, não? Aqui não está escrito que você recebeu convocação alguma.

Lune falava pausadamente enquanto apontava para o livro dando risadas sarcásticas, provocando a ira do jovem. Ele sabia quais suas fraquezas, seus medos, sabia inclusive de como seria sua reação. Lune sabia de tudo graças ao livro que possuía em suas mãos.

— Maldito! – Kanon socou a mesinha. – Quem você pensa que é pra falar de mim? Acha que porque leu umas palavras nesse livro idiota te dá direito de dizer o que sou e como me sinto? – Enquanto gritava com Lune, sentia seu sangue ferver e a raiva lhe subir à cabeça.¹

— Ora, se o que digo não é verdade então prove. O que faria por seu irmão? Por acaso daria a ele um destino melhor que uma medalha e um caixão?² – Lune finalmente chegara ao ponto desejado. Conhecia os humanos, sabia que em seu estado atual, Kanon seria capaz de qualquer coisa para tirar as acusações de si. Era tudo uma questão de retórica.

— Isso é um teste? Pois bem, trocaria de lugar com ele se fosse preciso. É o que queria ouvir?

— Cala a boca, Kanon! Você não sabe com quem está se metendo! – Saga interferiu.

— O que foi agora? Vai dizer que se comoveu? Não me faça rir! Foi isso o que você sempre quis, o que todos queriam, não é? Que eu morresse logo nessa droga de guerra, no lugar do exemplar Saga, tão bonzinho, tão coitado! Então que assim seja! Olha só que bom, agora vai ser só um! – O loiro esbravejava.

Aquelas palavras machucaram Saga, não apenas pelo modo como foram ditas, mas porque no fundo sabia que era a verdade. Sua família era pobre e nunca pensaram em ter mais de um filho, como as outras. Ainda que no campo os filhos pudessem ajudar no sustento da família, na cidade grande que era Atenas, com a crise do pós-guerra e início de uma nova, encontrar um emprego se tornara algo muito difícil. Os adolescentes, que antes buscavam aprender algum ofício como aprendizes se viam sem escolha a não ser entrar no mercado informal, ganhando uma quantidade mínima por horas de esforço. Tudo porque os pequenos artesões, como a família de Milo, não tinham como desembolsar fundos para manter um aprendiz a passar a técnica adiante. Foi também em período de grande perda cultural.

— O que você quer em troca? Já vou dizendo que não tenho muito – Kanon encarava a Lune com os olhos vidrados.

— Não preciso de muito. Apenas tenha em mente que quando chegar a hora você saberá.

Alguns instantes depois, do lado de fora da tenda, os gêmeos trocavam desafetos, enquanto um empurrava ao outro, afastando-se dali.

— Aiolos, o que vai acontecer com eles? – Perguntava Aiolia. – Aquele homem me dava medo.

— Não precisa se preocupar! É só um enganador como tantos outros que vemos por aí – Respondeu prontamente Aiolos, apesar de ele mesmo não crer na veracidade do que acabara de dizer.

— Mas ele nem cobrou nada, tem certeza de que não estava falando sério?

— Ora, e alguma vez já menti pra você? Pode crer que aquele livro não passa de um caderno velho que esse Lune encontrou por aí. Não concorda, Milo? – Perguntava o mais velho, buscando mudar de assunto. – Aliás, que tal passarmos no porto agora? Aposto que conseguiremos algumas sobras pra dar de comer às gaivotas se chegarmos cedo. Que tal? Não quero ver essas carinhas tão jovens assim tão tristes!

— Acho que vou pra casa... Mas obrigado pelo convite, Aiolos – Disse Milo enquanto se afastava do local, lutando para conter as lágrimas que surgiram ao lembrar-se das vezes em que ia com o pai ao porto. Jogavam filetes de carne de peixe no ar para que as gaivotas apanhassem ainda em vôo. Ele lhe contava como conhecera sua mãe na Ilha de Milos, origem de seu nome, o ensinava a pescar e a limpar o peixe, separando as partes úteis das que serviriam de comida para os pássaros, sem se dar conta da vida feliz que levava.

Caminhava absorto nessas lembranças, esquecendo-se gradativamente da ocasião na tenda, afinal, apesar de impressionar-se com o ocorrido, tudo aquilo era confuso demais e, comparado à perda que acabara de sofrer, não passava de um simples acontecimento sem implicações no futuro.

Será?


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Notas finais do capítulo

¹ = Kanon deu uma de Albafica aqui hehe
² = Saga "era um garoto que, como eu, amava os Beatles e Rolling Stones"
Por favor, peço paciência nesses primeiros capítulos porque serão muito importantes para a conclusão da história :D
Postarei em uma semana o próximo capítulo!



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