Sobre Príncipes e Princesas escrita por Hanna Martins


Capítulo 33
Rumores de chuva


Notas iniciais do capítulo

E aqui estamos nós, na reta final de "Sobre Príncipes e Princesas". Sim, entramos com esse capítulo oficialmente na parte final, serão mais quatro capítulos... Ai, ai, ai, já começo a sentir saudades...



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À noite desesperada para dormir, luto contra certos pensamentos que não querem me abandonar. Minha mente fervilha, como uma máquina produzindo fantasmas sombrios.  

Os ponteiros do relógio sinalizam que já passa das quatro da manhã. Mais uma noite sem sono.  

Levanto-me e vou até a janela. Abro-a. Sento-me no parapeito e observo um céu sem estrelas. Nuvens pesadas cobrem o céu. Talvez, chova. Uma chuva seria bom. A água lavaria a poeira, deixando o mundo fresco e limpo.  

 “É seu dever como princesa herdeira”.  

As palavras recaem sobre mim, sufocantes, esmagadoras.   

Meu último encontro com a rainha foi... um encontro com a rainha. Sempre saio deles com a sensação de que me transformei em um pequeno e insignificante floco de gelo.  

Se fechar meus olhos posso visualizar cada detalhe da reunião: 

A rainha me esperava em seu gabinete, trajava um discreto tailleur cinza. Nada de joias. Os cabelos presos em um coque, sem um fio fora do lugar. Um discreto batom rosa pálido e um pouco de blush nas bochechas.  

Sentei-me em sua frente conforme ela me indicara com um gesto. 

— Como você está, Emma? — perguntou polidamente, como se estivesse realmente interessada em mim.  

— Bem, obrigada. 

Analisei-a. Uma reunião com a rainha sempre tem um proposito. Ela também me estudava discretamente, com aqueles olhos verdes penetrantes e indecifráveis.  

— O dever de uma rainha é proteger a família real — começou a falar com a voz pausada. —  Ela precisará tomar decisões difíceis para cumprir com seu dever. Mesmo que essas opções pareçam questionáveis no momento. Mas, a rainha precisa cumprir com seu propósito. Um dia você estará ao lado de Leon como rainha. 

Quando ela pronunciou essa última frase, a realidade me atropelou como um grande caminhão. Rainha. Será esse o meu futuro? Ser rainha é algo completamente irreal para mim. Embora a possibilidade pairava sobre minha cabeça, nunca quis refletir verdadeiramente sobre ela. Talvez, com a inútil esperança de que ela nunca se realizaria se eu não pensasse sobre o assunto.  

Eu sei, fui uma completa tola em querer fugir desse problema. Afinal, sou a princesa herdeira. Mas...  

Rainha, um cargo cheio de deveres e responsabilidades. As pessoas costumam apenas pensar no lado glamouroso que cerca a família real, há quase um ano eu provavelmente era uma dessas pessoas, porém, as coisas não são assim. Há muito jogo envolvido, mentiras, manipulação. E, eu? Sou apenas uma garota perdida no meio de tudo isso. Uma garota de 19 anos, sem escolhas.  

— Você precisa se preparar para esse cargo — continuou ela. — Um dia ele será seu.  

Minha mão apertou o apoio de braço da cadeira com força, as unhas quase perfuraram o couro devido à pressão. Mordi a bochecha e precisei me controlar para não demonstrar a dor.  

Não quero ser rainha. Não quero viver essa vida de deveres, em que tudo é extremamente controlado. Além disso, eu nunca saberia jogar esse jogo. Eu não sobrevivera nesse mundo. Ser rainha significa matar meus sonhos. Cada um deles.   

— Muito será exigido de você, Emma. — Os olhos dela perfuravam a minha pele e chegavam até o âmago do meu ser. — Espero que compreenda o motivo de todo nosso empenho para preservar a família real. Um dia você entenderá melhor.  

A rainha fez uma pequena pausa. Estávamos chegando aonde ela verdadeiramente queria.  

— Todos têm seu dever a cumprir na realeza. É seu dever como princesa herdeira preparar-se para ser rainha e apoiar a família real. — Aí estava o objetivo daquela conversa e eu já imaginava o que viria a seguir. — Nesse momento, devido a todos a esses problemas — ficou subentendido que todos eram graças a minha pessoa — precisamos que a nação renove a esperança em nós. Uma criança real é o símbolo dessa esperança.  

É, eles realmente querem levar esse plano adiante.  

— Não — me opus, não posso dar um filho a realeza. Sei como as crianças são criadas por aqui.  

Não estou preparada para ser mãe e definitivamente não quero conceber uma criança com o único proposito dela ser utilizada. Isso é cruel. Qual será o futuro dela?   

— Não? — Suas sobrancelhas se contraíram, mas ela manteve a voz serena. Precisava ser persuasiva.  

— Não —  voltei a afirmar. — Uma criança não deve ser utilizada.  

— Emma, respeito a sua opinião. Mas, você não é uma pessoa comum. Você é uma princesa herdeira. Como princesa herdeira precisa cumprir com seu dever — sua voz era macia, mas havia um tom cortante nela, não admitindo réplica. — Todos estão sofrendo devido a suas faltas. — Ela não utilizava mais a acusação velada. — A família real foi exposta. — E eu deveria consertar os meus erros, completei sua ideia mentalmente. — Você precisa cumprir com seus deveres de princesa herdeira. — As palavras me soaram ameaçadoras, apesar do tom calmo. Talvez, fosse justamente pelo tom calmo que elas me soaram extremamente ameaçadoras.  

Abro meus olhos. O ar continua abafado. A chuva não se decide por cair.   

Eles dizem que sou a princesa herdeira, que tenho um dever a cumprir. Então, por que me sinto como se fosse um mero peão em um tabuleiro de xadrez? Um peão pode ser sacrificado sem nenhum arrependimento.  

E há isso, meus erros. Por causa deles a família real está sendo exposta a uma torrente de fofocas. Nunca pensei (e nunca quis) que minha escrita fosse responsável por algo assim.  

Após descobrirem que publiquei contos sobre um pseudônimo, pipocaram uma quantidade incontrolável de rumores, que nem mesmo a família real conseguiu controlar.  

O grande problema é que todos, devido ao fato de Adam ter qualificado meus textos com possuidores de “um grande valor autobiográfico”, começaram a procurar nos contos correspondência com a vida real.  

Há um conto em que a personagem principal se intromete na vida de um casal, devastando seu casamento. “Irmã da Cinderela”, um nome muito sugestivo para fofocas. Existem pessoas que juram que é sobre meu casamento com Leon. 

Outro texto que é vítima de especulações é “Pequeno sol”, sobre uma garota rica, rebelde, um tanto festeira demais, enérgica, que parece ter tudo o deseja, mas não consegue o que mais almeja a liberdade e o amor de seu humilde motorista. Novamente, temos teorias. Alguns dizem que a garota em questão sou eu (parece que todo mundo acredita que apenas escrevo sobre mim! Não, não tenho imaginação). Entretanto, a ideia que predomina é que se trata de Charlie.  

A princesa caçula foi muito afetada por estes rumores, tanto que a mandaram para uma missão com mais de três meses em países pobres a fim de promover saúde e educação, levando-as para os lugares mais remotos. Está claro que eles querem transmitir a ideia de uma princesa responsável e tudo mais, contestando as ideias do meu conto. Charlie está praticamente incomunicável. Recordo-me de seu último e-mail antes de sua partida: 

“Aproveitei que meu carcereiro, digo guarda-costas (aliás, o homem não tem o charme de Bash, saudades, Bash!), teve um momento de distração para te escrever. Vou para uma viagem... ideias da rainha. Vou passar uns três meses fora... Enfim, não posso escrever mais, meu carcereiro está voltando. Cuide-se, Emma!”     

Também insinuam que realmente há alguma coisa entre eu e Will. A coisa ganhou mais fôlego graças a “Para sempre”, um jovem extremamente bonito conquista o coração de uma jovem cega, super protegida pela família. O desfecho é trágico, a jovem morre após ser obrigada a se separar do seu amado, e ele se vai, acreditando que ela nunca a amou.  

Como chegaram à conclusão que as personagens são uma referência a mim e a Will, é uma boa questão. 

Se eu fosse listar a quantidade de rumores que pairam por aí graças aos meus contos, não acabaria jamais. A cada dia parece brotar uma nova teoria vinda não sei de onde. E para fomentá-las a vida de todos que me cercam é estrinchada nos mínimos detalhes.  

E a pior parte é que não posso negar que algumas coisas sobre as quais escrevi são baseadas na vida real. A protagonista de “Pequeno sol” tem um pouco de Charlie com sua vontade de aproveitar tudo intensamente e a solidão. Há também algo de mim em “Irmã da Cinderela”, o sentimento de que me intrometi em algo que não deveria.  

Talvez, se eu não tivesse escrito essas coisas, quem sabe nada disso estaria acontecendo. Pessoas que me são caras estão sendo prejudicadas devido a coisas que escrevi.  

E, agora, estou aqui, lutando para obter um pouco de sono. É preciso ter paz para dormir, como vou consegui-la em meio ao caos da minha vida e dos meus pensamentos, eis a grande questão.  

Olho para a cama vazia, com os lençóis revoltos. Ela não me tenta. 

Ainda bem que Leon não está aqui. Ele está viajando. Como príncipe herdeiro tem uma lista verdadeiramente longa de deveres. E para tentar consertar os problemas, mais deveres foram adicionados à lista. Não quero acrescentar mais essa preocupação a ele. Já me sinto o suficiente mal por não poder cumprir com meus deveres de princesa herdeira, o que só aumenta suas atribuições.  

Não sei se consegui descansar meus olhos por alguns minutos que seja, pois quando me dou conta, a luz do sol já invadiu meu quarto. Hora de minhas aulas. Nestes últimos dois meses, desde o incidente em que a nação inteira descobriu meu segredo, não tenho aparecido em eventos públicos. Passo os dias estudando. A rainha acredita que ter aulas de etiqueta, aulas sobre a política real, aulas sobre os deveres dos membros da família real e mais uma infinidade de coisas, podem me ajudar a ser uma princesa perfeita. Não sei. Apenas é bom ter algo para focar, assim certos pensamentos não me perturbam.  

Mal toco no café da manhã, apenas como uma torrada e engulo um pouco de chá. Não sinto fome.  

O professor de leis é um velhinho simpático, com a fala arrastada. Rabisco algo no caderno, enquanto ele me explica sobre como certa lei criada pela rainha Mary II alterou toda a estrutura da sociedade.   

— Compreende? — pergunta o professor Talles, testando minha atenção.  

Assinto, mesmo tendo perdido as últimas frases que ele proferiu. Às vezes, fico tão área que simplesmente me esqueço de tudo ao redor. Nesses momentos, preciso me forçar a voltar a realidade.  

As aulas da manhã terminam. Aproveito o intervalo do almoço para pesquisar sobre algumas leis que o professor Talles pediu para a próxima aula. Como um sanduíche, enquanto estudo.  

À tarde transcorre igual minha manhã, comigo estudando, dessa vez etiqueta, sem qualquer novidade.  

São quase oito horas, quando minha última aula, História da família real, termina. Recuso o jantar, já comi algumas barrinhas de cereais. Vou para a biblioteca ler alguma coisa.  

Apanho um livro qualquer. Meus olhos fixam-se nas páginas e meus pensamentos voam. Constato que li o mesmo parágrafo umas cinco vezes e ainda não o compreendi. Desisto da leitura.  

Não gosto desse horário. Não há nada para fazer. De dia ao menos tenho as aulas. Entediantes, mas ao menos alguma coisa para me focar.  

No meu quarto, encontro o notebook. Há dias que não o abro. Hesito. Vou até a janela. A chuva anunciada ontem parece que finalmente irá se manifestar. Meus olhos vagam até o notebook. Vacilo em abrir o computador. Volto-me para a janela. Não estou preparada.  

Um trovão ecoa provocando batidas rápidas em meu coração.  

— É apenas um trovão — falo baixinho. — Já vai passar.  

Encosto minha testa no vidro frio. Estou agitada. Há algo faltando. Algo que não consigo descobrir. Parte de mim está vazia. Há um enorme buraco em mim.  

Outro trovão.  

Abro o notebook, finalmente. Hesito. Abro o word. Uma página em branco. 

— É apenas uma página em branco — digo.  

A chuva cai, e sinto meu rosto sendo banhado, mas não pelas gotas de chuva, são lágrimas.  

Não consigo mais escrever. 


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Capítulo um tanto triste, não? Emma perdeu o que ela mais amava...



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