Guardião Celeste escrita por Larissa Irassochio


Capítulo 2
Capítulo 1 - Salvação




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Jamiel andava encolhido pelas ruas frias da cidade. A gola do grosso casaco de lã protegia o pescoço e as bochechas dele. O vento era impiedoso e cortante, gelado como os dedos da morte ele queimava as partes do rosto que não estavam protegidas. Ele já tinha provado a sensação de sentir frio a quase três invernos, e não queria mais um.
Andar o fazia esquecer a dor que sentia no coração quando lembrava do Céu. Saudades era um sentimento muito ruim.
Nas ruas estreitas e escuras estavam os bêbados e drogados jogados no chão úmido. Ele se esquivava ao máximo de cada um. Tentava com toda sua força não sentir pena de cada. Até porque um anjo não devia ter sentimentos tão profundos por humanos que cavaram a própria cova.
Mas agora ele sabia a sensação dos mortais: o prazer, a dor e a felicidade. Tentação.
Caminhando entre as ruelas chegou até o centro. Os grandes prédios novos não combinavam com os casebres e vilas da região pobre da cidade. Seguia pela calçada, o mais próximo das lojas com a intenção de o vento não chegar perto.
Então, já cansado de andar por quadras, encostou-se em lugar qualquer e observou um casal que brigava por questão de ciúmes. Riu, achava o relacionamento amoroso dos humanos tão ridículo. - No céu, quando dois anjos se apaixonavam eram feito votos de marcas na pele, na Terra um anel no dedo anelar. - Mas toda sua atenção se foi quando ouviu o som alto das sirenes e uma gritaria. Estava tão curioso, não custava nada ir atrás para ver o que era.
Era uma jovem. Ela estava sentada em uma janela do oitavo andar de um prédio. O aglomerado de pessoas abaixo dela era incrível, a quantidade de bombeiros, policiais e médicos também.
"Você não precisa fazer isso, moça" ouviu um dos policiais falar enquanto os bombeiros discutiam suas estratégias de salvação.
Jamiel tomou caminho em meio a tentas pessoas até chegar na linha de frente. Observou ao seu redor: policiais e bombeiros discutiam suas estratégias para entender qual era melhor e os médicos ajeitavam doses de sedativos. Todos perdendo o seu tempo.
Mas Jamiel viu o que nenhum outro viu. Ela segurava uma arma em uma das mãos. Então, ele raciocionou. Homicido e suícidio, quem sabe só suícidio, mas já tinha visto do que os humanos eram capazes. Havia muitas pessoas ali, era melhor não arriscar.
Seus olhos percorreram preocupados e nervosos a procura de uma porta. Sem pensar ele correu em direção a entrada. Com um pouco de esforço e força ele conseguiu se desvencilhar dos policiais.
O elevador estava trancado, não restou outra opção a não ser as escadas. Correu, correu, suas pernas mortais doíam já no sétimo andar. Ao chegar no oitavo já não tinha mais folêgo.
Um logo corredor de quartos a sua frente, seguiu até o último e bateu na porta. Quarto errado, então, era o outro. Chutou a porta e ela caiu, nesse momento gelou pensando que a garota já devia ter se jogado.
O quarto cheirava a insenso e estava mais bagunçado que sua vida. Então, viu a silhueta dela por um espelho. Entrou no quarto com calma, ela se virou bruscamente.
– Quem é você? - perguntou segurando firme a arma.
– Jamiel. Jamiel é meu nome - a cada palavra ele se aproximava mais.
– Saia - ela disse segurando a raiva dentro de si.
– Nós podemos conversar... - tentou.
– SAIA! - ela berrou se jogando.
Com sorte, os braços dele envolveram ela. Os dois corpos cairam no chão duro do apartamento. Ela bateu forte com a arma no peito do rapaz enquanto dizia:
– Porque você fez isso? Você estragou tudo! - ela berrou se levantando com a arma nas mãos.
Jamiel a viu fechando os olhos e colocando a arma nas têmporas. Mais dois segundos de sorte e ele conseguiu tirar a arma das mãos dela bem quando foi desparada, o tiro atravessou o teto. Deus realmente estava do lado deles.
Como um raio, bombeiros e policiais invadiram o apartamento também. Ela olhava com ódio para o garoto que salvou sua vida e que segurava a arma ainda trêmulo pela adrenalina.
Paramédicos abordaram a garota com olhares receptivos e mãos que pousavam no ombro dela. Ele revirou os olhos e deixou que a arma caísse no chão, ignorando os policiais ele saiu do apartamento sem falar nada.
Agora Jamiel podia voltar para a intediante vida mortal dele. Seguiu para o seu pequeno quarto na pensão. Jogou as chaves no criado mudo e se despiu, jogou-se na cama e ficou por horas a fio sem o minímo sinal de sono.
– Jamiel? - pulou ao ouvir seu nome sendo chamado.
Assustado com medo de alguém ter invadido o seu quarto, ligou a luz e puxou o bastão de baseball de um canto. Ficou em posição de ataque, mas relaxou ao ver que era um de seus antigos colegas do Céu.
– Quanto tempo - ele tinha a voz de um trovão, mas o rosto era amigável.
– O que você quer, Casper? - perguntou coçando os olhos ainda com o bastão em uma das mãos.
– Você irá fazer um longa viagem, mas juro que será rápida - Casper sorriu.
Casper era um dos anjos na linha de Jamiel. Eram bons amigos.
– Ah, que ótimo. Maravilhoso - reclamou.
Casper riu do mau-humor do amigo.
– Você está realmente me lembrando a um humano.
Jamiel deu as mãos para o outro e deixou-se ser levado.

Abriu os olhos e foi atingido por uma luz intensa nos olhos. Sabia onde estava, Céu.
– Jamiel, muito bom saber que aceitou ser recebido. - Gabriel disse.
– Já sei que não ficarei por muito tempo. O que vocês querem? - perguntou impaciente, mas por dentro tinha vontade de chorar implorando para ser aceito novamente.
Gabriel mexeu nos cabelos negros e sorriu. Era um sorriso de tristeza, sentia falta do irmão ao seu lado nas batalhas.
– Hoje nós vimos o que você fez. Salvar aquela humana foi uma atitude muito bonita, e... pensamos bem. Você será aceito novamente. - os olhos de Jamiel se encheram de esperança - Mas terá que cuidar dela, da humana, dar sua vida por ela se for preciso e - hesitou - recuperar suas asas.
Jamiel suspirou.
– Tudo bem.
A última coisa que viu antes de acordar na cama no outro dia de manhã foi o sorriso de Gabriel.

Jamiel pagou o taxista quando ele estacionou na frente do hospital psiquiatrico. Era um grande prédio cinza no meio da cidade. Tanto os portões quanto os muros pareciam que tinham sido feitos para abrigar bandidos ao invés de pessoas doentes. A cada dia que vivia mais na Terra Jamiel se decepcionava.
Apertou o interruptor que fazia uma chamada para o hospital.
"O que o senhor deseja?" a voz perguntou.
Ele olhou presunçoso para a câmera e respondeu.
–Quero visitar uma paciente.
Então, só então, um homem apareceu abrindo um pequeno portão ao lado. Ele entrou agradecendo e seguiu para o hospital, o caminho era de pedras. Era um lugar razoável, grama verde e mesas ao meio das árvores.
Observou um homem que olhava para o nada e uma mulher que gritava compulsivamente. Fechou os olhos ao sentir tanta dor em volta de si, os humanos tinham uma facilidade para carregar tristeza que ele entendeu o porque de tantas pessoas se matar.
Quando ele chegou na portaria sentiu o ar quente do ar-condicionado. Estava agradável lá dentro. Então, ele percebeu o olhar duvidoso da secretária. Debruçou-se sobre o balcão.
– Bom dia. Quem deseja visitar? - ela perguntou enquanto assinava alguns papéis.
Naquele momento Jamiel se sentiu muito idiota. Não sabia o nome da garota. Mas como se O Grande estivesse ao lado dele naquele momento, tudo pareceu se resolver.
– Ela - sussurou e foi em direção a jovem.
A garota gritava com um enfermeiro que parecia destinado a fazer ela ficar no hospital por mais algum tempo.
– Eu tenho total direito de sair daqui se eu quiser. Sou maior de idade e vocês não mandam em mim. - ela o encarou com raiva.
– Mas você precisa ficar! É para o seu bem! - ele segurou o braço dela.
Ela o encarou como se ele fosse um verme, alguém inferior.
– Tire.Sua.Mão.De.Mim. - ela disse as palavras com calma, então virou-se dando de cara com Jamiel.
Ele viu um misto de sentimentos passar pelo rosto dela. Surpresa, desentendimento, e demorou, mas chegou na raiva.
– O que você está fazendo aqui? - e puxou o colarinho do casaco dele acertando um soco bem no nariz do rapaz.
Jamiel foi para trás com a mão no nariz. Esperava que estivesse sangrando, mas não.
Ela se debatia nos braços do enfermeiro, mas subitamente, ela parou e empurrou o enfermeiro para longe. Ela o encarou e passou reto, foi até a secretaria e assinou alguns papeis.
Os dois homens a encaravam sem entender, mas ela lançou um único olhar para Jamiel.
Ele se virou para o enfermeiro e agradeceu, saiu correndo pelo jardim até chegar na garota. Ela andava desajeitada, o casaco caia pelos ombros e as mangas eram maiores que os braços, a mochila estava aberta e ela fungava.
– O que você quer? - perguntou sem olhar para trás para saber que ele estava ali.
– Quero te ajudar - disse indeciso se tocava no ombro dela ou não.
Ela parou e se virou. Tinha olhos pintados de pretos e uma expressão de dúvida.
– Você é um daqueles maníacos perseguidores? - perguntou fechando as sobrancelhas e semi-cerrando os olhos.
– Não. Claro que não - disse já esperando uma resposta negativa.
Ela olhou para o lado e arregalou os olhos, fez um gesto com as mãos que ele não entendeu e respondeu:
– Tudo bem. Não tenho muito o que perder se você for um. Vamos tomar um café.


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