Marte: -50° escrita por mity


Capítulo 2
Capítulo 2




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Me desculpe, poderia repetir?

É, isso só causou mais risadas e murmúrios. Pelo menos eu fiz o presidente dos Estados Unidos rir. Que linda, Audrey.

— Do que a senhorita mais vai sentir falta daqui?

Ah, essa era fácil.

— Bom, acho que do chuveiro com água quente e da internet. Eu poderia dizer dos meus livros, mas me informaram que eu poderei levar, então é melhor que a nave seja bem grande, pois não vão ser poucos.

Mais risadas. Até que não fui tão mal, o povo estava gostando.

— Hahaha, certo, muito boa escolha. - Então ele chamou outras pessoas pra se pronunciarem.

Nem preciso dizer o quanto eu tremia.

— Mandou bem. - Conor disse, chegando mais perto de mim para que eu pudesse ouvir-lo em meio a tanto barulho.

Eu não respondi, apenas sorri, mas ele não deve ter visto.

•••

Depois da entrevista, nós fomos para o jantar. Ele seria em uma das infinitas salas de jantar da Casa Branca. E dessa vez Barack Obama não estaria presente. Nem toda nação mundial. Então eu tava mais tranquila.

Eu sentei no meio de umas pessoas que eu não fazia ideia de quem eram, e também não falavam o meu idioma. Poderia ser espanhol, talvez português, enfim, tanto faz.

Foi servido todo tipo de comida que se possa imaginar, e eu comi como se não houvesse amanhã. Pois é, piadinha interna.

Eu saí para ir ao banheiro. Não que eu quisesse ir ao banheiro, eu só queria sair de perto de tanta gente falando.

Decidi dar uma voltinha pela "casa". Se fosse pega, pelo menos teria dado um rolê por ela. Cara, aquilo era enoooorme. Por fora não parece, mas acredite, é. Tem tapetes vermelhos por todo corredor e volta-e-meia tinha um vaso de flor, uma mesa com espelho e muitas, muitas portas. E escadarias. Muitas escadarias.

Me perguntei pra onde iam cada uma. Todavia eu não seria tão louca a ponto de entrar em uma delas.

Então eu cheguei a uma porta de vidro, que tinha saída para um jardim. Eu girei a maçaneta e entrei - ou saí? Era lindo; tinha várias espécies de flores e uma fonte onde escorria água. E o céu era seu teto. Era noite de lua cheia, e o céu estava todo estrelado.

Em algum lugar desta galáxia gigante eu me encontraria em algumas semanas ou meses. Aquilo me assustava. Minha vontade era de sair correndo e pegar o primeiro vôo pro país mais distante, onde nunca me encontrariam. O que mais me deixava com receio é que mal conhecia alguém dos 100. Eu estaria sozinha lá. Não literalmente sozinha, mas sozinha. Eu me odiava naquele momento. Na verdade, eu odiava a tudo e a todos naquele momento.

Eu fiquei lá até perder a noção do tempo, e quando saí, alguns caras vieram atrás de mim.

— Senhorita Wayburn? Estávamos te procurando. A senhorita precisa ficar na sala de jantar, junto com os outros. - Um deles rosnou.

— Desculpa, acabei me perdendo.

Acompanhei os dois até a sala de jantar, e Conor veio até mim dando passos rápidos.

— Onde você estava? Estávamos todos preocupados.

— Fui... Ahn... Tomar um ar. Não estava me sentindo bem.

— Por favor, não faça mais isso. Só espero que não faça isso em Marte. - Ele deu um sorriso.

Nós voltamos a nos sentar em nossos lugares, e eu voltei a ouvir conversa estrangeira.

Eu me intrometi na conversa, dizendo:

— Com licença, alguém aqui fala inglês?

Eles se olharam, confusos, até um garoto que estava sentado ao meu lado responder, com sotaque engraçado:

— Sim, eu falo.

— Qual seu nome?

— Luis.

Luis. Belo nome.

— De onde você vem, Luis?

— Argentina. E você?

— Ahn... Sou daqui. Digo, Washington.

Nós falamos mais algumas coisas. Luis era divertido.

Algumas pessoas foram indo embora, e eu decidi que iria também. Me despedi de Luis e fui.

— Audrey? Está indo embora? - Meu treinador perguntou.

— Estou, por quê?

— Ahn, se não tiver carona, pode ir comigo. Eu te levo em casa.

— Claro, obrigada.

Nós caminhamos um bom caminho até chegarmos em seu carro. Eu não disse nada até ele puxar assunto.

— Ansiosa para amanhã?

— Ansiosa, sim, mas com vontade de ir, não.

— Por que não? No começo do treinamento, você estava louca para ir.

— Eu sei, é que eu fui criando juízo.

— Então está indo contra a vontade.

— Pois é, mas não posso desistir, senão terei meio mundo querendo me comer viva.

Ele deu uma risada. Por que todo mundo me achava engraçada? Eu não queria ser engraçada. Eu não queria nada.

— É, agora não sem volta, senhorita Audrey.

— Eu queria poder ter escolha, mas parece que vendi minha alma pro diabo.

Ele deu um sorriso de lado.

— Gosto do seu senso de humor. Com você nunca tem crise.

"É uma pena você não poder ler pensamentos, porque não é o que acontece dentro de mim", pensei.

Eu me calei até o resto do percurso, e ele também.

Conor estacionou o carro na frente da minha casa.

— Chegamos.

— Muito obrigada pela carona, treinador. - Dei ênfase em "treinador".

— Pode me chamar de Conor.

— Boa noite, e obrigada de novo.

— Boa noite.

Eu saí do carro e entrei em casa.

Fui para o quarto, e tive a melhor das sensações: tirei meu sapato. Ai, parecia que eu pisava nas nuvens descalça.

Tomei um banho, vesti um pijama e fiquei na cama, mexendo no celular.

Minha última noite a dormir em uma cama normal. Minha última noite a dormir na minha cama. Minha última noite na terra.

•••

— Acho que você não está muito animada com isso. - Meu irmão disse, no café da manhã.

— Nossa, tá assim tão na cara? - Respondi.

— Parece que ninguém está. - Meu pai admitiu.

— Eu só queria ter uma vida normal. Fazer a faculdade, ter um bom emprego, ter um namorado, casar, ter filhos.

— Mas você vai poder ter tudo isso lá. Quer dizer, menos a parte da faculdade.

— Ajudou muito, pai. - Eu disse com ar irônico.

Nós partiriamos às 14h.

Meu estômago borbulhava de ansiedade e de medo. Eu não estava pronta para aquilo. E, afinal, quem estava?

Isso é como um Jogos Vorazes. A diferença é que não seriam as pessoas a matar.

•••

Nós saímos de casa quase uma hora da tarde. Eu saía pra sempre.

Será que é assim que as pessoas prestes a morrer se sentem? Será que elas sabem que vão morrer? Porque se for, me sinto como uma.

Eu tinha que me despedir da minha família logo que chegasse, pra receber as instruções.

Essa foi a coisa mais difícil que eu já fiz na vida. Eu já estava chorando, óbvio, assim como eles: meu pai, meu irmão, minha cunhada e Keadlyn.

— Olha, eu amo vocês. Tudo vai ficar bem. Eu vou ficar bem. Quem sabe algum dia eu volte? É só um adeus por enquanto, nós vamos dar um jeito.

Eu abracei cada um, e cada um era uma parte de mim que eu deixava na Terra.

Um cara veio me ajudar com as malas. Quer dizer, com a mala, porque só podia levar uma.

Ouvi alguém gritar meu nome. Olhei pros lados, era Baden. Ele vinha em minha direção. Eu corri até ele, e nós nos encontramos num abraço.

— Pensei que não ia ver você nunca mais. - Ele disse.

— Que bom que veio. Mas eu tenho que ir, então, vamos nos depedir apropriadamente.

Eu já devia ter derramado todo líquido do meu corpo em forma de lágrimas.

— Eu amo você, e não se preocupe comigo. Foi ótimo te conhecer, você foi o melhor amigo que eu já tive. Tenha uma boa vida.

Ele também já estava em lágrimas.

— Eu também te amo. Te conhecer foi um privilégio, nunca vou me esquecer de você. Se cuida.

Nós demos um último abraço e eu tive que ir.

Sequei as lágrimas pra ninguém me ver chorando.

— Wayburn, vista essa roupa, coloque sua mala ali - O oficial de bordo apontou uma cabine com a porta aberta - e volte aqui para te dar as instruções.

Eu fiz o que ele disse, e quando voltei, ele ensinou a mim e a minha equipe o que fazer. Depois daquilo, devíamos ficar todos juntos pra aparecer na televisão. O mundo todo acompanhava-nos.

Tudo o que fizemos foi acenar e dar sorrisos. Não podíamos passar a impressão de tristes.

Logo após isso, embarcamos.


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Notas finais do capítulo

Comenteeeem!!!