Dons: Carbúnculo escrita por KariAnn, Haruka hime


Capítulo 5
Reencontro


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo. Era para eu ter postado no sábado, mas confesso que me esqueci disso. Sem mais delongas, segue o capítulo, um pouco mais curto dessa vez.



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A campainha soou duas vezes antes que Alícia atendesse. Ao abrir o portão, ela se deparou com um homem bem vestido, com cabelos castanhos compridos e bem penteados, que estava à procura de Kurt Raimann.

— Meu pai não está. Quem é você? — perguntou Alícia com ar de quem está perdendo um tempo precioso. 

— Sua voz engrossou ou é impressão minha? — O homem sorriu, divertido. — Acho que você não se lembra do seu tio.

Depois de olhá-lo com mais atenção, as sobrancelhas de Alícia se arquearam e sua boca se abriu num o ao reconhecer o tio Marcos. Ela coçou a cabeça, um pouco envergonhada por seu descaso.

— Oh! Claro, agora me lembrei de você. Desculpe! Quer entrar? Meu pai está na casa do tio Elric, mas os dois virão pra cá daqui a pouco para o almoço.

— Entendo — ele falou sem demonstrar aborrecimento. — Vocês ainda mantém o costume de jantar todo mundo no mesmo lugar? Isso me traz lembranças. 

— Sim, sim. Mesmo em dia de trabalho. Por enquanto, estão todos tirando umas férias prolongadas.

— Então os negócios estão indo bem na empresa?

— Muito bem.

Marcos entrou, fechou o portão e seguiu a sobrinha. Ao passar pelo jardim, ele pode ver Amélia e as amigas a conversar, todas deitadas na grama. Ele sorriu ao se lembrar da sobrinha quando era mais nova. Estava bonita e certamente ficaria mais bonita conforme crescesse.

Na sala de estar, Fábio estava sentado numa poltrona a ler seu livro quando Alícia e o tio entraram. Marcos olhou para o sobrinho e sorriu, mas seu sorriso diminuiu e se transformou em espanto ao notar o livro nas mãos do garoto. Fechou os punhos devagar, mas seu sorriso voltou a se alargar.

— Olá, como vai? — Marcos se dirigiu a Fábio. — Você é o Fábio, certo?

— Certo — falou o Fábio, sem tirar os olhos do livro, porém, depois de um cutucão forte de Alícia, ele se levantou e cumprimentou o tio com mais boa vontade.

— Não espero que se lembre de mim. Você ainda era um bebê na última vez que te vi — falou Marcos, se sentando no sofá que ficava de frente para o garoto. 

— Sim, mas meu pai me falou de você.

Marcos riu com a observação do garoto, mas seus olhos estavam fitos no livro. Ele passou a mão no cabelo, tentando pensar em um assunto para conversar com Fábio. 

— Então, como vai a escola? — perguntou o homem por fim. 

— Não vou à escola.

— Por quê? — Marcos se espantou com resposta. 

— Detestei as pessoas de lá, então meu pai contratou professores particulares. É muito mais prático estudar em casa.

Marcos ficou a encarar o sobrinho, embasbacado. Falar sobre a escola era sempre um bom começo de conversa com uma criança, mas Fábio demonstrou que ele era diferente dos outros jovens de sua idade em alguns aspectos. 

— Mas você não se sente solitário?

— Não — respondeu ele,  franzindo a testa como se aquela pergunta fosse muito estranha. 

— Nunca? — o homem insistiu.

Fábio levantou os olhos para a figura de Marcos. Escondido atrás do livro, seus lábios se contorceram e formaram um sorriso de escárnio que o tio notou.

— Eu só preciso de um professor, não de um monte de pessoas, muitas desinteressadas, falando ao meu redor.

O ego de Fábio surpreendeu seu tio de forma não apenas divertida, mas também incômoda. Certamente era um garoto inteligente, porém algo nele incomodou Marcos de um jeito que ele não sabia explicar. Talvez fosse o olhar arrogante e desinteressado que ele expressou naquele último momento.

Quando entrara na sala, Marcos achara que o sobrinho era um garoto inocente e atencioso, a julgar pelo rosto angelical, o sorriso leve, mas depois de ouvi-lo falar daquele jeito, o homem pensou que as aparências realmente enganavam. Também pensou consigo que Fábio sabia muito mascarar sua real personalidade egocêntrica, pois logo voltou a expressar uma serenidade humilde que não tinha. 

— Esse livro que você está lendo, sobre o que é? — perguntou Marcos, após alguns segundos. 

— Uma lenda indígena muito interessante.

— Lenda indígena? — repetiu, desconcertado, o que chamou a atenção do sobrinho. — Nossa... Interessante. E você está gostando?

— Sim — confirmou Fábio, os olhos fixos em Marcos. — Há muito sobre história indígena latina aqui.

Marcos balançou a cabeça como se aprovasse algo e sorriu um sorriso murcho. Olhou para o livro com interesse e isso também não fugiu à percepção do garoto.

— Entendi. Eu gostaria de lê-lo também. Adoro ler. Você pode me emprestar quando terminar? — falou Marcos, tentando soar o mais natural possível. 

— ... É que... Esse livro não é meu, sabe? Terei que pedir permissão para emprestá-lo — falou Fábio um pouco embaraçado, o que também não fugiu à percepção de Marcos. 

O homem sorriu e concordou com a cabeça. Fábio, então, pediu licença e se retirou rapidamente da sala, sem olhar para traz. O tio o observou se afastar com um sorriso que sumiu aos poucos. Alícia, que ainda estava na sala, não parecia ter sequer prestado atenção na conversa.

— Então... —  Ele se voltou para a sobrinha. — Esta é atualmente a casa de vocês. E a Casa Grande? Ainda em uso?

— Hein? — Ela pareceu desnorteada. — Ah, sim, sim. A ideia do meu pai foi pra frente. Aquelas meninas com a Amélia são todas habitantes da Casa Grande.

— Entendo. Jamais esperaria menos do Kurt.

— Ninguém espera. 

O olhar e o modo de falar de Alícia pareceram extremamente desinteressados para Marcos. Ele a observou e comparou com a irmã mais nova. Amélia era sem dúvida mais vaidosa que a mais velha, de cabelos cheios e coloridos, vestido claro, sapatilha, parecia mais uma boneca. Já Alícia era mais bruta, com cabelos curtos e revoltos, roupas masculinas e uma aparência madura.

Aquela diferença entre irmãos era algo que Marcos achava muito interessante. Pensou também na aparência de Fábio; de um garoto de quinze anos, cabelos compridos e muito escuros, olhos inclinados, e uma pele imaculadamente limpa e clara. Quem olhasse jamais imaginaria que por trás dele se escondia uma criança mimada e arrogante. Não era exatamente o filho que Marcos imaginaria que Kurt teria.

Enquanto ele pensava em tudo isso, Kurt, Elric, Loui e Adela adentraram a sala e se surpreenderam com a presença do irmão. Marcos se levantou, sorridente, e cumprimentou os quatro calorosamente. 

— Como tem passado, Marcos? — perguntou Elric, sentando-se num sofá em frente ao irmão.

— Muito bem, obrigado. Voltei faz uns dois dias, e estava ansioso por poder vê-los novamente.

— Dois dias? Demorou dois dias para vir nos ver? — Kurt pareceu ofendido — Seu bastardo! Deveria ter vindo direto pra cá. Onde você está hospedado? Podia ficar aqui ou na Casa Grande. Tenho um quarto de hóspedes aqui, sabia?

— Relaxa, meu irmão — disse Marcos e riu do rigor e vivacidade do irmão mais velho. — Eu estou bem. Tenho uma casa no centro, você não se lembra? E tenho uma empregada comigo. Não estou gastando com hospedagem. Mas agradeço a hospitalidade, e me desculpe por demorar tanto para vir.

— Está perdoado — falou Kurt, dando um tapa leve nas costas do irmão. — Mas por onde andou? Já faz alguns anos que não temos notícias suas.

— Sim. — Marcos pigarreou. — Estive no norte. Trabalhei em alguns negócios por lá, viajei para o centro-sul, fiz muitas coisas. Depois contarei com mais calma.

— E o que o trás de volta? — Loui perguntou com mais calma que Kurt.

— Estou engajado num novo negócio já faz um bom tempo. Agora estou a cumprir uma missão que exige minha presença aqui. Mas esse é um assunto que pode ser um pouco delicado para vocês.

A curiosidade de todos foi aguçada diante da última declaração de Marcos, tanto que Adela se inclinou um pouco para frente, pronta para ouvir o que o irmão quisesse dizer.

— Vejo que vocês estão mesmo interessados. Pois bem! — Marcos inspirou profundamente antes de falar. — Eu me juntei aos Óligos.

Os semblantes se alteraram. Os olhos de Kurt se arregalaram e a boca se escancarou em forte demonstração de espanto. Adela levou a mão à boca e olhou para os irmãos, todos de olhos arregalados. Elric suspirou e passou a mão no rosto de forma perturbada. Loui se limitou a fechar os olhos e voltar a olhar para o irmão com reprovação.

Marcos encarou cada um deles e não pareceu surpreso com a reação geral, pois já esperava por aquilo. Até mesmo sua sobrinha pareceu um pouco surpresa.

— Marcos — falou Kurt, quebrando o silêncio que imperou na sala por um tempo —, o que você quis dizer com isso? 

— Foi exatamente isso! Apoio totalmente a causa deles, ideia por ideia. Então me uni a eles. 

— Mais isso é... Isso é... Absurdo, Marcos! — exclamou Loui, se levantando bruscamente, o que não condizia com seu comportamento geralmente comedido e controlado. — Os Óligos são rebeldes, assassinos, são...

— Eles fazem o que fazem pelo bem de seus ideais. — Marcos se levantou também.

— De quais ideais você fala? — perguntou Elric sem alterar seu tom de voz calmo. — Acha que matar por que você acredita numa verdade particular é correto? Acha que forçar os outros a ter a mesma opinião que você é correto? Porque é exatamente isso que os Óligos fazem. 

— Não é bem assim que funciona! — Marcos gesticulou exageradamente.

É sim! — disse Adela, também alterada. — Quem concorda com eles fica vivo, e quem discorda morre.

Marcos começou a andar de um lado para o outro, mordendo os lábios. Havia chegado lá achando estar pronto para qualquer objeção dos irmãos, mas percebeu que não estava cem por cento pronto para uma discussão tão complicada. Tentou respirar fundo para manter o controle.

— Irmãos, entendam! — O homem voltou a falar. — Vocês concordam mesmo com aquela ditadura de Áquila? Com aquelas regras que eles impõem sem consultar o povo?

— Que regras? — perguntou Elric, já impaciente. — Não há imposição de nada. A única regra realmente relevante é a de não matar humanos. É tão difícil isso? 

— Não se trata apenas disso — falou Marcos entre dentes. — Não faça isso, não mate, não interfira, os humanos não são como nós... E aqueles soldados deles, pra que servem? Além disso, vocês sabem que há mais coisas por trás da Ordem, não sabem? Eles escondem coisas de nós, assuntos importantes. Eles também tomam decisões por nós. Cada vez que você faz algo que pareça suspeito lá vão eles mandar seus soldadinhos marionetes atrás de você para saber por que você não pagou o tio do sorvete, que era humano... — Marcos parou e respirou depois de falar tudo aquilo num fôlego só.

— Marcos, eu não entendi nada do que você tentou dizer — Adela falou como se olhasse para um louco. 

— Que há segredos na Ordem, há! — Loui falou. — Mas você não pode transformar isso numa teoria da conspiração. A Ordem é uma autoridade que se esforça para ser o melhor que pode. Se não matar é algo ruim pra vocês... Os únicos vilões são vocês!

— Jamais conseguirei entender qual é o ideal dos Óligos. — falou Elric, balançando a cabeça de um lado para o outro e arqueando a sobrancelha com certa ansiedade.

Marcos baixou a cabeça um pouco confuso. Suspirou e se sentou novamente. Loui e Adela o imitaram. Por um tempo que pareceu durar muito, ninguém disse nada.

O ar em volta deles pareceu ficar mais pesado conforme o silêncio se estendia. Kurt apenas encarava o irmão sem demonstrar expressão senão desapontamento, e aquilo pesava mais em Marcos, como um fardo impossível de se carregar. 

Depois de mais um tempo suportando o olhar desconcertante de Kurt, Marcos se levantou novamente.

— Eu sabia que vocês não iriam concordar, mas tive esperança de que me entendessem.

— Marcos — Kurt falou por fim —, não entendo bem o que você pretende, nem quais são as suas motivações. Saiba que jamais a família Raimann apoiará uma causa nefasta e sem sentido como a dos Óligos. Você pode agir da maneira que bem entender, ninguém aqui pode te impedir, mas eu espero que você abra os olhos e perceba o grande erro que está cometendo.

— Tudo bem, irmão — disse Marcos, transtornado. — Eu realmente lamento por isso... Foi bom vê-los novamente. Com licença.

Marcos se retirou o mais rápido que pôde sem olhar para trás. Os irmãos Raimann ficaram todos na sala a ruminar a discussão que acabara tão mal.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler. Comentem!



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